Saturday, 16 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Antonio Machado

JORNALISMO & PROPAGANDA

“Propaganda travestida de notícia embota a discussão econômica”, copyright Cidade Biz (www.cidadebiz.com.br), 24/09/03

“O advento da internet e das modernas tecnologias de processos alçou a informação à condição de bem dos mais valiosos. Tratada de um jeito, a informação é notícia, que atualiza e educa. Tratada de outro, é propaganda, que se presta a turvar a compreensão e fazer prevalecer um certo ponto de vista e somente ele. O noticiário econômico dos últimos dias, de acordo com tal definição, está impregnado de propaganda travestida de notícia jornalística.

A discussão sobre o novo acordo do governo com o FMI está nessa categoria em que a forma se sobrepõe ao conteúdo, ganhando foro de seriedade. O governo quer negociar um acordo dito inovador, que expresse seu compromisso com os pobres e o resgate da miséria, razão pela qual fez revelar que está a exigir, nos itens de monitoramento pelo Fundo, a inclusão de metas dos programas sociais.

Tudo bem, já se ouviu do outro lado, desde que, renovado o acordo, seja cumprido o que importa, a saber: o superávit do orçamento federal, que vem a ser a garantia de pagamento dos juros da dívida pública e sua redução anual como proporção do PIB.

Ao Fundo, na verdade, nunca fez grande diferença o trato dos dinheiros públicos, uma vez cumpridos os compromissos da ciranda financeira. A preocupação é com a solvência do país, o livre fluxo dos capitais, a tranqüilidade e ordem dos mercados financeiros e, não menos importante, a devolução no prazo acertado dos valores emprestados sempre com o objetivo de ajudar a solucionar problemas cambiais. O resto é detalhe retórico, podendo o governante incluir no acordo que irá assinar o que quiser.

Também se defende, com a paixão dos fundamentalistas, a exclusão dos investimentos de empresas estatais do critério de aferição das despesas públicas, na contabilidade das contas nacionais. Aqui parece haver a intenção deliberada de dar um nó na cabeça dos economistas do FMI, uma organização multilateral – é bom sempre lembrar – da qual o Brasil é sócio entre 184 países e à qual os governos só recorrem por livre e espontânea vontade.

Nunca por imposição externa dos credores e de ninguém, como há anos até gente séria e diplomada costuma denunciar, sabe-se lá se por ignorância ilustrada ou má-fé ideológica.

O que ninguém aparenta se dar ao trabalho de questionar, nesta discussão sobre os investimentos das estatais, é se não se trata de uma história parecida com a do jabuti agarrado a um galho. Como jabuti não sobe em árvore …

Este tratamento contábil a que se submeteram as estatais favorece a realização do tal superávit do orçamento antes do pagamento dos juros da dívida pública, que o governo Lula se auto-impôs em 4,25% do PIB, tendo sido de 3,5% a 3,75% nos anos de Fernando Henrique. Sem a contribuição das estatais e mantido o objetivo de superávit, ou aumentam-se os impostos ou cortam-se despesas públicas. Não foi o Fundo que impôs este critério, mas sim o governo passado que o sugeriu e a atual equipe econômica julgou melhor conservar.

A decisão deste critério, portanto, tem de se dar é aqui mesmo, em Brasília, no interior do governo, e não com o FMI, a quem, repita-se, só importa o resultado final – ou seja, um nível mínimo de superávit que assegure a solvência dos passivos públicos em reais e em dólares. A questão relevante é entender o motivo deste superávit: permitir o encolhimento relativo do Estado na disputa com o setor privado por recursos da sociedade, mediante impostos ou dívida ou ambos instrumentos, que é o caso brasileiro.

A poupança estatizada

A carga tributária chega a 36% do PIB, nível recorde para países assemelhados ao Brasil, sobe a 43% se se considera o recolhimento compulsório sobre os depósitos da banca como receita parafiscal e passa de 45% incluindo a poupança forçada do FGTS. O Estado, além disso, responde por 84,21% da movimentação financeira no país, de acordo com o projeto de lei do orçamento da União para 2004, contra 67% da programação estimada para este ano.

O que expressam estes números? A estatização virtual dos recursos financeiros.

O problema brasileiro, ao contrário do que supõem economistas que desprezam as identidades contábeis, é essencialmente fiscal e de baixa credibilidades das instituições públicas para a garantia dos capitais. Como bem disse o ministro Antonio Palocci em Dubai à repórter Tatiana Bautzer, do Valor, ?não há acordo com o Fundo que substitua o que tem de ser feito?.

O que diferencia a negociação de agora das três realizadas pelo governo passado é que, hoje, há menos necessidade de dinheiro do FMI. Palocci, porém, é só uma das vozes de um governo que se manifesta por várias bocas e insiste em satisfazer interesses contraditórios ao mesmo tempo. Seu mérito é ter vindo até aqui como a voz ouvida pelo presidente, embora tenha de amoldar sua racionalidade à retórica propagandística.

É o mesmo que ocorre com a taxa de juros. Formalmente, o governo trabalha pela baixa do custo do dinheiro e o aumento de seu volume disponível. Na prática, ajusta a liquidez de maneira a que nem os juros caiam tanto, de modo a despertar uma corrida ao crédito, nem a sua falta termine por asfixiar o consumo.

É o que explica a massa de dinheiro parado na tesouraria dos bancos, cerca de R$ 57,6 bilhões, sem tomador e aplicado por isso no mercado overnight de títulos públicos. Se os juros baixassem, essa liquidez represada desapareceria no ato.

Mas aí quem financiaria a massa de títulos federais? E a economia pode abrir mão das exportações da produção sem comprador no mercado doméstico? Dependendo da resposta a tais indagações, pode-se ter uma notícia ou uma peça de propaganda.”

 

ENTREVISTA / BONI

“Para Boni, Falta Inovação Na Tv”, copyright Folha de S. Paulo, 28/09/03

“Um dos responsáveis pela implantação do ?padrão Globo de qualidade? e crítico da má qualidade da programaç&atiatilde;o das TVs, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, 67, acredita que crises como a enfrentada pelo SBT, pela exibição de uma entrevista com falsos integrantes de uma organização criminosa, poderiam ser evitadas se as emissoras adotassem manuais de conduta ética.

?É fundamental que todos os profissionais da empresa conheçam o pensamento do dono?, afirma o ex-vice-presidente da Globo, contrário à suspensão da exibição de programas pela Justiça, mas favorável à punição pelo poder concedente, o governo federal, em casos de repetição.

Boni afirma que, à exceção da Globo, a televisão brasileira é ?um deserto?, está no fundo do poço, não tem criatividade.

A solução para Boni, atualmente envolvido com duas afiliadas da Globo no interior de São Paulo, é a regionalização da programação. ?O modelo de rede nacional está esgotado?, afirma.

A seguir, os principais trechos de entrevista concedida por Boni.

Folha – O sr. foi contra a proibição pela Justiça da exibição do ?Domingo Legal?. Qual seria o ideal?

José Bonifácio de Oliveira Sobrinho – O julgamento é a sociedade que tem de fazer, por grupos de pressão, ONGs, e a punição, pelo poder concedente. O poder concedente deve aplicar punições gradativas, que podem até culminar na cassação do canal.

É preciso que o poder concedente tenha coragem de aplicar o seu poder não censurando, mas examinando a conduta ao longo do período da concessão, e avaliar se ela vai ser renovada ou não.

Folha – O que o sr. acha da campanha Quem Financia a Baixaria É contra a Cidadania?

Oliveira Sobrinho – É uma boa campanha. A punição financeira é a mais fácil. Não só os anunciantes, mas as verbas governamentais não podem ir para emissoras que não tenham conduta correta.

Folha – Se o sr. estivesse no SBT, com os poderes que teve na Globo, como agiria no caso do Gugu?

Oliveira Sobrinho – É impossível para um empresário ou diretor de emissora assistir a 24 horas de sua programação. É fundamental que as emissoras tenham uma política de conduta, o chamado ?police?, que seja vertical e horizontal, que todos os funcionários conheçam o pensamento do dono, para evitar deslizes.

Folha – Aparentemente quase não há política de ética…

Oliveira Sobrinho – Acho que não tem praticamente nada na TV brasileira. São raras.

Folha – Seria o caso de adotar manuais e códigos de ética?

Oliveira Sobrinho – Sim.

Folha – E um código de ética por meio de lei?

Oliveira Sobrinho – Não acredito em nada que se faça por lei, por imposição. Isso é responsabilidade de quem tem a concessão.

Folha – O caso de Gugu pode contribuir de alguma forma para a melhoria da TV brasileira?

Oliveira Sobrinho – Um deslize dessa natureza contribui para melhorar. Serve de ensinamento.

Folha – A televisão brasileira está no fundo do poço?

Oliveira Sobrinho – Não. Quando falo que o modelo está esgotado, quero dizer que temos apenas um grande produtor de conteúdo, que é a Rede Globo, que tem políticas muito claras de produção, comercialização, de conduta.

Um país do tamanho do Brasil precisa de mais de uma fonte de informação, de produção.

Folha – Tirando a Globo, as outras TVs estão no fundo do poço?

Oliveira Sobrinho – Estão. Acho um deserto. Há empresários competentes, mas não percebo vontade. Deixaram que a Globo tomasse tal dianteira, perderam a vontade de competir. Sem competição não há melhoria, não há qualidade, não há inovação.

Folha – O sr. não acha que a Globo está exagerando um pouco em sexo e violência em suas novelas?

Oliveira Sobrinho – Sinceramente, eu procuro não ver muita televisão. Não seria capaz de dizer se há exagero ou não porque essas coisas são mutáveis. Com o tempo vai se mudando a conduta social. Sei é que falta inovação.

Folha – Também para a Globo?

Oliveira Sobrinho – Também. Acho que estamos retornando a coisas antigas. É preciso um esforço criativo. Sou contra a importação de formatos.

Folha – O sr. assistiu a ?Big Brother Brasil?, programa de formato importado dirigido pelo seu filho?

Oliveira Sobrinho – Vi. Eu não gosto do texto, dos atores. Há uma situação de falsificação de realidade. A separação entre ficção e realidade é muito tênue.

Se você entrevista um criminoso qualquer está abrindo um microfone para ele fazer apologia do crime, fazer ameaças. Isso é gravíssimo. Quando você falsifica isso, é mais grave ainda porque você está ameaçando a sociedade com uma ameaça inexistente.

Folha – Isso é desespero?

Oliveira Sobrinho – Exato. Porque a TV Globo tem hoje 50% da audiência e 80% das verbas publicitárias. Sobram 20% para todas as outras redes. De repente, para conquistar alguns pontos de audiência e tentar vender esses pontos você fica sujeito a uma acrobacia criativa que vai acabar se dirigindo para o pior lugar.

Folha – Como reagir?

Oliveira Sobrinho – Não dá mais tempo de montar uma outra TV Globo. Então a maneira de enfrentar esse problema é através do local, do regional.

Folha – É viável financeiramente?

Oliveira Sobrinho – Não sabemos. Mas é uma experiência pela qual temos de passar. A tônica é que nós temos um Brasil tão diversificado que há caminhos para fazer esse tipo de televisão.

Folha – As concorrentes da Globo deveriam deixar de ser redes?

Oliveira Sobrinho – Acho que pode ser rede nacional e respeitar a programação local.”

 

“TV BONI” EM SÃO PAULO

“Boni quer montar TV local em São Paulo”, copyright Folha de S. Paulo, 29/09/03

“Agora entusiasta da TV regional, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, que ajudou a Globo a tornar-se rede nacional, está negociando parcerias para montar um canal local em São Paulo, nos moldes do bem-sucedido CityTV, de Toronto (Canadá).

Na semana passada, Boni se reuniu em São Paulo com o empresário Moses Znaimer, que controla o grupo Chum Limited, dono de oito emissoras locais canadenses (entre elas a CityTV) e 17 canais segmentados (Bravo, MuchMusic, entre outros).

Znaimer, que desde 1997 tenta emplacar o modelo do CityTV no Brasil, disse a Boni que São Paulo é hoje, no mundo todo, a metrópole mais indicada para investimentos em uma emissora que misture jornalismo, entretenimento e prestação de serviços voltados para a comunidade local.

Em 97, Znaimer firmou parceria com o grupo Bandeirantes para transformar o Canal 21 em uma CityTV. A tentativa fracassou.

Boni já tentou um acordo com a TV Gazeta, mas esbarrou no preço cobrado pela emissora pela locação de horários. Tentará agora negociar com outros canais UHF. Se não der certo, irá torcer para que o governo abra concorrência de novos canais em São Paulo.

Além de Znaimer, são potenciais parceiros de Boni (dono de duas afiliadas da Globo no interior de SP) o publicitário Nizan Guanaes e José Roberto Maluf, ex-vice-presidente do SBT.”

 

FUTEBOL NA TV

“Após tapetão, Globo declara guerra aos pontos corridos”, copyright Folha de S. Paulo, 25/09/03

“?Nossa guerra começa agora.? Um dia depois de o tapetão alterar de novo a tabela do Brasileiro, a Globo abriu formalmente boicote aos pontos corridos e a luta política para retomar, já no ano que vem, a fórmula do mata-mata.

O diretor-executivo da Globo Esportes, Marcelo Campos Pinto, rompeu no Rio seis meses de silêncio e divulgou posição já deflagrada nos bastidores: a insatisfação da TV com o atual formato.

A fórmula de pontos corridos, disse, ?é um suicídio econômico? e vai levar ?os clubes à falência?.

?A verdade está estampada. Os clubes não resistem a três anos assim?, declarou Campos Pinto na inauguração da sede da Futebol Brasil Associados, a entidade que congrega os times da Série B.

O executivo é o responsável por firmar os contratos da emissora, hoje o principal investidor do futebol, com federações e clubes.

Para a Globo Esportes, os pontos corridos entediam os espectadores. ?Rodada a rodada, o brasileiro mostra que não gosta. Ele só valoriza o campeão, gosta de decisão?, declarou Campos Pinto.

Já está traçada a estratégia global para ressuscitar o mata-mata.

Primeiro, a emissora vai incentivar Corinthians, Vasco e Flamengo, três dos mais populares clubes do país, a bombardear publicamente a fórmula. Os presidentes Alberto Dualib e Eurico Miranda já se pronunciaram contra os pontos corridos, e Hélio Ferraz, que defende sua manutenção, não ficará na Gávea em 2004.

A perspectiva de o Palmeiras voltar à primeira divisão daria à Globo outro aliado de peso. Mustafá Contursi quer o mata-mata e, como vice do Clube dos 13, poderia influenciar seus colegas.

O fórum para a virada de mesa seria a reunião do Conselho Técnico, com os 24 clubes que jogarão a Série A em 2004, no final deste ano. Mas dois obstáculos se antepõem aos planos da Globo.

A rejeição aos pontos corridos só mobiliza sete clubes da Série A -outros 14 falaram à Folha que preferem manter tudo como está.

Outro ponto que atrapalha os planos da TV é o Estatuto do Torcedor, que veda mudança no regulamento até 2005.

Oficialmente, a CBF também confronta os interesses da Globo. ?O que pode ser debatido é o tamanho e o número de clubes, mas não a volta do mata-mata. O problema desta edição é que ela é longa e tem times demais?, afirmou o presidente Ricardo Teixeira.

Mesmo assim, a Globo Esportes concebeu a fórmula que define como ?de transição? para 2004: todos contra todos em dois turnos, acrescido de uma ?fase final? com oito times -os campeões de cada etapa (garantidos na Libertadores) e os seis mais bem colocados na soma dos turnos.

Publicamente, no entanto, a emissora seguirá dizendo que não interferirá na fórmula. ?Se querem ir para a falência, o problema é deles. A TV não sugere nada. Cada um é dono do seu nariz?, declarou Campos Pinto.”