Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

"Apelo fácil", copyright O Estado de S. Paulo, 13/05/01

QUALIDADE NA TV

ASPAS

BAIXARIAS & VIOLÊNCIAS

"Confinados a pequenas platéias até 1999, os canais eróticos vivem um crescimento sem precedentes na história da TV paga brasileira. Há nada menos que sete canais do gênero distribuídos por cabo, DTH ou MMDS, todos oferecidos fora dos pacotes tradicionais, em esquema avulso. Em julho, chega mais um, dedicado exclusivamente ao público homossexual.

A explosão de canais eróticos é surpreendente primeiro porque ocorreu na surdina, sem publicidade. Segundo, porque vem ancorado num aumento de faturamento obtido sem anunciantes, só com o pagamento de assinantes de cada atração à la carte. De fato, canais eróticos faturam alto em relação ao investimento baixo que fazem.

Detentor da marca mais consolidada, só o Playboy TV deve encerrar 2001 com um faturamento de US$ 8 milhões, 20% a mais em relação ao ano passado.

?Apesar de México e Argentina estarem em fase ascendente, o Brasil representa 40% de nossos assinantes (cerca de 600 mil espectadores) e da receita do canal na América Latina?, afirma Renato Viola, diretor do Playboy no País.

Novela – Após a realização de dois episódios da série Sessão Privada, em Fortaleza (CE), em julho passado, o canal planeja consolidar seu núcleo de produção. Até dezembro, desembarca no Peru para o making of da novela Latin Lover, de 52 capítulos, da Playboy TV Internacional, com sede em Miami. A trama aborda os bastidores de uma novela em que o protagonista, o coadjuvante, o produtor e todos os homens da fictícia produtora assediam uma mulher.

Em janeiro, uma nova safra nacional da Sessão Privada fará um passeio por ilhas brasileiras. Débora Stróligo, Luciana Pereira, Gleice Santos e Luciana Assunção, VJ’s do canal, servirão de guia ao espectador. Angra dos Reis (RJ), Itaparica (BA) e a Ilha do Papagaio, em Santa Catarina, estão no mapa dessa produção, orçada em US$ 120 mil.

Uma possível parceria com a revista Playboy, para a produção de home videos, também está em discussão, ainda sem data para sair do papel. Viola concorda que o sucesso da publicação empresta credibilidade ao canal, mas também traz um aspecto negativo. ?Acham que vão ligar a TV e ver Feiticeira ou Vera Fischer no canal?, afirma.

?Estamos fazendo alterações orientadas por pesquisa?, diz Viola. ?Ficou provado que nosso assinante quer menos relações entre mulheres, presença de mais mulheres brasileiras e programação mais picante.?

Concorrência – Sem brincar em serviço, canais como CineSex, Penthouse e Sexy TV não escondem a vontade de neutralizar a soberania do Playboy. A arma: sexo explícito.

No ar há quatro anos, o apimentado CineSex (DTH pela Tec Sat e MMDS por operadoras locais) tem 80 mil assinantes, segundo Ivan Barcelos, diretor-geral da Starwave, programadora de outros quatro canais – Cinehouse e Tec Cine, de filmes, Agrosat, agrícola, e o Penthouse. ?Dois anos atrás, tínhamos só 20 mil assinantes. Mas as novas operações codificadas (que permitem o bloqueio de canais, necessário nesse caso) proporcionaram um salto?, diz Barcelos, que para 2001 estima aumento de 50% no faturamento.

Só em Brasília, são 10 mil assinantes. Belém e Goiânia também são redutos.

?Só não vendemos mais porque ainda não temos operadora grande em praças como Rio ou São Paulo.? Mesmo assim, o diretor espera somar 300 mil assinantes em dois anos. Ou seja, quer abocanhar o equivalente a 10% da base de assinantes do mercado. ?É o segmento que mais vende na TV paga?, garante, ?se nos EUA 8% da base tem canal erótico, no Brasil creio que chegue a 15%.?

GLS – São índices que servem de apoio ao mais novo projeto das Starwave, o GLS TV, a ser lançado em 1? de julho. Com programação de filmes homossexuais, o canal surge em decorrência de um pay-per-view lançado há três meses, que, de acordo com Ivan Barcelos, teve adesão de 15% dos 20 mil clientes da Tec Sat. ?A média é de 40 pedidos ao dia.?

A idéia é dosar o GLS TV com 80% de filmes para gays e 20% de filmes para lésbicas. O investimento inicial é de US$ 240 mil e o canal deverá custar R$ 22 para o assinante. Até a estréia, Barcelos espera ter adquirido pelo menos 200 títulos.

Os filmes do CineSex são dividos em faixas como Prazer ao Sol Nascente (orientais), Clássicos (dos anos 60, 70 e 80), Sexo Brasil e Quanto Mais Gente Melhor. Em breve, o canal terá mais um apelo. Animações de 15 minutos produzidas na sede, em São José dos Campos.

O Penthouse, que pelo nível soft do conteúdo seria o concorrente direto do Playboy, chegou ao País há três meses e contabiliza 3 mil assinantes via cabo. ?Não o considero uma ameaça?, afirma Renato Viola, diretor do Playboy.

Outro possível concorrente à espreita é o Sexy TV, criado há cinco anos em Londrina (PR). O canal conseguiu chamar a atenção ao promover um strip tease durante uma feira de negócios em São Paulo, no ano passado. Mas teve seu projeto de expansão nacional prejudicado pelos atrasos no suporte tecnológico.

Nem por isso deixará de investir o R$ 1 milhão planejado para seu reposicionamento. ?Estamos cadastrados na (associação de independentes) Neo TV e já atingimos Maringá (PR) e Cuiabá (MT). O próximo passo é Fortaleza?, afirma o diretor-comercial Alcides Bueno Filho.

?O nível de aceitação em Londrina era de 25%. Por isso fizemos um plano nacional.? A nova fase inclui ainda a contratação da apresentadora Carolina Garcia (ex-CNT) e, desde dezembro, a produção de especiais em boates paulistanas e no Paraná.

Sem propaganda – A explosão dos canais eróticos torna-se ainda mais forte quando se constata que quase não há divulgação de suas marcas. Para Ricardo Rihan, diretor de Programação da Net Brasil, é problemático concentrar ações de marketing em canais que não sejam apropriados à toda a base. ?O perfil do produto determina a estratégia. E nesse caso, quem compra prefere discrição?, afirma. ?Existe uma boa demanda mesmo sem divulgação.?

Além do Playboy TV, a Net e a Sky oferecem o Sexy Hot, canal da própria Globosat também disponível em pay-per-view. Aliás, as vendas do Hot por meio desse sistema empatam com os filmes ?normais? (39%) e superam eventos musicais e esportivos (22%). O detalhe é que existem muito mais canais de filmes comuns e esporte do que eróticos.

?Na nossa operação pay-per-view, são 33 canais de filmes normais e três de eróticos. E a receita é meio a meio?, exemplifica Paulo Octávio Pereira de Almeida, diretor de marketing da DirecTV, que oferece Playboy, Venus (hard produzido em espanhol) e Spice, todos pertencentes ao grupo Cisneros.

?Os resultados são tão bons que estamos estudando a disponibilização do Venus e do Spice em tempo integral.? Por enquanto, os dois canais são comercializados em faixas de duas horas. ?Fazemos uma divulgação bem específica, durante eventos esportivos por exemplo?, diz Almeida. Ao contrário das demais operadoras, a DirecTV disponibiliza os canais sem senha. ?Fica a critério do assinante ter senha ou não.?

Pais devem ter cuidado, diz perita

A psicóloga Ana Olmus conta a história de um garoto de 9 anos que via um canal erótico na TV paga, com o consentimento dos pais. Ele apresentou um distúrbio imediato de aprendizagem. ?Seu aparato físico não lhe permitia um relaxamento compatível com a excitação: é como dar feijoada com carne de porco para um bebê em fase de aleitamento?, afirma.

A profusão de canais eróticos na TV paga é vista com reserva por especialistas como Ana, que pertence ao grupo TVer, ONG que busca controlar a qualidade da TV. ?Já que o mercado expõe essa situação, os pais devem ter cuidado?, diz. Mesmo entre adultos, Ana faz restrição. ?Esse conteúdo reforça a fuga da realidade.?

Dora Câmara, diretora-comercial do Ibope, considera a TV paga o melhor canal para a distribuição desse tipo de programação. ?Esse tema dá audiência?, diz Dora. ?E ter uma base segmentada é característica natural da TV paga.?

O sociólogo e professor da USP Laurindo Leal Filho associa o crescimento dos canais eróticos à repressão comportamental do período da ditadura. ?Houve um esmagamento de tudo que levava à sensualidade na época?, diz."

"Nunca a mentalidade de quem faz programas de auditório foi tão exposta quanto na passagem do ator belga Jean-Claude Van Damme pelo Brasil. O ator, mesmo em fim de feira, foi aclamado no vídeo como o mais importante megastar de Hollywood e, o mais cruel, deve ter partido acreditando nisso.

Maquiavelicamente a TV acabou demonstrando que os meios justificam os seus fins (leia-se bons índices de audiência). O Domingo Legal, do Gugu Liberato, bateu bonito na Globo durante a permanência de Van Damme em cena (das 18h23 às 19h34): o SBT registrou a média de 36,6% (2,7 milhões de telespectadores na Grande São Paulo) no Ibope, enquanto a Globo amargou o segundo lugar com 17,2% (o equivalente a um pouco mais de 1,3 milhão de indivíduos). Os meios utilizados fizeram o programa superar o próprio recorde no quesito apelação.

O mais grave não foi ter atiçado a libido do ator – com o rebolado de anônimas e da jurássica miss bumbum Gretchen, a ponto de o ator não conseguir disfarçar uma ereção em frente às câmeras -, mas a mensagem preconceituosa que o programa passou para o ator e para o público. Confirmou a visão alienígena de que o Brasil é o paraíso do turismo sexual e de seres enlouquecidos por qualquer celebridade estrangeira, mesmo que ela não seja tão célebre assim.

A garota que subiu ao palco aos prantos e o garotinho (portador de deficiência física) apresentados como fãs fanáticos podem ter convencido Van Damme – afinal, a autocrítica não é privilégio dos vaidosos -, mas não enganou nem o telespectador mais crédulo, que também deve ter percebido a armação quando a produção fez aparecer no chão uma calcinha de mulher estampada com o rosto do ator.

A imagem da mulher brasileira como uma fêmea no cio – cujo valor está concentrado na derrière e no jogo de cintura -, que ainda é vendida lá fora (e envergonha cidadãos com um pingo de amor-próprio), ultrapassou as fronteiras do grotesco no Domingo Legal. A elevação dos índices de audiência excitou tanto os donos do programa que eles perderam completamente o juízo e até hoje não devem ter se dado conta disso.

Essa versão do Brasil sensual é inconseqüente porque reforça a visão ignominiosa de que, neste terceiro mundinho, a função da mulher é divertir os homens com seu corpo pouco coberto. E que o dócil (e inferiorizado) povo brasileiro adora qualquer estrangeiro que os honre com sua visita, mesmo na condição de vendedor de filmes ou de grife de roupas (horrenda, no caso de Van Damme).

Mas Gugu não está sozinho no cultivo do preconceito em relação ao Brasil. No É Show (Record) da segunda, Adriane Galisteu presenteou o ator com um show de capoeira. Como nos velhos cartazes da Embratur, ela associou sensualidade a exotismo. Talvez despreparada para o confronto pós-Gretchen, Adriane teve de rebolar para fugir do assédio do ator. Depois da lição do domingo, o ator achou que aqui ele pode tudo, até agarrar uma linda apresentadora na frente das câmeras e da platéia. (Leila Reis escreve aos sábados neste espaço. E-mail: leilareis@terra.com.br)"

"Programa do Ratinho(SBT), Festa do Mallandro e programas femininos como Mulheres, agora apresentado por Christina Rocha e Clodovil (Gazeta): esses são os maiores alvos do Ibope na caça aos programas que divulgam a chamada ?audiência em tempo real?. É o famoso: ?Estamos na frente da concorrência?, anunciado por muitos apresentadores durante a atração. Segundo a diretora comercial do Ibope, Dora Câmara, uma equipe do instituto já está gravando esses programas para futura punição. A partir de junho, quem mantiver a prática deixará de receber o serviço. O Ibope defende que os números sirvam só para uso interno da emissora. ?Divulgar esses dados pode criar uma distorção de audiência, induzir telespectadores, e é isso que queremos evitar.?"

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