MICHAEL SAVAGE
Beatriz Singer
Desde que assinara contrato com a MSNBC, em fevereiro, Michael Savage já causava problemas. Conservador, desde o início o apresentador despertou a ira de grupos de defesa dos direitos gays. No 15o episódio de seu programa, The Savage Nation, exibido em 5/7, Savage provou que a ira dos homossexuais não era infundada. Naquele dia, discutiam-se as viagens de avião, com telespectadores que ligavam para participar. Um tema relativamente frio.
Contudo, foi só um participante gay ligar para interagir com o apresentador que a polêmica se instalou. Em decisão relativamente fácil para a empresa, Savage foi demitido. Não se podia esperar outra atitude de uma emissora a cabo minimamente séria e compromissada com a sociedade. O vídeo está disponível para constatação (e indignação) de internautas no sítio da Aliança Gay & Lésbica Contra Difamação (Glaad) <http://www.glaad.org>.
Na seqüência em foco, um espectador começa a contar suas experiências de viagem e, após um trecho ininteligível da ligação, Savage perguntou: "Então você é um desses sodomitas?" Quando o espectador respondeu que sim, Savage se reclinou na cadeira com os braços cruzados e respondeu: "Ah, você é um dos sodomitas! Você tem mais é que pegar Aids e morrer, seu porco!"
Para não dizer que a reação foi "apaixonada", Savage continuou com sua retórica nefasta: "Por que você não tenta me processar, seu porco? Você não tem mais nada para fazer a não ser me criticar, seu lixo? Se não tem nada para fazer hoje, vá comer salsicha e engasgue. Pegue triquinose". O sádico Savage se referia à doença contraída pela ingestão de carne de porco mal cozida e contaminada pelo parasita triquina, que se instala no intestino e atinge os músculos. "Temos outro telefonema de alguém ocupado porque não teve uma boa noite na sauna e está bravo comigo hoje? Arranjem-me outro, ponham outro sodomita na linha", disse, irritado. "Não ligo para esses vagabundos."
"Seus comentários foram extremamente impróprios e a decisão de cancelar o programa foi fácil", disse Jeremy Gaines, porta-voz da MSNBC em comunicado oficial à imprensa.
A ONG Fairness & Accuracy In Reporting ("Justiça e Precisão em Reportagens" ? Fair) também se manifestou. "Nos últimos cinco meses, ativistas da Fair escreveram mais de 2 mil cartas individuais à MSNBC expressando preocupação com o histórico de ódio e intolerância de Savage, e criticando a emissora pela contratação de um sujeito que trafica calúnias, enquanto demite Phil Donahue por suas colocações antiguerra", disse a ONG, em comunicado oficial.
Quando Savage estreou na MSNBC, o presidente da emissora Erik Sorenson, naturalmente, defendeu o novo apresentador. "Ele não disse nada odioso na MSNBC", afirmou. Quando questionado pelo St. Petersburg Times [7/3/03] sobre calúnias específicas feitas por Savage, como referências a "perversões homossexuais", Sorenson respondeu: "Essas declarações, citadas pela Glaad e pela Fair, não se adequam à MSNBC… Esse tipo de declaração não será permitido. E se ocorrer, será uma vez só."
Sorenson cumpriu sua promessa. O resultado foi comemorado pela Glaad, pela Fair e provavelmente por milhões de defensores de direitos das minorias nos EUA. "Francamente, já era tempo", disse Cathy Renna, diretora de mídia da Glaad. "A última declaração de Savage tornou ainda mais claro que esse comportamento não tem espaço em qualquer emissora noticiosa de reputação". "O ataque censurável de Savage violou até os mais baixos padrões jornalísticos aplicados a esse programa", afirmou Cathy. "Ao oferecer um programa a Savage a despeito de seu histórico racista, sexista e homofóbico, a MSNBC teve de, no final das contas, escolher entre continuar com ele ou manter sua integridade de organização noticiosa". Felizmente, optou pela segunda alternativa.
De acordo com Ben Berkowitz [Reuters, 7/7/03], além de seus programas de TV e rádio, Savage fundou a Sociedade Paul Revere, que atua nas fronteiras dos EUA a fim de eliminar a educação bilíngüe e programas de ação afirmativa (cotas para minorias). Doutor em epidemiologia e ciência da alimentação, Savage apresenta seu programa da liberal cidade de São Francisco. Calcula-se que cerca de 350 mil pessoas assistiram aos primeiros 14 programas dele na MSNBC, aos sábados, às 17h. Savage foi contratado quando a emissora cancelou o talk-show do liberal Phil Donahue.
Quando Savage assumiu, executivos da MSNBC disseram que o novo programa não deveria ser julgado pela aura de ódio e intolerância atrelada previamente à imagem de Savage. Foi impossível. O preconceito e o ódio acompanharam o apresentador em sua breve experiência na telinha.
O caso mais recente, infelizmente, não é único. Em 1999, o San Jose Mercury News reportou que "Savage pediu desculpas a ativistas gays após desejar publicamente que peguem Aids". A homofobia sempre fez parte da rotina de Savage. Desbocado, incontáveis vezes utilizou termos e gírias depreciativos aos homossexuais para insultar pessoas e instituições americanas. Em seu livro Savage Nation, reclamou que a senadora Hillary Clinton e as juízas da Suprema Corte Ruth Bader Ginsburg e Sandra Day O?Connor "feminizaram e homossexualizaram boa parte da América, a ponto de a nação se tornar passiva, receptiva e masoquista".
Outras de suas célebres máximas preconceituosas foram guardadas estrategicamente pela Glaad. Savage disse que os EUA "estão sendo dominados por excêntricos, deficientes físicos, perversos e doentes mentais"; que gays e lésbicas são "perversos" e que "a máfia gay e lésbica quer nossas crianças". Ao falar sobre imigrantes, disse: "Você abre a porta a eles e, em seguida, eles defecam em seu país e procriam descontroladamente."
Savage merecidamente saiu das telinhas americanas. Na verdade, nunca deveria ter tido esse espaço e espera-se que a MSNBC reconheça o lapso. Sua voz, no entanto, ainda pode ser ouvida em mais de 300 estações de rádio de todo o país. Quem tem estômago?