Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Aquarela do Brasil

MÍDIA GAÚCHA

Gilmar Antonio Crestani (*)

Emoldurem estas duas imagens: Jader Barbalho algemado, sendo conduzido por policiais enfatiotados, e os 16 sem-terra (proxenetas, bandidos e gigolôs, nas palavras do mais comedido das ministros), algemados, de bruços, com metralhadoras apontadas para a nuca por policiais de colete com a inscrição "Polícia Federal". Alguém poderia até pensar que esta é a verdadeira Aquarela do Brasil, quadro representativo destes 500 anos, mas, na verdade, o quadro real é a interpretação que o establisment faz destas imagens. A simples presença do Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), como secretário-executivo, no Ministério da Justiça, da linhagem dos Bonifácio Andrada do Império, não me deixa mentir.

A partir destas duas imagens, busque, o leitor, nos veículos de comunicação a versão da mídia e verá uma unanimidade nos ataques às algemas do Jader, e, na outra ponta do quadro, ao MST. No carregamento das cores, igualam-se Veja, Folha, Estadão, JB, Globo, RBS. Em comum, as mesmas palavras, como se tivessem sido disparadas por uma central, o que não duvido, afinal há assessorias de imprensa pagas para isso.

Até quem nunca pintou na roça do MST, após o quadro pendurado dando conta da "vitória de Pirro" destes, na Fazenda Buritis, acabou pegando carona.

Analisemos a textura do pincel que a RBS usou para pintar o editorial do jornal Zero Hora, em 28/3, "Imagem prejudicada", (curiosamente, o Jornal do Comércio da capital gaúcha, desse mesmo dia 28, emoldurou a seguinte manchete: "Desemprego no RS sobe menos do que no país." Que coisa, né?!). Bem, voltando à ZH, fica a dúvida. Qual era a imagem que a RBS pintava do MST a. B. (antes de Buritis)? O leitor que nunca leu a Zero Hora antes fica com a impressão de que antes, sim, o MST era um movimento respeitado pela RBS, preservado como se fosse um verdadeiro mosaico de Pompéia…

Não vale a pena mostrar aqui as tantas vezes que tachou os integrantes do MST de baderneiros, bandidos, escola de guerrilheiros patrocinados por Cuba. Ora, é só pesquisar, não na pinacoteca da RBS, mas nos autos dos processos movidos pelo MST contra a RBS e seus carrascos voluntários. Há ações em andamento, e condenações transitadas em julgado reprovando as aleivosias da RBS. Então, não poderia haver uma imagem prejudicada, mas a verdadeira imagem, não existisse algo mais nas entrelinhas (se é que imagem tem entrelinhas…).

A verdade é que o episódio serviu para os medíocres carregarem nas tintas. A virulência da mídia coronelista contra o MST não foi aplicada na mesma dose contra os verdadeiros coronéis, tanto no caso Jader/Algemas, Roseana/Lunus ou Inocêncio Oliveira/trabalho-escravo.

A mídia está a indicar que a verdade está na face oposta ao que diz. O silêncio sobre determinadas personagens e temas é eloqüente.

Brasil vs. Itália

O líder do PFL na Assembléia Legislativa gaúcha, Onyx Lorenzoni, escreveu na Zero Hora que o Brasil virou "Terra de Ninguém". Ele não estava falando da PM de sua correligionária maranhense, que havia pintado o sete (ou pintado no set da PF), no dia anterior. Tampouco se reportara ao trabalho escravo encontrado nas fazendas do correligionário dele e de Roseana, Inocêncio de Oliveira.

Coincidentemente, o mesmo PFL que continua pensando tal e qual os colonizadores portugueses que aqui chegaram em 1500 é aquele que encontra guarida na mídia. (Para evitar intermediários, os pefelistas também detêm boa parcela da mídia). Tal e qual os portugueses que aqui aportaram, mesmo tendo encontrado índios, há coronéis que tratam esta país como "terra de ninguém".

Alguma surpresa nisso? É só reunir os pontos cardeais para se ter uma idéia do que seja o PFL: Hildebrando "motosserra" Paschoal, no Acre; Sarneys, no Maranhão; Augusto "narcotráfico" Farias, de Alagoas; ACM "só não fizemos amor", na Bahia; Rafael "bingo" Grecca, do Paraná; Jorge "dutyfree" Bornhausen, de Santa Catarina, e Onyx "italiano" Lorenzoni, dos pampas. Nenhum livro de Medicina Legal reuniria tantos tipos como essa sociedade dos poetas mortos.

Fatos como o de Buritis levam os veículos da RBS a cobrar posicionamento dos líderes locais. Por que os jornais da RBS, mormente Diário Catarinense e Zero Hora, não cobram, respectivamente, explicações de Jorge Bornhausen e de Onyx Lorenzoni a respeito de Roseana Sarney/Lunus, ou mesmo pelos desmandos de ACM? Aliás, Onyx, a dar crédito ao jornal Correio do Povo, acha que a candidatura de Roseana deve ser mantida "por ser um fenômeno de votos", sem um pio sobre a derrama na Lunus.

A RBS poderia fazer igualmente o mesmo tipo de questionamento ao governador de Santa Catarina, Esperidião Amin, e a Celso Bernardi, presidente do PPB gaúcho. Como eles explicam ter como presidente da sigla ninguém menos que Paulo Salim Maluf, que dispensa apresentações até nas Ilhas Jersey? No mesmo dia 28/3 a Zero Hora foi o único jornal porto-alegrense que não trouxe a pesquisa do instituto GPP, feita a pedido do PFL, que aventa a possibilidade de Lula vencer ainda no primeiro turno. Simples, não?

Quando a Itália fascista invadiu a Abissínia (Etiópia), em 1936, rendeu uma paródia interpretada por Alvarenga e Ranchinho:


"A Itália e Abissínia,

Já tão dando o que falar.

Pelo jeito q?eu tô vendo

Isto vai acabá ?mar?.

Inda hoje houve um fecha

lá no fundo do quintar

a Bastiana com seu Bepe

já chegaram se unhar."


Os dias atuais são ainda mais paródicos. Na era da globalização, Tom e Jerry invadem os respectivos territórios, no Maranhão. Enquanto isso, o Brasil vira uma Etiópia. Até o jornal O Sul, de Porto Alegre, que se arvora imparcial, não gostou nada do quadro que Jean Ziegler, relator da ONU para o Direito à Alimentação, pintou do Brasil. O editorial de 27/3/2002, "Somos iguais à África?", acha que o sociólogo suíço exagerou nos tons escuros. Se não é verdade que a fome não resulta numa Guernica diária, também é verdade que Picasso não o pintou num único dia. Se Picasso pôde afirmar que foram os alemães que fizeram Guernica, "chutatis chutandi", como diria o Deonísio da Silva, também posso inferir que não foi Jean Ziegler que fez com que o Brasil se parecesse com a África.

Jararaca e Ratinho

Mas quem se incomoda em ver o Brasil comparado com a África pode escolher a Itália. A pátria da máfia talvez seja, dos países considerados do Primeiro Mundo, o mais parecido com o Brasil. O jornal italiano La Repubblica (28/3) mostra que o governo brasileiro usa os mesmo métodos do italiano. Ou seria o contrário?! O periódico apresenta o primeiro-ministro Sílvio Berlusconi usando as palavras do ministro da Justiça Aloysio Nunes Ferreira, e repercutidas pelos demais porta-vozes do governo Cardoso. Resumindo, acusa a Cgil (Central Sindical Italiana) de querer "abater/derrubar" seu governo, mas, ao mesmo tempo, convida a entidade à mesa de negociações. E resume: "De agora em diante vou à TV para explicar tudo aos cidadãos." Tirando a TV estatal (a RAI), que controla como primeiro-ministro, Berlusconi já detinha o monopólio privado da Mediaset. Coincidentemente, o professor Cardoso, num ato falho imperdoável, delegou à mídia a fiscalização das próximas eleições.

Os terroristas daqui também foram convidados para uma audiência com o representante do governo brasileiro, na pessoa de Raul Jungmann. Outra coincidência. A greve programada pelo maior sindicato italiano (com a adesão até dos pelegos da Força Sindical deles, a Cisl, e também a Uil, diz L?Espresso), contra a reforma do art. 18 da CLT deles, tem tudo a ver com a reforma que os neofacistas querem fazer aqui. Mesmo com as denúncias de trabalho escravo em suas fazendas, o pefelista Inocêncio Oliveira continua líder da sigla no Congresso, mantendo o interesse em afrouxar os controles legais que ainda preservam o que restou do direito dos trabalhadores. E ainda ficam alvorotados quando a imprensa americana descobre trabalho escravo na terra do Sivam, a Amazônia.

As personagens de Alvarenga e Ranchinho estão de volta, brigando no quintal do Brasil. A Bastiana do Maranhão reuniu sua PM para roubar o PF (Prato Feito) do Bepe paulista. Nada mais representativo do que esta briga entre Jararaca e Ratinho, outra dupla caipira, que atende pelos nomes de Roseana e José Serra, para entreter nossos jornais com meias verdades.

(*) Funcionário público