Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Argemiro Ferreira

PROPRIEDADE CRUZADA

“Turner acusa: ?com as regras de Bush nunca haveria CNN?”, copyright Tribuna da Imprensa, 31/05/03

“?Se essas regras estivessem em vigor em 1970 eu não teria podido iniciar a Turner Broadcasting ou, 10 anos depois, lançar a CNN?. A afirmação do magnata de mídia Ted Turner, num artigo para o ?Washington Post?, ratificou ontem sua frontal oposição às reformas a serem impostas pelo governo Bush, pelas quais tudo o que se vê, lê e ouve no país ficará sob o controle de cinco impérios de mídia.

O próprio Turner é ainda o maior acionista da AOL Time Warner (AOL TW) ? o maior deles. Por isso ressalvou que fala em seu próprio nome, não pela corporação, da qual está demissionário da vice-presidência e tem vendido boa parte das ações. Os cinco impérios de mídia dominantes no mercado uniram-se há tempos num ?lobby? devastador para aprovar o relaxamento da regulamentação ainda em vigor.

Integram a Comissão Federal de Comunicações (FCC), que discute e faz cumprir as regras, três republicanos ? todos a favor do relaxamento que favorece as grandes corporações, entre eles o próprio presidente Michael Powell, cujo pai Colin Powell é secretário de Estado após ter integrado o conselho da AOL TW ? e dois democratas, ambos contrários à mudança neste momento.

Maioria republicana veta debate ? Críticos da reforma, dentro e fora da FCC, queriam estender o prazo da decisão além da data fixada antes (2 de junho, segunda-feira), para que o público tomasse conhecimento da questão e a discussão ganhasse mais destaque. Mas isso pode ser o que temiam os grandes impérios de mídia e seus aliados, majoritários na comissão. Sob a pressão do governo Bush o prazo foi mantido.

Entre as várias propostas de reforma está o do aumento do número de emissoras de televisão que uma companhia pode ter e também as restrições que atualmente impedem uma corporação de ser dona, no mesmo mercado, de canais de televisão e jornais. Para os críticos da mudança, as restrições da regulamentação atual ajudam a garantir tanto a liberdade de expressão como a diversidade cultural e de opiniões.

Turner explica: ?Sob as regras propostas, um jovem empresário de mídia que tente começar não conseguirá comprar uma estação UHF, como fiz. Estarão todas vendidas. E mesmo se o conseguisse, não bastaria. Pois ainda teria de ter boa programação e boa distribuiçào ? ambas controladas pelos conglomerados, que ficam com o melhor e deixam o pior para outros, se é que deixam alguma coisa.?

Com base na sua experiência pessoal, Turner observa ser difícil competir quando seus fornecedores são subsidiárias de seus concorrentes. ?Nós compramos a MGM e mais tarde vendemos a Turner Broadcasting à Time Warner, pois ficamos praticamente sem opções. Os grandes estavam ficando maiores. E os pequenos estavam desaparecendo. Tínhamos de ter acesso à programação para sobreviver?.

Coporações não criam, só copiam ? Muitas outras companhias independentes de mídia, segundo o fundador da CNN, foram engolidas pela mesma razão ? porque não tinham tudo o que precisavam, enquanto seus competidores tinham. O clima depois da esperada decisão da FCC na segunda-feira, diz Turner, vai encorajar ainda mais fusões e será ainda mais hostil às empresas menores.

?Sem as pequenas companhias, perdem-se grandes idéias?, argumenta ele, lembrando o início de sua empresa. Nenhuma grande corporação ousara antes de Turner, fora do eixo dominante Nova York-Los Angeles, criar uma rede de TV dedicada 24 horas por dia ao jornalismo, hoje uma idéia copiada em toda parte e explorada nos EUA por três impérios gigantes (AOL TW, News-Fox e GE-NBC).

Ele também destacou que grandes corporações evitam riscos e confundem lucro a curto prazo com valor a longo prazo. Além disso, matam a programação local, por ser onerosa, e impingem a nacional, barata, ainda que vá contra os interesses locais e os valores da comunidade. E ao invés de idéias novas, arriscadas, seus executivos preferem esperar e depois copiar e imitar a pequena que ousou e teve êxito.

Cobertura da guerra, o exemplo ? ?E se pequenas empresas desaparecem, de onde virão idéias novas?? Mesmo idéias novas para a nossa democracia, diz Turner, só podem vir da diversidade noticiosa, de reportagens vigorosas. E sob as regras anunciadas, haverá mais fusões e notícias compartilhadas ? demissão de repórteres ou, em outras palavras, redução da força de trabalho que nos ajuda a ver os problemas e a pensar nas soluções.

Tuner citou o exemplo da uniformidade da mídia no noticiário do Iraque e a exclusão deliberada em algumas redes das opiniões contrárias à guerra ? ?como se apenas marginais criticassem a guerra, embora até João Paulo II o tenha feito?. As novas regras da FCC, segundo diz, dará mais poder aos que suprimem idéias e forçam notícias positivas para ganhar amigos no governo.

Para ele, democracia pressupõe diálogo amplo e, como escreveu
Hugo Black na Suprema Corte, ?a Primeira Emenda apóia-se na suposição
de que a disseminação mais ampla da informação,
de fontes diversas e antagônicas, é essencial ao bem estar do público?.
Corporações cuja única meta é o lucro, afirma Turner,
têm de ser forçadas por regras corretas a também servir
o interesse público ao buscar o lucro.”

 

“A mídia nos EUA: monopólio ou democracia?”, copyright O Estado de S. Paulo / The Washington Post, 1/06/03

“Amanhã, a Comissão Federal de Comunicações (FCC) deve adotar dramáticas mudanças de regulamentação que vão estender o domínio de mercado de cinco corporações da mídia que controlam a maior parte do que os americanos lêem, vêem e ouvem. Sou um grande acionista na maior dessas cinco corporações e ainda assim ? falando só por mim e não pela AOL Time Warner ? me oponho a essas regulamentações. Elas reprimem o debate, inibem novas idéias e impedem menores empresas de tentarem competir. Se essas regulamentações estivessem em vigor em 1970, teria sido virtualmente impossível que eu iniciasse a Turner Broadcasting ou, dez anos mais tarde, lançasse a CNN.

A FCC votará sobre várias propostas, incluindo aumentar a cobertura sobre quantas estações de TV podem ser propriedade de uma corporação e permitindo a corporações únicas ter estações de TV e jornais no mesmo mercado.

Se um jovem empresário de mídia estiver tentando começar seu negócio, hoje, sob essas regulamentações propostas, ele ou ela não poderiam comprar uma estação de TV UHF, como eu fiz. Elas estão todas compradas. Mas mesmo se alguém tentasse comprar uma estação de TV, isso não seria suficiente. Para competir, é preciso ter boa programação e boa distribuição. Atualmente, ambas estão com conglomerados que mantêm o melhor para eles mesmos e deixam o pior para os outros ? caso eles vendam qualquer coisa para alguém. É difícil competir quando seus fornecedores são propriedades de seus competidores. Nós compramos a MGM e vendemos mais tarde a Turner Broadcasting para a Time Warner porque tínhamos pouca escolha. O grande estava ficando maior. O pequeno estava desaparecendo. Tínhamos de conquistar acesso à programação para sobreviver.

Muitas outras companhias independentes de mídia estavam sendo engolidas pela mesma razão ? porque não tinham tudo de que precisavam sob o próprio telhado e seus competidores tinham. O clima após a esperada decisão da FCC de amanhã vai encorajar ainda mais a unificação e ser ainda mais hostil às empresas menores.

Independência ? Por que o país deveria se preocupar? Quando se perdem empresas menores, se perdem grandes idéias. Pessoas que têm as próprias empresas são seus patrões. São pensadores independentes. Sabem que não podem competir imitando os grandes nomes; têm de inovar. Portanto, estão menos obcecadas com ganhos do que com idéias. Estão dispostas a correr riscos. Quando, com minha iniciativa, a Turner Communications (agora Turner Broadcasting) comprou sua primeira estação de TV, que na época estava perdendo US$ 50 mil por mês, meu conselho de diretores fez forte objeção. Quando a Turner Broadcasting comprou sua segunda estação, que estava num estado ainda pior do que a primeira, nosso contador se demitiu em protesto.

Grandes corporações de mídia estão bem mais focalizadas no lucro e com aversão ao risco. Elas às vezes confundem lucros de curto prazo e valor de longo prazo. Acabam com a programação local porque é cara e empurram a programação nacional porque é barata ? mesmo se transmitirem algo contra os interesses locais e os valores da comunidade. Para uma corporação lançar uma nova idéia, é preciso que tenha o acompanhamento de executivos obcecados com ganhos trimestrais e assustados em ser demitidos por uma idéia que falhe. Muitas vezes, as corporações preferem ficar à parte esperando para comprar as empresas ou imitar os modelos dos empreendedores arriscados bem-sucedidos. (Duas grandes corporações recusaram meu convite para investir no lançamento da CNN.)

Essa é uma posição compreensível para uma corporação ? mas, para uma sociedade, é como excesso de pesca nos oceanos. Quando as pequenas empresas acabarem, de onde virão as novas idéias? Nem essa tendência dá bom sinal para novas idéias em nossa democracia ? idéias que vêm só de notícias diversificadas e de uma reportagem vigorosa. Sob as novas regulamentações, haverá mais unificação e mais compartilhamento de notícias. Isso significa demitir repórteres ou, em outras palavras, diminuir a força de trabalho que nos ajuda a ver nossos problemas e nos faz pensar sobre as soluções. Ainda mais preocupantes são os sinais alarmantes de que grandes corporações da mídia ? com forte poder no mercado ? poderiam abusar desse poder manipulando a cobertura das notícias no sentido de servir aos seus interesses políticos ou financeiros. Há sempre o perigo de que as organizações de notícias possam empurrar histórias positivas para conquistar amigos no governo, ou liberar histórias negativas sobre artistas, ativistas ou políticos que cruzam seu caminho, ou contar à sua audiência só notícias que confirmem visões estabelecidas. Mas o perigo é maior quando não há competidores para transmitir o lado da história que a corporação quer ignorar.

À margem ? Naturalmente, as corporações anunciam que nunca iriam suprimir a expressão. Pode ser verdade. Mas não são suas intenções que importam. São suas capacidades. As novas regulamentações da FCC dariam a essas corporações mais poder para remover idéias importantes do debate público e é precisamente esse poder que as regulamentações deveriam impedir. Algumas organizações de notícias tentaram marginalizar oponentes da guerra no Iraque, desmerecendo-os como um elemento à margem do assunto. O papa João Paulo II também se opôs à guerra no Iraque. Quão mentalmente estreita nós transformamos a nossa discussão pública para que a opinião do papa fosse considerada fora dos limites do debate legítimo?

Nossa democracia precisa de um diálogo mais amplo. Como o juiz Hugo Black escreveu numa opinião de 1945: ?A Primeira Emenda repousa sobre a suposição de que a mais ampla disseminação de informação possível de diversas e antagônicas fontes é essencial para o bem-estar do público.? Salvaguardar o bem-estar não pode ser a primeira preocupação de grandes companhias de mídia envolvidas comercialmente com o público. Seu trabalho é buscar lucros. Mas se o governo escreve as regulamentações de uma certa maneira, companhias buscarão lucros de uma maneira que serve ao interesse público.

Se amanhã a FCC decidir ir em outra direção, isso não deve ser o fim da discussão. Poderosos grupos públicos ao redor do espectro político se opõem a essas novas regulamentações e estão furiosos com sua falta de participação no processo. Pessoas que não se podem fazer ouvir numa arena muitas vezes encontram meios de ser ouvidas em outras. O Congresso tem o poder para alterar as mudanças de regulamentação. Membros de ambos os partidos se opõem às novas regulamentações. Isso não acabou.

Ted Turner é fundador da CNN e presidente da Turner Enterprises Inc.”