Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Arnaldo Jabor

REALITY SHOWS

"Reality shows matam fome de verdade", copyright O Estado de S. Paulo, 09/04/02

"Ah… é? Querem show de realidade, reality show? Pois aqui vai um artigo-realidade, com todas as suas dúvidas, informe rascunho, sujo texto, tudo que me passar pela cabeça enquanto escrevo. Será a verdade de minha mentira ou a mentira de minha verdade?

Besteira, deixa de filosofias baratas… Deixa eu ver… Nelson Rodrigues dizia que a novela era importante para satisfazer nossa fome de mentiras. O show de realidade é para satisfazer nossa fome de verdade. O Paulo Emílio, o grande crítico de cinema, dizia que vamos ao cinema como ao bordel – em busca de ilusão.

É isso aí… só que a televisão não é no escurinho do cinema, que tem algo de secreto, de fuga, algo que ficou no fundo dos anos 30-40. Não; a TV é com luz acesa, a TV é uma vitrine na tua sala, com ofertas de sabonete e de amores. TV não vende ilusão; vende desejos e os desejos crescem.

A ficção, no cinema e na TV, não está dando conta do horror da realidade, do real-espetacular de hoje. Que filme teve mais impacto que o reality show do Osama Bin Laden no dia 11 de setembro? Nunca a ficção foi tão real. As notícias e a ilusão se uniram em quatro aviões caindo do céu americano, porque, como sabemos, a TV é dividida em dois mundos: ?The news is bad, the ads are good?, como disse alguém. (Quem? McLuhan, Daniel Bell? ?As notícias são más, os anúncios são bons? – (NB: ?news? é singular mesmo…) Naquele dia, o sonho explodiu. Naquele dia, descobrimos que a realidade não estava morta e que ela se movia com o timing ideal dos filmes… e tudo num curta-metragem de 20 minutos.

Portanto, depois do 11 de setembro, como ?entreter?, como fazer um desgraçado esquecer do mundo que estoura lá fora, que ilusão se pode ter, quando o horror não te deixa dormir no sonho e na mentira? E não só os deliciosos horrores que te satisfazem o rancor, mas também que ilusão te aquecerá para você esquecer o que viu na TV, a maravilha que poderia ser tua vida, quando você é apenas um excluído, sem grana para pagar um reles tênis ou uma sórdida geladeira? (Misturo ?tu? com ?você?, oh… gramáticos, como na vida real) Além disso, nos dias de hoje, você não se deixa mais enganar com musicais românticos, você não é mais amansado por Fred Astaire e Cid Charisse dançando no escuro, você está indócil, querendo existir. Aí, Hollywood saca isso e resolve te dar mais ?entretenimento?, aumenta a dose da droga, mais na veia, mais, e porradas a granel e efeitos especiais e mais sexo, sexo, sexo… Mas, não adianta muito, porque… até onde pode ir um filme pornográfico, até onde?Até o interior do corpo, até o intestino pelo olho do ânus, pelas vaginas a dentro para achar a alma? E você também não tem como comer aquelas gatas de seios siliconados, musas virtuais, e tuas punhetas se encerram num triste jato de nada na mão molhada.

No meu delírio teórico, eu pensei: ?Ahh… o reality show atende a um desejo do homem comum de ver a própria concepção, a ?cena primária?, como dizem os psicanalistas, ver pelo buraco da fechadura, edipicamente, papai e mamãe transando na cama sagrada do drama burguês.?

Mas, não. É mais que isso, mermão. Isso apenas ?faz parte?. Você quer mesmo é invadir a TV como os assaltantes invadem uma casa. Você quer ver o que acontece no mundo dos que amam, dos que consomem, dos que existem. Você quer ?ver?; não sabe bem o quê ainda, mas quer ver o que te escondem, ver algo que te é negado. Você quer estar onde tem tudo: iogurte, carro do ano, Jade, cerveja com mulher boa, carros sport, luxo no shopping virtual da tela, você quer morar lá dentro como uma rosa púrpura do Cairo.?

Mas, aí, você bateu na tela de vidro e não entrou, na emissora o porteiro te barrou, e você viu que teu sonho era impossível. Foi então que as televisões do mundo perceberam tua desesperada vontade de existir e te disseram: ?Você pode entrar se for selecionado e sair daqui com corpo e alma, com identidade, você pode nascer como o Bam Bam nasceu para a vida!? O reality show é o quebra-galho do sonho do socialismo que morreu, onde todos seríamos multidões cantantes. O reality show é democracia de massas cobrando ingresso.

Mas, aí, nova surpresa. O SBT quis mostrar a verdade cotidiana de gente famosa, de personagens ?de ficção? da mídia. Enquanto isso, a Globo mostrou a aura que pode aflorar de anônimas e banalíssimas pessoas.

E o ibope subiu ao avesso. Descobriu-se que você não quer ver famosos e gostosas, como a Tiazinha e a Feiticeira revelando aos poucos sua ?verdadeira? face ou mesmo sua verdadeira bunda. Você não quer ver a Tiazinha lavando roupa e a Feiticeira varrendo a casa. Não. Você quis ver os anônimos florindo e brilhando. Você quis ver uma beleza que vai aparecendo na convivência de gente boba como você, gente que chora sem motivo, gente que fala com boneco, gente que vomita. Mais do que ver ?sacanagem? ou ?cena primária?, você descobre (e as TVs também) que quer ver o vazio, o nada do cotidiano, descobre que quer o alívio da informação e o vazio da verdade. A verdade é vazia, não-transcendental, a verdade está na pausa, no tédio, na falta de assunto, você quer o alívio do nada.

O sucesso do Big Brother esteve na verdade que se infiltrou quando nada acontecia, entre os momentos em que mentirosamente eles fingiam sofrer ou amar. O sucesso se deveu ao nada, ao tempo morto. Ali, no irrelevante, arde uma verdade profunda, sem nome, sem efeitos. Naqueles instantes, nasce alguma coisa que se parece com tua vida. Você quer ver o que acontece quando nada acontece. Na verdade, você quer ver quem é você. Qual será tua próxima fome?"


 

"Bambam Ltda", copyright Veja, 17/04/02

"Kleber ?Bambam? Pedra agora ?faz parte?. Além de embolsar um prêmio de 500.000 reais, o vencedor do reality show Big Brother Brasil conquistou um espaço na programação da Rede Globo. Só na semana passada, gravou participações nos humorísticos Casseta & Planeta e A Turma do Didi, no Globo Repórter e no Video Show. E Marlene Mattos, a todo-poderosa empresária de Xuxa que o adotou como pupilo, tem planos ambiciosos para Bambam. Seu primeiro passo será transformá-lo num verdadeiro dançarino. E de valsa. Ela acredita que o rapaz tem futuro no mercado de bailes de debutantes. ?Dá para embolsar até 8 000 reais por noite, mas antes precisamos torná-lo mais jeitosinho, para que não destrua os pezinhos das moças?, diz Marlene. O figurino de Kleber para esses eventos já foi escolhido: smoking, tênis e, claro, boné. Convites para estrelar propagandas e fazer desfiles também estão sendo analisados. A presença de Bambam no infantil Xuxa Só para Baixinhos, que deve estrear em julho próximo, já foi assegurada. Só é preciso que ele mantenha a calma e ?relaxe os músculos?, para citar uma de suas quatro frases. Na semana passada, o novo astro global levou um puxão de orelha de Marlene, por se comparar ao galã Reynaldo Gianecchini. ?Bambam ficou entusiasmado porque a mulherada começou a dar muito em cima dele?, releva a empresária."