CHARLES & CENSURA
“Opa, opa, opa, Charles”, copyright O Globo in Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 14/11/03
“No dia 2 de novembro, Michael Fawcett, ex-empregado do príncipe Charles, da Inglaterra, impediu, na Justiça, que o jornal ?Mail on Sunday? publicasse acusações de um antigo colega de trabalho, George Smith. Segundo o ex-valete de Charles, Fawcett tinha sido flagrado numa relação homossexual com ?um membro da realeza? em 1989.
Tais boatos, no entanto, circulavam há ao menos três anos. Agora dizia-se também que o episódio havia sido gravado pela princesa Diana Spencer, para o caso de um dia ter problemas com a família do então marido. Como se sabe, Lady Di teve problemas incontornáveis com um bando de paparazzi , um motorista embriagado e um túnel às margens do Sena, em Paris, calando-se para sempre na madrugada de 30 de agosto de 1997.
Os teóricos da conspiração deram cambalhotas. Os jornais sensacionalistas – e alguns respeitáveis – fizeram a festa. Mesmo que a liminar censória valesse para todos, foram comendo o assunto pelas beiradas. Contudo, Charles estava quieto, em viagem pela Índia, e não fora citado nominalmente. Um prestimoso porta-voz da realeza, porém, procurou a mídia e negou que o príncipe tivesse algo a ver com as fofocas.
Com um serviçal desses, talvez fosse melhor o Palácio de Buckingham pensar em terceirizar o serviço e contratar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para improvisar os comunicados reais. Seria bem mais seguro. No momento em que vos escrevo, o herdeiro do trono confabula com seu filho mais velho, William, com sua namorada Camilla Parker-Bowles e com uma corte de advogados. Entrará ou não na Justiça contra George Smith?
Talvez não seja uma boa idéia, my friend Charles. Não só porque um príncipe num tribunal daria credibilidade ao que poderia ser apenas mais uma manifestação da boataria sazonal que ronda sua família, tipo ?fulano fuma maconha, sicrana trai sicrano, beltrano é um alien polimorfo?. E sim porque ele também teria de provar serem falsas as acusações, o que, de uma forma ou de outra, custaria a exposição pública de muita roupa suja.
A História é sempre boa conselheira. No finalzinho do século XIX, Oscar Wilde cometeu erro parecido. Terminou sendo condenado – por sodomia , o que, segundo as más línguas, seria tecnicamente incorreto no seu caso – a dois anos de trabalhos forçados em Reading. Com a saúde, o orgulho e o bolso arruinados, o escritor irlandês deixou a prisão e a Inglaterra em 1897 para morrer, desgostoso, três anos depois, na França.
Disso, muita gente sabe. Menos gente lembra que Wilde foi, por assim dizer, julgado duas vezes. E, na primeira delas, da qual a segunda foi apenas triste conseqüência, ele mesmo entrou na Justiça, contra o Marquês de Queensberry, desagradável pai de lorde Alfred Douglas, Bosie (pronuncia-se ?Bouzi?) para os íntimos, como Wilde, seu amigo desde 1891. Queensberry, o homem que redigiu as regras do boxe profissional, acusava-o de desencaminhar Bosie . A chance de estragar a vida de Wilde se lhe apresentou em 1895.
Em janeiro daquele ano, o dramaturgo entrou em cartaz com ?Um marido ideal?, sob aplausos dos exigentes público e crítica de Londres. Em fevereiro, ousou apresentar a obra-prima ?A importância de ser prudente?. A cidade estava a seus pés. Furioso, Queensberry pretendia fazer um escândalo na estréia da nova peça, mas Wilde soube de seus planos e mandou barrá-lo na porta. Em troca, o marquês deixou um cartão no quadro de avisos do clube para cavalheiros que o gênio dublinense freqüentava, cartão no qual se lia ?To Oscar Wilde, posing somdomite ? (Para Oscar Wilde, somdomita afetado).
Se, além de homófobo, o marquês fosse só analfabeto funcional, talvez o causo não tivesse um final tão infeliz. O afetadérrimo Wilde, contudo, sentiu-se ultrajado e decidiu processar Queensberry por difamação. No tribunal, o advogado do nobre, Edward Carson, logrou provar – recorrendo inclusive a depoimentos inidôneos de prostitutos – que Wilde era de fato sodomita e que, portanto, seu cliente não o difamara.
Após um dia e meio de julgamento, no qual Carson e Wilde travaram brilhante duelo verbal, o acusador se viu transformado em réu. Segundo uma lei inglesa de 1885, qualquer contato sexual entre homens era passível de dois anos de trabalhos forçados. Foi a essa pena que Wilde acabou condenado num segundo julgamento. Entre este e o primeiro, seus amigos o instaram a abandonar a Inglaterra, ante o desfecho iminente. Wilde recusou.
Tenho certeza que a legislação lá mudou bastante nos últimos 118 anos e, quando nada por isso, Charles não concorre ao mesmo fim de Wilde. Senão, a Velha Albion teria se transformado numa Ilha Realmente Grande, colônia penal sem Angra dos Reis por perto. Ao contrário, tornou-se uma nação tolerante com a diferença, apesar de talvez ainda não estar tão tolerante a ponto de assistir a um membro da família real sair do armário, não necessariamente o Príncipe de Gales, que já desejou ser o tampax de Camilla.
Oscar Wilde está enterrado desde 1909 no chique cemitério de Père Lachaise, em Paris. No túmulo esculpido como um mensageiro alado art déco por Jacob Epstein, visitantes – a sonegação de qualquer artigo não é casual – deixam marcas de batom. Se um dia passar por lá, my friend Charles, lembre-se desse epigrama do defunto: ?Atores ingleses atuam bastante bem, mas atuam melhor nas entrelinhas.?”
“Lei dura não contém tablóides”, copyright Folha de S. Paulo / Le Monde, 12/11/03
“As relações entre vida pública e privada no Reino Unido são regidas por um paradoxo: as leis contra a difamação, apesar de muito rígidas, não impedem a divulgação dos menores gestos de pessoas famosas nem a publicação de fotos não autorizadas de sua intimidade. Por isso, as personalidades que se julgam maltratadas não têm outra opção senão ir buscar reparação nos tribunais.
Essa situação se deve, em grande parte, à existência de uma imprensa popular agressiva e implacável. Após a morte da princesa Diana e a avalancha de críticas contra os ?paparazzi?, o código de honra da profissão foi endurecido. Mas sua aplicação ainda depende da boa vontade dos editores. A imprensa se auto-regula, sob a égide da Comissão de Queixas da Imprensa, mas continua a usar os piores métodos de trabalho, em especial o chamado ?jornalismo de talão de cheques?.
Os tablóides gastam grandes quantias de dinheiro com pessoas comuns ou pouco recomendáveis pelo direito de publicação exclusiva de pseudo-revelações com as quais esperam aumentar a circulação. Nessa escalada, a família real é o alvo predileto da imprensa marrom.
O exemplo mais recente dessa tendência, a publicação pelo ?Daily Mirror? de trechos do livro de Paul Burrell, antigo mordomo de Diana, teria valido a este vários milhões de libras esterlinas. O jornal também se beneficiou com o aumento sensível de suas vendas durante uma semana.
A ausência de escrúpulos da imprensa popular, entregue a uma concorrência feroz, levou a Comissão de Cultura, Imprensa e Esportes da Câmara dos Comuns a defender a promulgação de uma lei ?à francesa?, que garantiria uma proteção maior do direito à vida privada. Enquanto isso não acontece, não passa um mês sem que alguma celebridade ganhe um processo por difamação.
Em 1988, o cantor Elton John indicou o caminho ao obrigar o ?Sun? a pagar 1 milhão de libras (R$ 4,83 milhões). Seguiram seu exemplo Heather Mills, mulher de Paul McCartney, e a atriz Nicole Kidman.
Será que Charles também tem interesse em registrar queixa por difamação ou calúnia contra seu antigo criado, como seus assessores deixaram entrever? Na opinião de alguns especialistas na família real, como o historiador Andrew Roberts, ?diante da determinação de alguns jornais em publicar alegações tão sórdidas quanto improváveis, o príncipe deveria atacá-los na Justiça?, disse. ?A única maneira de fazer esses editores pensarem duas vezes é atingi-los no bolso.?
Não é de hoje que a família real ataca aqueles a quem acusa de traição. Em 1848, a rainha Vitória apreendeu cópias de desenhos seus que haviam sido reproduzidos por um gráfico. Em 1950, a jovem princesa Elizabeth não pôde impedir a publicação das memórias de sua antiga babá, mas fez com que esta fosse alvo de rejeição e isolamento até sua morte.
Esse episódio levou à introdução de uma cláusula de confidencialidade nos contratos de trabalho dos funcionários reais. Mas isso não impediu que antigos funcionários da Casa de Windsor tentassem enriquecer, revelando fatos confidenciais sobre seus ex-patrões. Com a publicação do livro de Burrell, subiu para 250 mil libras (R$ 1,25 milhão) a multa prevista no contrato para antigos funcionários que falarem demais. Tradução de Clara Allain”
“Uma dúvida real”, copyright IstoÉ, 17/11/03
“Charles Philip Arthur George, príncipe de Gales: ?Eu só quero deixar claro que (os rumores) são totalmente falsos e não têm um mínimo de evidência?
Com quase 55 anos e esperando há tempos para assumir o trono do Reino Unido, o príncipe Charles enfrenta mais um escândalo. Desta vez, com conotações sexuais e toques de censura. Há tempos, um certo rumor de que ?um integrante da família real? fora flagrado em uma ?situação comprometedora? reverberava nos ouvidos dos súditos ingleses. Entretanto, graças a medidas judiciais, os meios de comunicação ingleses estavam proibidos de publicar qualquer detalhe sobre essas suposições. Mas, fora do Reino Unido, o caso ganhou as primeiras páginas dos principais jornais europeus. O imbróglio atingiu seu ápice na segunda-feira 10, quando 16 jornais europeus deixaram de circular na Inglaterra e no País de Gales por conterem informações sobre o caso. Entre os jornais censurados estavam os principais do continente europeu, como os franceses Le Monde e Le Figaro, o italiano Corriere della Sera e o espanhol El País. Foram os próprios distribuidores locais que decidiram não vender os jornais estrangeiros, com medo de possíveis represálias.
Há cerca de duas semanas, o tablóide inglês Mail on Sunday anunciou uma bombástica entrevista com George Smith, 43 anos, ex-valete do príncipe Charles, em que ele descreveria com detalhes a ?situação comprometedora envolvendo um integrante da família real? da qual ele tinha sido supostamente testemunha. Só que essa entrevista nunca chegou às bancas por conta de uma ação judicial da Suprema Corte inglesa, baseada na severa lei de difamação de 1996, que impediu a publicação do relato de Smith. Dias depois, o diário britânico The Guardian ganhou na Justiça o direito de revelar o nome de quem estava impedindo a entrevista de ser publicada: Michael Fawcett, 40 anos, ex-empregado do príncipe Charles. Nada foi dito pelo Guardian, mas ficou a insinuação de que Michael Fawcett teria motivos pessoais para não querer que o relato de Smith viesse a público.
Na obviedade de que os personagens envolvidos eram o príncipe de Gales e o ex-empregado Fawcett, a assessoria do príncipe adiantou-se em uma decisão arriscada. Negou o episódio sem ele ter sido, de fato, noticiado. Michael Peat, secretário particular de Charles veio a público, na quinta-feira 6, para ler a nota: ?Eu concordo que não é usual fazer uma declaração sobre suposições não especificadas, mas os rumores estavam se tornando objeto de muita especulação. Eu só quero deixar claro, embora não possa me referir aos detalhes da alegação, que elas são totalmente falsas e sem um mínimo de evidência.?
Nem mesmo o mais infame dos súditos acredita na versão do
ex-valete do Palácio de Kensington, que sofre de alcoolismo e tem distúrbios psicológicos. Smith já havia sido capa dos tablóides quando acusou o mesmo Michael Fawcett de tê-lo violentado, mas suas acusações são consideradas da profundidade de um pires. Desde a trágica morte da princesa Diana, em agosto de 1997, as autoridades inglesas decidiram refrear a fúria sensacionalista. Mas essas medidas judiciais penduram-se na corda bamba entre a censura e a liberdade de imprensa e nem sempre conseguem o devido equilíbrio. Mesmo impedidos de divulgar detalhes sobre o ?caso Charles?, os tablóides londrinos insinuaram um escândalo sexual que, somado à negação prévia do príncipe, só trouxe mais publicidade e curiosidade a respeito da sexualidade do herdeiro britânico. Em vez de fazer o ?caso Charles? silenciar, a censura só o deixou em maior evidência.”
WALL STREET JOURNAL
“Circulação do WSJ passa a incluir Internet”, copyright Meio e Mensagem, 10/11/03
“Aproveitando uma autorização do Audit Bureau of Circulations (ABC), o The Wall Street Journal, segundo maior jornal dos EUA, seguiu o exemplo de outros 35 pequenos diários do país e passou a incluir as assinaturas de sua versão online aos números da circulação geral.
A medida, anunciada na semana passada, permitiu ao tradicional diário da Dow Jones reportar um ganho recorde de 16% da circulação do semestre encerrado em 30 de setembro, que somou 2,1 milhões de cópias.
Segundo o vice-presidente sênior de editoração eletrônica Gordon Crovitz, o WSJ conta atualmente com 686 mil assinantes no mundo, dos quais cerca de 400 mil assinam apenas as edições online; destes, 290,4 mil foram incluídos na circulação geral do período por obedecerem aos critérios da ABC (vale observar, entretanto, que a circulação isolada das edições impressas continuou estagnada em bases anualizadas em pouco mais de 1,8 milhão).
?A edição eletrônica deve ser uma réplica da impressa e atender a certos parâmetros de preço?, explicou Marybeth Meils, porta-voz da ABC, acrescentando que a medida do WSJ provavelmente influenciará outros grandes jornais do país.
Para Earl Wilkinson, diretor executivo da International Newspaper Marketing Association, as novas regras da ABC são uma resposta ao declínio do meio jornal nos últimos 30 anos, mas poderão ser problemáticas na medida em que muitos anunciantes não percebem a diferença entre as audiências dos formatos impresso e eletrônico. Um dos perigos, segundo ele, seria os diários prometerem mais leitores do que efetivamente podem entregar.
A Sears, Roebuck & Co. expressou a cautela de vários anunciantes declarando que exigirá mais informações sobre a medida. ?Acho que é uma coisa positiva para nos ajudar a entender o grau de crescimento da circulação online, mas também achamos importante checar se os assinantes da edição eletrônica não são os mesmos dos leitores do jornal tradicional?, disse Matthew Spahn, diretor de planejamento de mídia da Sears.”