Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Arthur Dapieve

RETROSPECTIVAS E PREVISÕES

“Memória, ilha de edição”, copyright O Globo, 26/12/03

“O que faz um ano? Não falo dos 365 dias e sim da substância de seus sonhos e pesadelos. Nesta época, ficamos nós, cronistas, tentando olhar para trás e enxergar um caráter na última revolução completa da Terra em torno do Sol. É uma de nossas funções precípuas, tipo estimar a chegada do verão pelo advento não de temperaturas, mas de fatos e modismos. Cronista vem, lembrem-se, do grego khrónos , tempo. Vivemos dele.

Bancamos, então, os astrólogos da Humanidade e da Natureza. Tal qual o povo do mapa astral vê semelhanças entre milhões de nascidos sob o mesmo signo, tentamos enfiar no mesmo balaio, chamado ?o ano que passou?, os mais diversos acontecimentos, produzidos ou não pelo homem, e extrair sentido ou moral da História ou da Vida. Tarefa vã, mas a que, qual o Sísifo do mito, nos dedicamos dezembro após dezembro.

Para a fórmula dar certo e o ano fechar direitinho ? para podermos dizer, como um obstetra de parto parido, ?2003 foi bom? ou ?2003 foi ruim?, versão planetária do ?é menino? ou ?é menina? ? precisamos descartar certas características e realçar outras. Ou, em palavras mais belas, do falecido Waly Salomão em sample numa faixa comovente do novo CD do Rappa: ?A memória é uma ilha de edição. A memória é uma ilha de edição.?

Não há, pois, objetividade possível numa retrospectiva anual de uma só cabeça. Por isso, chamo minha última coluna de cada ano de ?balanço emocional?. Assim como, sei lá, um sagitariano não é nem acúmulo só de traços positivos nem acúmulo só de traços negativos, anos também costumam ser complexos, para não dizer ambíguos. Nesse sentido, 2003 foi um ano particularmente ambíguo. Grande marco, aliás, foi o Governo Lula.

Injusto proclamar a um quarto do mandato do presidente, que ele ?foi bom? ou que ele ?foi ruim?. Apesar disso, o meu 2003 fecha com uma perplexidade. Nunca vi no meu candidato Lula um rompimento absoluto em relação ao seu predecessor Fernando Henrique, que sufraguei, duas vezes, sem arrependimentos. Não imaginava, porém, que, beijado pelas urnas, o sapo barbudo se transformasse num tucano vermelho.

O primeiro ano de governo de Lula foi o último ano de governo que Fernando Henrique não teve, ou não pôde ter, em grande parte por conta da obstrução do próprio PT no Congresso. Reformas previdenciária e tributária aprovadas a toque de caixa, arrocho inédito nas contas públicas, política monetária austera ? tudo posto em prática graças ao capital das urnas. Logo, foi um ano vitorioso politicamente para o governo. O desgaste, óbvio, pode vir logo em 2004, caso isso não se reflita positivamente na vida do eleitor.

Continuo achando, para usar seu adjetivo favorito, aplicável a safras de soja e manobras de skate, extraordinário que tenhamos eleito um operário para a Presidência da República, depois de dezenas de coronéis e doutores. Me assusta, contudo, seu discurso volta e meia antiintelectualista, como se alguém com seu nível de escolaridade chegar lá fosse regra, não exceção nascida de um, vamos lá de novo, extraordinário carisma. Só a educação e a cultura podem tirar o Brasil do atoleiro. Todo trabalhador sabe disso.

Até num relato subjetivo, outro evento marcante foi, ou talvez fosse mais preciso dizer, está sendo a Guerra do Iraque. O leitor assíduo sabe que não sou, a priori , contra guerras. Algumas precisam ser travadas. Travadas e ganhas. Elas são terríveis, de fato, mas, olha o paradoxo, às vezes são necessárias para se viver algum tempo em paz. Do mesmo modo, não tenho nenhuma dúvida de que Saddam Hussein é um canalha que deve ser mandado para os quintos dos infernos, literal ou metaforicamente, não me importa.

No entanto, o modo como a guerra foi concebida e executada também me espanta. Foi concebida como uma punição por crimes ainda por cometer (não pelos muitos já cometidos, aliás, municiados pelo próprio Ocidente). Foi executada como uma daquelas velhas expedições coloniais européias (em Bagdá, a fim de pilhar combustíveis e contratos de reconstrução). Essa estranha aliança entre a precognição e a reencenação me parece ter tornado o mundo um lugar mais perigoso para se viver. Estamos não apenas à mercê do estúpido Osama bin Laden como do sonso George W. Bush. Saudade de Clinton.

O terceiro item no balanço emocional diz respeito a uma das duas ou três instâncias mais importantes da minha vida: o futebol. Depois de cair para a Segunda Divisão em 2002, o Botafogo voltou para a Primeira em 2003, e voltou merecidamente, sem virada de mesa, jogando futebol (limitado, é verdade), mas honesto e voluntarioso. Dá orgulho, ainda, que o bom exemplo de Bebeto de Freitas, Levir Culpi, Sandro & Cia pareça estar contaminando o Flamengo. O Rio precisa disso. De jogo limpo. Em todos os campos.

Esses três tópicos bastam para dar um caráter a 2003, bastam para humanizar o desumano? Claro que não. Foi só mais um ano, no meu caso, um em 40. Essa previsão, portanto, posso fazer: 2004 será só mais um ano, nem bom nem mau, diferente. E posso desejar que a próxima revolução em torno do Sol seja feliz para os leitores.”

“O Brasil do conde vai acabar em 2073”, copyright O Globo, 24/12/03

“Para quem acredita em previsões de nobres franceses ou sábios americanos e aborreceu-se com a futurologia dos videntes do governo dos Estados Unidos para o Brasil, aqui vão outras duas, das boas:

Faltam 70 anos para o Brasil acabar. Em 2073 os brasileiros ?terão desaparecido completamente, até o último homem?. Esse será o resultado da miscigenação racial num país onde a imperatriz tinha três damas de honra: ?uma marrom, outra chocolate-claro, e a terceira, violeta?.

A previsão veio do conde Arthur de Gobineau, autor do ?Ensaio sobre a desigualdade das raças?, embaixador francês na corte do Rio de Janeiro entre 1869 e 1870, bom amigo de d. Pedro II. Pelas contas de Gobineau, o Brasil deveria ter hoje uma população de algo como dois milhões de habitantes.

O outro lote de previsões veio de Herman Kahn. Era um gordão odiado porque simbolizava a escalada americana na Guerra do Vietnã. Mesmo assim, sua fé no progresso fez dele o primeiro futurólogo a ganhar ares de santidade. Em 1967 ele publicou um livro intitulado ?O Ano 2000?.

Em algumas coisas, errou feio: antecipava um futuro no qual a Ásia (sem a China) chegaria ao novo século com um PIB superior ao da Comunidade Européia. As fronteiras dos países latino-americanos talvez fossem redesenhadas.

Apesar disso, as previsões científicas de Herman Kahn surpreendem. Ele entendeu o futuro dos computadores, a globalização financeira e a ação de dispositivos microeletrônicos no cérebro. Seu livro foi traduzido no Brasil em pleno Milagre Econômico. Ele previa que Pindorama levaria 130 anos para atingir uma renda per capita de US$ 3.600. Num país que crescia 10% ao ano esse número foi considerado um insulto. De 1965 até hoje, em dólares constantes, a renda do brasileiro passou de US$ 1.060 para US$ 2.590 em 2002. Nesse ritmo, chega-se à marca de Herman Kahn antes que o Brasil do conde Gobineau se acabe.

A comunidade de informações do governo americano apareceu com uma previsão para 2020. Ela acredita que até lá o Brasil se tornará uma potência exportadora de produtos agrícolas, perderá importância política na América Latina e continuará sendo uma ameaça à estabilidade do sistema financeiro internacional. Essas profecias estão no documento de 12 páginas divulgado em Washington, que tocou os brios de alguns parlamentares.

É um trabalho pedestre, com momentos de brilho. Num deles, expõe a bomba demográfica que os governos da região começaram a montar nos anos 90: ?A América Latina corre o risco de envelhecer sem ter crescido.? O Brasil está entre os países onde o povo fica mais velho ao mesmo tempo em que a taxa de natalidade cai e um pedaço da população economicamente ativa vive na informalidade, sem pagar impostos, esperando receber serviços do governo. (Os últimos números do IBGE mostram que, de cada 100 trabalhadores, 43 não têm carteira assinada. Na herança maldita de FFHH eram 41. Dois são produção do PT Federal.)

O melhor momento da futurologia americana ocorre precisamente quando os sábios condenam o futuro nacional. Segundo eles, em 2020 o Brasil ainda não terá terminado de fazer as reformas necessárias para comprar ingresso no clube do futuro. Ainda bem. Graças ao povo brasileiro o tucanato não conseguiu fazer as reformas que o mercado pedia. Nem Lula conseguiu fazer tudo o que o comissário José Dirceu gostaria de ter feito. Felizmente, quando o FMI desceu em Brasília para arrancar de FFHH a dolarização da economia, o professor Cardoso mandou-o passear.

Se a futurologia americana ensina alguma coisa, talvez seja algo que já se aprendeu com o conde francês. No século XIX o que o Brasil precisava era de mais mulatos. Talvez hoje precise de menos reformas.

Serviço: O estudo do National Intelligence Council, em inglês, está listado no seguinte endereço: http://www.cia.gov/nic/NIC_2020_project.html.”

“Bons Anos”, copyright Jornal do Brasil, 26/12/03

“Uma das leis de escrever colunas é ter alguma coisa a dizer aos leitores, é aproveitar o cotidiano do fato, olho no mote, e atirar. Assunto passado e requentado já era. Tudo na sua justa hora.

Neste ano, a minha sexta-feira desta página já ouvia os sinos do Natal, mas parecia longe dele, e a de hoje está na mesma situação, depois dele e longe do fim do ano. Fui atropelado pelas datas.

Assim, melhor falar do que passou e do que virá. O ano de 2003 foi de perplexidades e surpresas. Perplexidade dos que acreditavam no caos que não aconteceu e surpresas sobre o desempenho equilibrado e correto da economia. Agora é esperar o crescimento. Sem crescer, não vamos além das palavras.

A invenção do tempo é extraordinária porque nos faz colocar marcos no nada e, a partir daí, datar e medir as pessoas e as coisas, a começar por mensurar o envelhecimento.

Ano, como escala do tempo, é o que mais envelhece. Ninguém representa o dia, a semana ou o mês barbudo, esquelético, às vésperas do buracão. Já aos anos se chama de velhos e sua representação é de debilidade e morte. Papai Noel não envelhece nem remoça. Nasceu velho e velho aparece e desaparece. Por outro lado, não morre. Ninguém viu Papai Noel morto ou doente. Está sempre jovial, vendendo saúde, carregando sacos, puxando trenó, entrando em chaminés. É um velho ágil. Existia um deus mitológico que tinha o segredo da respiração, por isso não cansava nem deixava os pulmões pararem.

Eu tenho um amigo que detesta Papai Noel. Acha uma invenção boba e mais ainda o cultivo de sua imagem, enganando crianças e se replicando em disfarces em que sendo um, são todos. E conclui com exasperação: ?É um estelionatário?.

Exagero? É uma criação boa, só tem aspectos bons, só aparece em dezembro, não chateia o ano todo nem se desgasta. Vai embora e hiberna para o outro ano.

Ano Velho e Ano Novo são diferentes. O primeiro, chegado o dia 31, evapora-se, sem direito a ressurreição. Já o novo se prepara para a mesma tarefa e nós, com a graça da vida, convivemos com eles dois e outros mais, lembrados por marcas e episódios. Saddam Hussein, certamente, jamais esquecerá este ano.

Uma vez, uma vidente, que sabia ver a sorte através de número par ou ímpar, olhou, em Araxá, e me disse de supetão: ?O senhor quer ganhar uma eleição? Se for em ano ímpar, ganhará. Se par, caia fora.? Quando o presidente Castelo Branco marcou as eleições de governador para 1965 e não 1966, lembrei-me da cartomante de Araxá e, sem acreditar, comecei a torcer para que fosse verdade. E foi.

Os anos, mais do que Natais, precisam ser interpretados. Os símbolos que deixaram.

Hoje, com essa história de tempo real, o tempo foi comprimido: o hoje, o ontem, presente e passado ficam todos compactados e a gente olha para trás como se tudo fosse muito longe. Ao abrirmos essa miniatura deparamos com um volume de fatos e a velocidade com que aconteceram, tornando tudo como se fosse um século. Nós não temos mais capacidade de digerir o que acontece em cada ano. Precisamos construir um segundo andar em cada ano.

Tudo isso para dizer que quero mesmo é desejar Bons Anos, não só 2004, mas todos que a vida nos der.”

“Um balanço de 2003”, copyright Jornal do Brasil, 27/12/03

“Terá lugar definitivo na história do Brasil. Será conhecido como o ano em que um ex-metalúrgico, originário de uma região pobre do semi-árido nordestino, no Estado de Pernambuco, tomou posse na Presidência da República. Um ano de seu governo foi suficiente para desfazer dúvidas e equívocos. O medo que as elites e fortes grupamentos da classe média tinham, de ver o país sacudido por uma avassaladora onda de esquerda, com saques, invasões e seqüestros de propriedades privadas, foi dissipado.

O mercado, esse ente que no contexto das economias interdependentes e globalizadas passa a ditar regras aos países, não só absorveu o ?governo esquerdista? do Brasil como passou a depositar nele grande dose de confiança. O risco Brasil, que mede a taxa de confiança dos investidores internacionais, chega, neste final de ano, ao patamar mais baixo dos últimos anos. A economia ortodoxa e acentuadamente liberal do governo de Luiz Inácio Lula da Silva deu o tom mais alto ao ano. Os tons baixos foram ouvidos nas bases da sociedade, quando a orquestra dos programas sociais não conseguiu abafar o clamor dos cerca de 12 milhões de desempregados nem os gritos e sussurros de populações cheias de pavor ante a violência desmesurada.

Como se pode deduzir, 2.003 foi um ano de grandes contrastes. Se a economia deu um banho de estabilidade, vencendo quase por nocaute a deteriorada estrutura social do país, também se pode garantir que o Brasil avançou, e muito. O país está mais organizado, consciente, participativo e crítico. Percebe-se a organicidade pela multiplicidade de organizações não governamentais que se espalham pelos mais distantes espaços do território, mobilizando grupos, fazendo pressão, formando elos, abrindo novos horizontes. O próprio governo ajudou a formar o realinhamento social, com o escudo que construiu na teia dos conselhos, câmaras e foros. Pode-se dizer que a democracia direta tirou espaços da democracia representativa, não apenas porque esta não tem cumprido satisfatoriamente os compromissos assumidos com a sociedade (basta ver a imagem dos políticos), mas em virtude da expansão de uma consciência crítica, conseqüência do processo de capilaridade do conhecimento sob a égide da mídia.

O Brasil avançou, também, no capítulo do autoconhecimento, ao fazer, graças à lupa dos meios de comunicação, um exercício analítico em torno das mazelas que o consomem. Vísceras de um corpo doente foram exibidas na farta denúncia de corrupção envolvendo políticos e juízes. Desvios de dinheiro para o exterior, grampos na vida privada, narcotráfico, contrabando de armas, casos e mais casos de intersecção entre os espaços público e privado expuseram a força de um poder invisível, que continua a aprofundar raízes no território. Os avanços continuaram com a aprovação do novo Código Civil, o Estatuto do Idoso e uma intensa discussão sobre as reformas da Previdência e tributária, que chega ao fim com o endosso do Parlamento a alguns instrumentos que acabarão contribuindo para melhorar a posição do cofre governamental.

Não se pode dizer que a sociedade ganhará com as reformas, até porque a boca faminta dos impostos e tributos foi exageradamente escancarada na administração lulista. Nesse ponto, o governo tem sido mais duro do que o de FHC. O que se tem notado é a preocupação fundamental de criar um manto econômico muito denso a fim de garantir, mais adiante, a cobertura dos projetos sociais que, até o momento, não deram grandes resultados. O Fome Zero foi mais uma estratégia de marketing do que um programa estruturante. No campo, o Movimento dos Sem Terra foi contido, graças à intimidade que seus líderes mantêm com o ministro da Reforma Agrária. Aliás, a reforma no campo, até o momento, é uma das promessas que seguramente serão cobradas com mais vigor um pouco mais adiante. Os movimentos radicais estão temporariamente contidos e parcelas fortes da sociedade, que ainda crêem que subirão, com Lula, a montanha da esperança, estão adiando para 2004 uma avaliação definitiva da administração.

O Congresso ficou refém do Poder Executivo. As oposições, hoje restritas aos campos do PFL e PSDB, ainda não conseguiram fixar uma forte identidade. Atiram para os lados na procura de um alvo mais consistente. O Judiciário é quem atirou no Executivo, mas acabou também levando fogo. Os atritos entre esses dois poderes, absolutamente previsíveis no Estado democrático, ganharam, entre nós, um tom fulanizado em função das personalidades fortes de seus atores. O Brasil também deu passos importantes na área internacional, com uma política mais aguerrida, assinalando a determinação brasileira de fazer presença forte e até liderar o grupo de países emergentes. O presidente, nesse sentido, tem ajudado, usando o carisma e, claro, as muitas viagens internacionais.

Na esfera partidária, o que mais chamou a atenção foi o paradigma petista: petista radical é uma invenção de ontem e não tem vez na mesa central do poder. O PT mudou, a senadora Heloisa Helena não mudou, mas a coerência é e será sempre do dono da flauta, pois ele é quem dá o tom.

O Brasil que pode se vislumbrar no pôr-do-sol de 2003 parece querer dizer, à semelhança do profeta Zaratustra: ?Novos caminhos sigo, uma nova fala me empolga: como todos os criadores, cansei-me das velhas línguas. Não quer mais, o meu espírito, caminhar com solas gastas.? Esse é um lembrete que pode fazer bem ao presidente Lula, aos governadores, prefeitos e parlamentares. Sola gasta não serve para subir montanhas e descer ladeiras.”

“O balanço negativo das comunicações”, copyright O Estado de S. Paulo, 28/12/03

“Em seu primeiro ano de mandato, o presidente Lula e seu ministro das Comunicações não realizaram nenhuma das grandes tarefas que deles o Brasil esperava nesse setor. Foram cinco os seus principais pecados e omissões:

O primeiro: não prosseguir a reestruturação institucional das áreas de comunicação eletrônica de massa, correios e de novas tecnologias da infocomunicação.

O segundo: não ajudar a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) a resolver seus problemas básicos, como o do quadro de pessoal.

O terceiro: mover verdadeira guerra contra essa e outras agências O quarto: não resolver o problema da aplicação dos R$ 4 bilhões do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust).

E o quinto: não aproveitar os melhores nomes do PT para integrar sua equipe no Ministério das Comunicações, ou para a vaga no conselho da Anatel.

Comecemos pelo último pecado. O PT, como é notório, conta com poucos especialistas respeitáveis em comunicações, entre os quais, os deputados federais Jorge Bittar e Walter Pinheiro, ou o professor Murilo Ramos, da Universidade de Brasília. Nenhum deles foi convocado até aqui por Lula.

Os governos, em geral, escolhem mal seus colaboradores. Um bom exemplo dessa natureza no governo Lula é o episódio da indicação do novo conselheiro da Anatel. O presidente da República optou pelo engenheiro Pedro Jaime Ziller, atual secretário de serviços de telecomunicações do Ministério das Comunicações. O Senado aprovou a indicação. Tudo certo? Não, pois Ziller dificilmente terá a isenção ideológica que o exercício da missão regulatória exige, por ter sido um dos sindicalistas mais radicais no combate ao novo modelo institucional e à privatização das telecomunicações.

Segundo o próprio PT, a melhor escolha teria sido a indicação do professor Murilo Ramos, da Universidade de Brasília (UnB), alternativa que contava com o apoio do ministro Palocci, da Fazenda, e de parlamentares do partido. Mas o pior risco agora é a substituição imediata de Luiz Schymura por Ziller na presidência da Anatel, como se discute no Planalto. Com base em razões técnicas, Schymura poderia, sim, ser substituído por outro conselheiro, no caso, Antonio Carlos Valente, vice-presidente da agência, profissional de reconhecida competência.

Nas diversas críticas e trombadas com a Anatel, o governo Lula provou que ainda não compreendeu o verdadeiro papel das agências reguladoras. Elas não são órgãos de governo, mas de Estado. Enquanto num ministério o titular é representante político do governo e dos partidos que lhe dão sustentação, na Anatel e demais agências, os dirigentes escolhidos devem ser, antes de tudo, profissionais competentes, técnicos, isentos e com vasta experiência. E nas incumbências de cada área, enquanto o Poder Executivo tem o dever de elaborar planos e políticas públicas de telecomunicações, cabe à Anatel criar as condições para sua execução.

Sem caminho – A rigor, o governo Lula não fez sequer um diagnóstico razoável dos problemas da indústria, das tecnologias, dos serviços e da infra-estrutura setorial, que engloba telefonia fixa, celular, microeletrônica, software e comunicação eletrônica de massa. Ora, sem diagnóstico, como se exigir dele qualquer tipo de ação coerente?

A grande tarefa não cumprida pelo governo Lula neste primeiro ano foi a retomada do processo de reestruturação do modelo institucional. A situação lembra uma grande cirurgia interrompida, há muito tempo, com o doente estendido, de ventre aberto diante de uma equipe médica que não sabe bem o que fazer. Como já o dissemos, no passado, é difícil esperar em comunicações um plano consistente do PT, um partido que até há pouco só sabia contestar sistematicamente todas as reformas feitas ou encaminhadas pelo governo anterior nesse setor. Parece até que o governo Lula não acredita serem as tecnologias da comunicação e da informação alavancas essenciais à modernização do País.

É claro que a paralisação desse projeto de reestruturação não ocorreu no governo Lula, mas, sim, depois da morte do ex-ministro Sérgio Motta e do bom trabalho de Luiz Carlos Mendonça de Barros, de abril até o final de 1998. A partir daí o ex-presidente Fernando Henrique parece ter perdido totalmente o rumo das reformas que estavam em curso nas comunicações. E pior do que isso, escolheu e manteve no Ministério das Comunicações por três anos um inimigo pessoal de Sérgio Motta, o ex-ministro Pimenta da Veiga, que não tinha o menor interesse em reestruturação setorial.

Decepção – Neste governo, por falta de idéias e de vontade política, a reestruturação dos setores postais e de radiodifusão não foi sequer iniciada. O que parece estranho a todos os que acompanham o PT, partido cujo discurso tem sido historicamente voltado para o social, é que Lula não tenha percebido neste primeiro ano que está perdendo sua grande oportunidade de realizar a inclusão digital no Brasil.

E quanto ao ministro das Comunicações? Sem trocadilho, diríamos que Miro sabe fazer promessas mirabolantes. Político experiente, jornalista e advogado, ele dominou rapidamente o jargão setorial e passou a propor coisas ambiciosas, quase utopias, que ninguém sabe bem o que são nem como poderão acontecer, entre as quais ?um sistema de TV totalmente digital brasileiro, capaz de promover a inclusão digital deste País?. Melhor seria chama-lo de ?projeto de ilusão digital?, pois, para atingir apenas um terço dos domicílios brasileiros, a TV digital, levará, realisticamente, dez anos ou mais.

Sonhos como esse dão boa visibilidade ao ministro e ao governo. O risco será para quem tiver de enfrentar a cobrança de uma promessa como a de transmitir a Copa do Mundo de 2006 via TV digital. Isto sem falar na fantasia de democratizar o acesso à internet, utilizando o mesmo espectro de freqüência da TV digital.

Por puro otimismo, espero muito mais do governo Lula nas comunicações em 2004.”