ESTRANGEIROS NA MÍDIA
"Mudança oportuna", copyright Folha de S. Paulo, 22/12/01
"A legislação que rege a vida de jornais, revistas, emissoras de rádio e de TV no Brasil é antiga, anacrônica e restritiva. Foi elaborada ao tempo em que os países viviam isolados e cada qual tratava de se proteger da eventual influência do vizinho. A tecnologia de comunicação era indigente e a posição política majoritária apontava na direção de fechar as portas ao estrangeiro.
O notável desenvolvimento tecnológico das comunicações modificou o panorama local e mundial. A aldeia global, que nos anos 60 era apenas uma teoria acadêmica, transformou-se em luminosa realidade. Os antigos diziam que o mundo ia até onde sua voz alcançava. Hoje, um cidadão, de qualquer parte do planeta, fala para onde desejar. Transmite e recebe dados, lê jornais de outros países, conversa com amigos e faz os investimentos desejados.
O fantástico progresso tecnológico proporcionou avanço político considerável. Com a exceção de países fundamentalistas, que enxergam na internet algum tipo de ameaça à estabilidade, o mundo, de maneira geral, adapta-se bem aos novos tempos de comunicação ampla, geral e irrestrita. Jornais e jornalistas ganharam muito em matéria de velocidade de transmissão de informações. E os leitores passaram a receber material de melhor qualidade.
A TV incorporou o conceito de transmissão ao vivo. Os trágicos atentados terroristas contra as torres gêmeas de Nova York ganharam dramaticidade insuperável porque transmitidos ao vivo. A cena do avião batendo no prédio e, logo depois, a queda do prédio, ícone do capitalismo, entra para a história como divisor de águas na comunicação.
A guerra do Afeganistão repetiu, em escala menor, o que já ocorrera no Iraque. O conflito conduzido como programa de TV. Esse fenômeno recentíssimo da comunicação ao vivo em escala planetária já havia colocado o mundo na sala ou no quarto, onde quer que estivesse colocado o aparelho de TV.
A globalização abraçou o país e se mostrou por inteiro. Meninos e meninas se divertem a assistir filmes estrangeiros. Os canais de TV a cabo oferecem a alternativa de áudio em inglês. Alguns aprendem o segundo idioma assim. Ou seja, o mundo está conectado durante todo o dia por satélite, fibras óticas, internet e outras maravilhas da modernidade. Restou, anacrônica, a legislação que rege a comunicação no Brasil.
A Câmara dos Deputados aprovou em primeiro turno (406 votos a favor, 23 contra e 2 abstenções) projeto que altera o artigo 222 da Constituição. Serão necessárias mais uma votação na própria Câmara e duas no Senado. A modificação é importante. Estrangeiros, pessoas físicas ou jurídicas, poderão participar em até 30% do capital de empresas de comunicação nacionais.
A alteração é positiva. Abre oportunidade de crescimento e modernização para os meios de comunicação no país. É preciso lembrar que tanto jornais quanto emissoras de rádio e TV trabalham com material importado. Associações com empresários estrangeiros arejam as empresas em termos de novas tecnologias e permitem parcerias que resultem em proveito comercial.
A abertura para pessoas jurídicas é dado fundamental. Fundos de investimento, de pensão ou clubes de investimentos poderão comprar ações de empresas brasileiras do setor. O resultado das duas mudanças aponta na direção de uma imprensa melhor aparelhada do ponto de vista técnico e com independência, resultado da solidez financeira.
Não tenho dúvidas de que as mudanças vão criar cenário melhor no setor. Empresas que trabalham na área do audiovisual, por exemplo, tendem a receber mais tecnologia e trabalhar com equipamentos de última geração. O Brasil dispõe de excelentes profissionais na área. Eles, com os novos sócios, poderão abrir novos caminhos, desbravar fronteiras. E, no rastro, o cinema brasileiro, que vive sua eterna dificuldade, também terá a chance de reencontrar o seu público, via meios de comunicação.
As questões remanescentes serão tratadas pela legislação ordinária. É necessário encontrar modos de garantir o emprego de artistas e profissionais que hoje trabalham no setor. Haverá disputa e competição. Mas a entrada do capital estrangeiro abre novas janelas, sem retirar a perspectiva dos nacionais.
O controle do conteúdo deve permanecer em mãos de brasileiros, tanto nos jornais quanto nas emissoras de TV. A globalização já avançou na imprensa brasileira. Jornais norte-americanos circulam em tablóides encartados em publicações brasileiras. E a programação da TV usa produção estrangeira. Nada vai ficar, do ponto de vista do emprego e do controle da produção, muito diferente do que é hoje. A nova redação do artigo 222 da Constituição Federal, da qual fui relator na Constituinte, deverá resultar em empresas capitalizadas, melhor equipadas e com nível de independência em aumento. A mudança é boa e oportuna. Sinal dos tempos. (Artur da Távola, 65, é senador (PSDB-RJ) e líder do governo no Senado)"
"A quem serve o congresso nacional?", copyright Folha de S. Paulo, 28/12/01
"A Constituição de 1988 já foi remendada 38 vezes desde a sua promulgação, o que perfaz a apreciável média de quase três alterações por ano. É forçoso reconhecer que, na produção de boa parte desses remendos constitucionais, o Congresso Nacional serviu, objetivamente, aos interesses das classes dominantes e das potências econômicas estrangeiras.
Até há pouco, podia-se distinguir entre umas e outras. Agora a linha divisória entre empresariado nacional e forças econômicas transnacionais é indistinguível. Tendemos a ser um país governado por dentro e controlado por fora. Ou melhor, os governantes e empresários brasileiros assumem, uns após os outros, a posição de agentes executivos de patrões sediados no exterior.
A recente decisão da Câmara dos Deputados de emendar, em primeiro turno de votação, o artigo 222 da Constituição, a fim de permitir que estrangeiros participem do capital de empresas jornalísticas de radiodifusão e TV, é um sinistro exemplo de como o conjunto dos chamados representantes do povo, até mesmo da oposição, trabalha, consciente ou inconscientemente, contra os interesses superiores do povo brasileiro.
A globalização, como ninguém ignora, não é apenas um movimento econômico, mas uma mudança na organização do poder político em todo o globo terrestre. Essa nova ordem mundial, embora siga o conhecido padrão imperialista, tem, no entanto, uma índole original, adaptada à moderna sociedade de massas: a legitimação do poder político faz-se, predominantemente, por via dos meios de comunicação social. A chamada ?multimídia? (horripilante barbarismo) é, hoje, tão importante como instrumento de dominação imperial quanto as forças armadas.
Vou mais longe: sem capacidade para manipular a opinião pública em escala mundial, as vitórias bélicas não conseguem reforçar o poder de império.
Um só fato basta para nos fazer entender o que acaba de ser dito. Uma semana após o início da guerra do Afeganistão, diversas organizações humanitárias internacionais e o relator da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) solicitaram oficialmente ao governo americano a cessação dos bombardeios, que punham em risco de vida centenas de milhares de civis. Esse fato foi noticiado por um único jornal norte-americano (o ?Boston Globe?). E, ainda assim, numa linha entremeada em artigo que tratava de assunto relativo à Caxemira, na Índia.
Os nossos deputados federais, contudo, voltando as costas a essa realidade, entenderam que a propriedade de 30% do capital de uma empresa jornalística ou de TV, no Brasil, não daria ao sócio estrangeiro o controle empresarial.
Tem-se, de fato, dificuldade em admitir que os parlamentares brasileiros, que dispõem de competente assessoria legislativa, ignorem, neste início de século 21, que o poder de controle de uma sociedade mercantil não se funda, tão só, na participação de capital. Qualquer mequetrefe, minimamente versado em direito societário, sabe que um sócio, ainda que detentor de ínfima parcela do capital social, pode, por meio de uma convenção de voto, assumir o controle conjunto da sociedade.
E ainda haverá, por acaso, algum ingênuo na face da terra que acredite na autonomia do ?responsável editorial? de um veículo de comunicação perante os donos da empresa?
Em Minas Gerais, em 1996, a Southern Electric aceitou adquirir somente 30% do capital votante da Cemig (Centrais Elétricas de Minas Gerais), porque assegurou, mediante acordo de acionistas, o poder de vetar toda e qualquer reforma estrutural da companhia, bem como as mais importantes decisões societárias, como aumentos de capital e distribuição de dividendos. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais não teve dúvida em julgar que esse acordo acionário, ao atribuir à sociedade norte-americana o controle conjunto da companhia, havia alterado o caráter de sociedade de economia mista daquela empresa energética, sem autorização legislativa e em fraude à Constituição do Estado.
É provável que os partidos de oposição, com os olhos postos nas eleições de 2002, tenham receio de desagradar os donos dos grandes veículos de imprensa e televisão, sequiosos de obter novas injeções de capital para poderem enfrentar passivos crescentes em moeda estrangeira. Mas, até onde se sabe pela leitura da Constituição Federal, o Estado não tem por missão servir interesses particulares, mas defender o povo brasileiro e preservar a soberania nacional. (Fábio Konder Comparato, 65, jurista, é doutor pela Universidade de Paris, professor titular da Faculdade de Direito da USP e doutor honoris causa da Faculdade de Direito de Coimbra. É autor, entre outros, de ?A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos? (Saraiva))"
"?Falência das empresas de comunicação é culpa dos jornalistas?, diz Mino Carta", copyright Faculdade Casper Líbero (http://www.facasper.com.br/)
"Os jornalistas são responsáveis pela falência absoluta na qual se encontram as empresas de comunicação do país e têm colaborado no recrudescimento das desigualdades sociais. A opinião é de Mino Carta, diretor da revista CartaCapital e autor do livro ?O Castelo de Âmbar? (Ed. Record, R$ 28,00).
?Os donos de jornais acreditaram, por muito tempo, naquilo que seus jornalistas escreviam. Achavam que não haveria desvalorização da moeda?, disse Carta, durante palestra no 27? Fórum de Comunicação da Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial), na FIESP, em São Paulo.
?Só depois do maior engodo eleitoral da história, a reeleição de Fernando Henrique Cardoso, é que eles perceberam a real dimensão do problema. Isso é apenas uma prova do quanto a imprensa tem prestado serviço a uma minoria, que corresponde à elite do país?, defendeu.
Segundo Carta, a importação do modelo norte-americano de jornalismo pelas empresas brasileiras foi outro fator a contribuir para ?a instalação da crise monstruosa pela qual estamos passando?. ?A cópia do modelo da ?Nova Roma? (EUA) impõe despesas muito altas. O Brasil deveria ter seu próprio modelo?.
?Poderíamos pensar em redações menores, com um contingente de profissionais pequeno. Na CartaCapital, nós temos hoje somente 12 profissionais trabalhando. Os grandes jornais da Europa são feitos com metade de uma sucursal de Brasília da Folha de S. Paulo, por exemplo. E têm qualidade muito superior aos daqui?.
Apesar do período de turbulência pelo qual tem passado a imprensa, Carta se diz contrário às mudanças no artigo 222 da Constituição, já aprovadas na Câmara dos Deputados, que permitem a entrada de capital estrangeiro nas empresas jornalísticas brasileiras. As alterações deverão ser votadas no Senado até março de 2002.
?Se somos hoje dependentes, seremos ainda mais?, analisou. ?Mas, certamente, as tais mudanças serão aprovadas. Elas são interessantes a Globo, que está devendo R$ 2,5 bilhões, pelo que ouvi dizer. O Roberto Marinho adoraria ser comprado pelo capital estrangeiro, para se desfazer do problema?, concluiu.
Segundo Mino, a mídia tem atuado como meio de propaganda da ?Nova Roma? (EUA) e mostra incomum ojeriza à pobreza. ?É uma constatação inescapável?, disse Mino. Como exemplo, mencionou a matéria publicada recentemente pela revista ?Veja?, a qual dirigiu de 1968 a 1976. ?Ela dizia que o norte-americano é o povo mais culto e inteligente do mundo. Fiquei impressionado com a qualidade dessa informação?, ironizou.
A pauta das revistas semanais também foi alvo do jornalista. ?Elas têm se preocupado com assuntos triviais. Li também na ?Veja?, um tempo atrás, que metade dos brasileiros era impotente e os outros 50%, insuficientes. Isso foi uma informação de capa. Fiquei pasmo.?
De acordo com Mino, o jornalismo escaparia da mediocridade na qual se encontra, caso ?nivelasse por cima o leitor? e seguisse três princípios: fidelidade canina à verdade factual, exercício desabrido do espírito crítico, e fiscalização do poder.
?Não acredito no jornalismo como ciência. Mas os jornalistas podem deixar um registro que mude a história, a maneira como ela é contada. Hoje, estes profissionais têm horror aos pobres e contam a história, escorados na ótica dos vencedores.?
Apesar da visão crítica do período atual da imprensa brasileira, o criador de ?Veja? e ?IstoÉ? se considera um otimista. ?Sou pessimista na inteligência, mas otimista na ação?, diz citando o pensador italiano Antonio Gramsci. ?Se não o fosse, não teria transformado a CartaCapital numa publicação semanal, nem lançado um romance?, conclui."