NOTAS DE UM LEITOR
Luiz Weis
Teriam ficado bem servidos os leitores se a imprensa tivesse praticado o que Planalto denominou impropriamente "noticiário especulativo" não só no caso das obras da reforma ministerial, mas também na cobertura do comportamento do governo em relação ao fichamento dos desembarcados americanos, determinado por um juiz federal do Mato Grosso.
Na questão da reforma, a imprensa não "especulou". Vem procurando apurar o vaivém desse jogo sempre pesado, ouvindo quem de direito (e de poder), checando o que lhe foi dito e registrando que o dito de hoje é o desdito de amanhã, porque as pressões e contrapressões em cada caso, além das hesitações e dos silêncios de Lula, tornam a verdade inconstante como a pluma ao vento.
Pode-se mesmo imaginar que, se muitos leitores já se encheram do assunto, isso se deve ao zelo jornalístico de levar até eles cada pulsação e cada alteração de ritmo cardíaco das mudanças em gestação na equipe de Lula.
Entre outros, repórteres como Kennedy Alencar e Raimundo Costa (Folha), Vera Rosa (Estado) e Cátia Seabra (Globo), sem falar no que Fernando Henrique certa vez chamou de "matriarcado" do colunismo político de Brasília, têm feito por merecer o que se lhes paga no fim do mês. Se existe algo de que não se pode acusar a mídia é de não dar duro para colocar para fora a inside story da reforma.
E é precisamente isso que está faltando na questão do fichamento dos americanos. Aí tem imperado o jornalismo declaratório. O noticiário vem se limitando a reproduzir o que dizem o porta-voz do Itamaraty, as notas oficiais da Casa, o chanceler Celso Amorim e ainda o ministro José Dirceu. E a transcrever ou citar o que andou saindo a respeito no New York Times (mais sobre isso, adiante).
Por exemplo, não se garimpou ? ou se garimpou, mas não se foi fundo o bastante para achar ouro ? o que realmente se disseram por telefone Amorim e o seu homólogo americano Colin Powell. Além da óbvia importância desse tipo de informação, as respectivas versões oficiais não batem direito.
Tampouco se ficou sabendo quem, nos centros de decisão do Itamaraty e da Presidência, teria sido contra ou a favor de recorrer da liminar do juiz Julier Sebastião da Silva, seja para preservar o espaço que cabe ao Executivo em matéria de política externa, seja para pôr fim ao fichamento.
Não se ficou sabendo ainda que importância se deu, no exame de cada alternativa e nas diferentes instâncias de decisão, à zanga das autoridades americanas e ao aplauso do que parece ser a maioria dos brasileiros (medida pelas cartas de leitores, por enquetes na internet e entrevistas de rádio) diante do exercício do "direito de reciprocidade" invocado pelo juiz, pelo chanceler e pelo ministro da Casa Civil. Não se ficou sabendo nem como foi que Lula reagiu ao ser informado da decisão de Julier.
Fez-se o burocrático: entrevistar americanos de dedos sujos depois saírem de Cumbica, do Galeão ou da Praça Mauá, brasileiros de dedos limpos em Kennedy ou Miami International, agentes de turismo e funcionários da Embratur.
Perdeu-se, até o momento em que se escrevem estas notas, a oportunidade
jornalística que deveria ser imperdível de remexer
as entranhas de Brasília para descobrir como o governo Lula
lidou com uma questão que não estava no seu programa
de a&cceccedil;ão afirmativa nas relações com
a América de Bush e que ameaça se somar ao contencioso
Brasil-Estados Unidos sobre o comércio em geral e a Alça,
em particular. A única exceção, aparentemente,
foi a nota de 6 parágrafos na Folha de terça,
13, "Ministério quer pressionar EUA", sobre as
diferenças de posição entre o Itamaraty (a
favor da portaria que manteve o fichamento pelo menos por 30 dias)
e o Ministério da Justiça e a Advocacia Geral da União
(favoráveis à apresentação de recurso
contra a decisão do juiz Julier).
No mais, faltou tirar as digitais do governo.