Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As estrelas e o jornal de amanhã

A VOZ DOS OUVIDORES


THE WASHINGTON POST

Michael Getler, ombudsman do Washington Post, tocou numa questão sensível para os repórteres de seu jornal ? e de todo o mundo ? na coluna de domingo, 22 de abril: a intensa atividade freelance do quadro fixo de jornalistas de uma publicação.

Sem nariz de cera, ele começa logo dizendo que o Post tem muitos jornalistas talentosos, e que alguns de seus artigos têm aparecido, nas últimas semanas, em outros veículos. Os exemplos que Getler cita:

** Katherine Boo, jornalista contratada do jornal que levou o Pulitzer de 2000 com reportagem sobre deficientes negligenciados, acaba de publicar extensa matéria sobre a vida de moradores do bairro conhecido como Shrimp Boat (barco do camarão), em Washington DC. Só que na revista New Yorker, do New York Times.

** Michael Grunwald, repórter do Post premiado por uma série investigativa sobre o Corpo de Engenheiros do Exército americano, e que depois cobriu a campanha ao Senado de Hillary Clinton, assina matéria de capa da New Republic sobre a senadora por Nova York.

** Hanna Rosin, outra redatora do jornal, escreveu longo perfil sobre o reservado juiz da Suprema Corte Antonin Scalia. As técnicas de apuração usadas na matéria foram descritas na quarta-feira passada na coluna do Post "Reliable Source" (fonte fidedigna), chamando atenção para o artigo. Só que ele saiu na revista GQ.

Getler diz que os trabalhos tiveram autorização da direção do Washington Post, em circunstâncias diversas. Mas nota que todos integram uma mais ampla gama de aparições externas da equipe do jornal, além dos tradicionais artigos e livros, "mais e mais em direção à TV a cabo e à internet". Ele considera normal que o Post seja generoso na concessão de licença a seus jornalistas para que vez ou outra escrevam livros, já que se aprofundam muito nos assuntos que cobrem. "Mas agora há um amplo e confuso campo de ação para o corpo de repórteres do jornal, um campo de ação remunerado, que fica obscuro para o leitor."

O Post, diz ele, tem acordo com o canal pago MSNBC e investiu pesadamente em seu website. Parece ser um prêmio para a equipe aparecer mais em outras formas de mídia. Mas toma tempo dos profissionais, "tempo que deveria ser do jornal e de seus leitores".

A conclusão de Getler é que "a redação multimídia está ficando complicada". Alguns trabalhos extras são pagos, outros não, gerando uma certa tensão na redação do jornal. Por que uns são pagos e outros não? Quem deve ser pago? Quem ganha folga e permissão para expressar suas opiniões, não autorizadas nas páginas do jornal, em outro lugar? O trabalho freelance tem suas regras: exige-se autorização prévia do jornal e ninguém escreve para fora sobre temas que podem sair no jornal. Mas isso está confuso, segundo Getler.

O que alguns repórteres do jornal estão sentindo é a intensificação de um esquema de "estrelas", no qual a exposição no mundo multimídia é vista como crescentemente importante. "Sempre houve estrelas nas redações", concede. "Mas, para mim, o perigo hoje é que toda esta performance externa de alguma forma diminua a compreensão de que o mais importante é o jornal de amanhã."

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