TELEJORNALISMO EM CLOSE
Paulo José Cunha (*)
A decisão da Associação da Parada do Orgulho Gay de São Paulo de negar credenciais ao programa Casseta & Planeta e à Rede TV! ? ambos considerados homofóbicos pela entidade ? tem um significado que ultrapassa o argumento simplório da intolerância. Obriga, quando nada, a uma reflexão mais profunda sobre como a imagem de gays e lésbicas vem sendo construída ao longo da história através das representações televisivas, e de que forma essa imagem se consolidou no imaginário popular também na autodepreciação dos próprios gays .
Uma revisão, por superficial e rápida que seja, vai concluir por uma profunda divergência de enfoques entre os departamentos de dramaturgia, humorismo, jornalismo e entretenimento das emissoras, cada um deles enfrentando o tema de forma diferente, conforme suas necessidades e interesses. De maneira geral, os departamentos de telejornalismo dispensam tratamento correto aos homossexuais, embora, aqui e ali, ainda se perceba o ranço do preconceito e da intolerância. Raramente, por exemplo, os editores selecionam para exibição depoimentos de homossexuais nas enquetes de rua, embora não exista nenhuma proibição explícita neste sentido.
Na dramaturgia, os enfoques variam, ora exibindo o homossexualismo de maneira caricata, ora combatendo o preconceito. Neste momento, por exemplo, a Rede Globo exibe uma novela com um personagem gay tratado pejorativamente e noutra novela o autor combate abertamente o preconceito exibindo o drama de um casal de colegiais lésbicas hostilizadas pela mãe de uma delas.
Nos programas humorísticos chega a ser irritante a repetição de surrados e deploráveis clichês explorando as características engraçadas dos homossexuais masculinos. Não me lembro de nenhuma personagem lésbica em programas de humor. Parece que lésbicas não são engraçadas.
Por último, na área do entretenimento, o mundo gay tem sido alvo da mais devastadora campanha de desmoralização. De maneira geral, os gays são expostos como perversões risíveis, deformações exploradas como atrações circenses, espécimes destinadas à chacota e ao sarcasmo (este trecho deve ser ilustrado com imagens da "Lacraia" que canta a Egüinha Pocotó).
Protestar é justo
Se acrescentarmos a este quadro a tendência natural dos gays ao exibicionismo que resvala muitas vezes para a auto-ridicularização, vamos concluir que nem os gays nem os cassetas nem o pessoal da Rede TV! têm razão na história da negativa das credenciais. Os primeiros porque argumentam que a Parada Gay de São Paulo é ato político, por isso negam credencial a programas não-jornalísticos. Uma sonora bobagem. Curioso é que, embora se apresentem das formas mais bizarras e engraçadas (sobretudo as drag-queens super-montadas), inexplicavelmente os gays exigem seriedade (ou seria sisudez?) no tratamento a lhes ser dispensado. Aí fica difícil. Os cassetas também não têm razão de reclamar, pois sistematicamente exploram de forma rasteira o preconceito contra os homossexuais para ganhar uns pontinhos a mais no ibope. Da mesma forma, a Rede TV! também não tem como contra-argumentar, pois quer o direito de cobrir um evento gay enquanto os ataca cruelmente em suas pegadinhas infames.
O preconceito e a intolerância entranharam-se de tal forma no imaginário popular que é preciso desenferrujar o desconfiômetro para prestar atenção naquele personagem do Jorge Dória, o pai do rapaz gay, que termina o quadro lamentando, o olho fixo na câmera: "Onde foi que eu errei?", como se gênero fosse questão opcional.
Ou seja: todo mundo grita mas ninguém tem razão. De algum tempo a esta parte a Lei Afonso Arinos, acionada a mando dos negros prejudicados, botou algumas pessoas na cadeia e já conseguiu inibir as referências racistas em programas humorísticos ou de entretenimento, respeitadas eventuais exceções. Mas falta uma Lei Afonso Arinos para a questão homossexual, essencial para prevenir o repisamento dos preconceitos e a consolidação da intolerância. Ao mesmo tempo, há que se reconhecer que drag-queens e trejeitos homossexuais são iresistivelmente engraçados. Pois que continuem assim.
Mas que os gays se dêem ao devido respeito para igualmente poderem exigir o respeito dos cassetas e dos autores das pegadinhas. Não conheço nenhum negro que se tenha autodepreciado como têm feito vários gays. Protestar contra o desrespeito com que são tratados pelos programas de entretenimento e humor é mais do que justo. Mas quando as organizações de defesa dos homossexuais fecham os olhos para o vexame das lacraias que depõem contra a categoria, ajudam a derrubar o esforço meritório das lideranças homossexuais contra o preconceito e a intolerância.
(*) Jornalista, pesquisador, professor da professor da Faculdade de Comunicação da UnB. Este artigo é parte do projeto acadêmico "Telejornalismo em Close", coluna semanal de análise de mídia distribuída por e-mail. Pedidos para <pjcunha@unb.br>