TÚNEL DO TEMPO
Deonísio da Silva (*)
Alguém declarou outro dia que Jesus Cristo não agüentaria uma semana de noticiário adverso no Jornal Nacional. Seria transformado no Demônio. Quando, depois de contratar advogados, apresentasse sua defesa, os desmentidos não teriam nem 1% da divulgação que teriam tido as acusações. Sem contar outros dois agravantes: ele teria que provar a sua inocência, porque o ônus da prova não teria cabido aos acusadores; os desmentidos seriam dados em 15 segundos, se tantos.
Os jornais publicariam um “erramos” simplório? Pensam que o cronista está brincando? Há alguns anos, na Semana Santa, aquela correria e falta de matérias, um jornalista escreveu na Folha de S.Paulo que Jesus morrera enforcado. No outro dia, a correção: “Ao contrário do que foi informado ontem, na Ilustrada, Jesus Cristo não morreu enforcado, ele morreu crucificado”.
Vejamos as vulnerabilidades de Jesus, à luz das notícias surgidas envolvendo políticos. Aos exemplos.
Não se conhece o pai de Jesus
Do nosso correspondente em Belém
Informações obtidas por este jornal junto a um ancião aposentado do templo de Jerusalém dão conta de que o pai de Jesus é ignorado. “Eu estava ajudando Zacarias (o outro ancião, colega do inconfidente, que a esse tempo trabalha revezando os turnos) quando o casal chegou com o menino e um casal de pombinhas para oferecer”. “Era um casal?” “As pombinhas?” “Não, os que foram ao templo”. “Ah, sim, eram. Pensei que o senhor estivesse se referindo às aves. Ninguém olhou o sexo delas. Parece que no futuro, no Brasil, a Perdigão e a Sadia vão contratar um japonês que descobre o sexo de qualquer ave, apenas apalpando os traseirinhos, sob as penas”. “Mas o menino levado ao templo era parecido com quem?” “Nem com o pai, nem com a mãe”. “Com quem, então?” “O escritor brasileiro Sílvio Fiorani escreverá num romance intitulado Evangelho de Judas que o menino era filho de um soldado romano chamado Pantera”.
Outro exemplo: a fuga para o Egito.
Jesus em cativeiro na Marginal do Nilo
Do nosso correspondente no Egito
A Sagrada Família, que todos pensavam ter fugido do rei Herodes, foi na verdade seqüestrada e há indícios de que o pai, a mãe e o menino estejam em cativeiro construído numa das marginais do Nilo, para onde teria sido levada por um bando chefiado por Barrabás, movido pelo interesse em pedir resgate a Herodes. As negociações fracassaram porque o monarca mandou matar o menino. Agora o bando de Barrabás não sabe o que fazer com a criança.
Empresa de José estava irregular
Do nosso correspondente na Galiléia
Segundo apurou a nossa reportagem, a microempresa de José, Casa & Enxó, Plaina Ltda. não recolheu os impostos no último ano, devido às dificuldades com a baixa demanda. Ninguém mais está casando, não se encomendam camas, mesas, nem cadeiras. A empresa está no nome da esposa, porque o CPF de José estava no Serasa. E com isso ele não podia obter o CNPJ. Há também suspeitas de ter vendido móveis para o próprio Sinédrio, sem licitação. Por absurdo que pareça, Caifás pediu uma CSI (Comissão Sinedriana de Inquérito), mas Anás vetou, sob o argumento de que investigariam a si mesmos. A fuga para o Egito, sob a desculpa de perseguição ao filho, pode ter sido pretexto para driblar o fisco, estabelecer-se no estrangeiro e exportar os móveis para a Judéia e a Samaria, onde as demandas por móveis caseiros e artesanais continuam altas.
Quanto à suposta e incompreensível virgindade de Maria, há rumores de que José, muito angustiado com as dívidas, não dormia direito os últimos anos, tinha pesadelos e certa manhã disse que um anjo lhe revelara em sonhos que ele não seria o pai da criança. O ginecologista da esposa, alegando código de ética e medo de punição no Conselho Galileu de Medicina, não quis se manifestar. Também o jumento utilizado na travessia do deserto morreu no caminho. A Sociedade Protetora dos Muares já abriu inquérito. A pena é de carregar o presidente da SPM do serviço para casa, nas costas, durante dois anos.
Mais ou menos assim, sabem? Ou, de acordo com famoso livro de Luigi Pirandelo, Assim é, lhe parece.
(*) Escritor e professor da UFSCar; seu romance mais recente é Os Guerreiros do Campo