USP & PÓS-GRADUAÇÃO
Victor Gentilli
A crise da USP, a maior universidade brasileira, é exemplar. Os jornais cobriram, com toda a precariedade, a longa greve dos estudantes da Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas e Letras, por mais professores e outras reivindicações. E alguns jornais, com destaque para Valor Econômico, noticiaram a decisão da Universidade de suspender termporariamente a oferta de cursos de pós-graduação latu sensu. A USP oferecia centenas destes cursos, todos pagos, alguns com títulos de MBA, numa tentativa de emular os Master of Businesss Administration oferecidos por universidades norte-americanas. Observe-se que a melhor cobertura de Valor deve-se mais ao fato de que o assunto interessa diretamente ao leitorado desse jornal, executivos de grandes corporações, do que à notícia intrínseca do fato.
A pós-graduação brasileira sempre teve duas faces claramente distintas. Por um lado, a pós-graduação, em bom português, no sentido estrito, caracterizada pelos cursos regulares de Mestrado e Doutorado, controlados e monitorados rigidamente pela Capes. Por outro, a pós-graduação no sentido amplo, caracterizados pelas especializações. Os primeiros marcadamente acadêmicos e os segundos, mais profissionais.
Os cursos de especialização, por uma das ironias de nossa estrutura de ensino estatal, nunca foram gratuitos. Oferecidos por instituições públicas, como a USP ou as universidades federais, ou pelas instituições privadas, estes cursos eram pagos ? e caros. De um modo geral, eram geridos por fundações de direito privado que funcionavam dentro das universidades, operando seus recursos financeiros.
Afetado, pernóstico e pedante
O título oferecido pela pós-graduação quase sempre torna seu portador uma pessoa diferenciada.
Nos EUA, são os PhD ? doutores em filosofia, na tradução literal do inglês, os títulos mais altos na hierarquia do saber acadêmico.
Na academia brasileira temos os professores-doutores, título suficientemente honroso para quem o detém, que nem se dá conta do quanto é afetado, pernóstico e pedante para quem ouve a forma de tratamento. A valorização exclusivamente pelo título e não pelo conhecimento é um dos vícios acadêmicos mais arraigados. Os brasileiros nem conheciam direito este titulo até o episódio, em 1985, da doença, das seguidas operações e da morte de Tancredo Neves, o presidente que chegou a ser eleito, mas não conseguiu tomar posse. A imprensa e o público incomodaram-se com o doutor Pinotti, que insistia em ser chamado de professor-doutor. De lá para cá, a moda vingou.
Mas nossos executivos, logo chamados de CEOs, não fazem pós-graduação; fazem MBA. E a USP oferecia MBAs à fartura. Eram cursos de especialização. Todos pagos.
A graduação e a pós-graduação tradicionais continuavam públicas e gratuitas.
Exemplar a forma como os jornais trataram a decisão da USP de suspender os cursos de especialização pagos. Nenhum jornal mostrou que o problema é, rigorosamente, o mesmo nas universidades federais, que continuam oferecendo seus cursos.
Quando o Valor é o único jornal que trata o assunto com algum destaque ? mesmo assim, mínimo ? é para lamentar que seus leitores ficaram sem uma alternativa de pós-graduação.
Hoje temos como possibilidades os mestrados profissionais e uma vasta alternativa de cursos de pós-graduação. A sociedade está completamente afastada desse debate simplesmente porque os jornais não fazem o menor esforço em esclarecer os fatos e informar com isenção e um mínimo de contextualização.