COMUNICAÇÃO CORPORATIVA
Bárbara Hartz (*)
Assessor de imprensa, enquanto exerce a função, não é jornalista. Claro como água… para os portugueses, mas não para nós. O tema, pertinente neste momento político do país, foi debatido no programa Observatório da Imprensa na TV (24/6/03), com a presença do jornalista português Carlos Fino, que se notabilizou por ser o primeiro do mundo a anunciar o início da Guerra do Iraque. Fino contou que, além da separação de funções, o jornalista que assume o cargo de assessor tem de se licenciar de seu sindicato para não haver dúvidas sobre suas novas atribuições.
A contribuição do país irmão é muito bem-vinda para desfazer a confusão que paira sobre a atividade de assessoria de imprensa no Brasil ? e que prejudica a imagem dos profissionais e, em muitos casos, a atividade. Recentemente, o jornalista Ricardo Noblat, em artigo publicado pela revista Comunicação Empresarial, da Aberje, e pelo portal Comunique-se, acertou em cheio ao dizer que assessor de imprensa não é jornalista porque não possui a autonomia necessária para praticar o jornalismo. Assim entende ainda um julgado do TST ["Assessor de imprensa não exerce atividades típicas de jornalismo…" (Acórdão n? 261412 de 15/05/1998, 3? Turma; relator: Ministro Antônio Fábio Ribeiro)] que já vem orientando a atuação de advogados trabalhistas.
Jornalismo que se preze, pelo que se sabe, é investigativo e produz notícias para o público consumidor dos veículos comerciais. Já o assessor de imprensa produz pautas, na forma de press releases ou não, decorrentes de uma atividade muito mais complexa e que não cabe detalhar aqui. Mas pode ser simplificada como um trabalho que consiste em ajudar o cliente a discernir o que é notícia ou não e a se relacionar com a imprensa.
Para desempenhar essas funções, o assessor de imprensa precisa de uma qualificação multidisciplinar, que pressupõe um bom conhecimento de como a imprensa atua, e habilidades de um relações públicas, entre várias outras que podem incluir até as de um psicólogo para conseguir extrair as informações no ambiente do seu cliente.
É desejável que um assessor de imprensa seja um jornalista e tenha passado por grande redações, mas não imprescindível. Há bons assessores de imprensa que não são jornalistas. Porém, uma estimativa sem o apoio de estatísticas nos leva a crer que uma grande porcentagem deles veio das redações. Com as atuais reduções de vagas nas empresas jornalísticas, esse contingente só tende a aumentar.
Certamente daí vem boa parte da confusão. A tradição cultural advinda da formação e alimentada pela continuidade da convivência no meio traduz-se, em alguns casos, em um orgulho de pertencer à categoria. Em outros, a origem pode servir como barganha para valorizar-se junto ao cliente. E, talvez em alguns, as duas hipóteses estejam misturadas.
Problemas éticos
Fora o subjetivismo, os sindicatos de jornalistas aumentam a confusão ao querer manter entre seus associados os dois tipos de profissionais. A situação é tão absurda que há pelo menos um caso em que um assessor de imprensa associado processou o proprietário de uma agência de comunicação corporativa por questões trabalhistas, também filiado à entidade.
O mais grave, porém, são as questões éticas decorrentes da possibilidade de transitar livremente de uma função a outra. São vários os jornalistas empregados em redações que prestam serviço para um cliente aqui e outro acolá, como forma de aumentar seus rendimentos. O mesmo ocorre com free lancers. Dentro desse ambiente promíscuo, é difícil controlar se as informações de clientes ficam ou não sob um regime de sigilo profissional e em que medida a condição privilegiada de acesso a redações influencia as pautas dos veículos com notícias que deveriam ser mais bem apuradas.
A separação feita pelos portugueses entre as funções de assessor e de jornalista poderia ser uma medida saneadora do nosso mercado. Como a assessoria de imprensa funciona cada vez menos isolada e tende a integrar-se a outras atividades da comunicação corporativa, eu acrescentaria que todo jornalista dedicado a esse mercado deveria licenciar-se do sindicato. Isto evitaria até mesmo que editoras usassem a mesma mão-de-obra para produzir publicações comerciais e corporativas, evitando a concorrência desleal com as agências do setor e problemas éticos como o de prestar serviços para o próprio anunciante. Sem falar do acúmulo de trabalho que isso provoca para os funcionários dessas editoras.
Apoiados pelos sindicatos de Relações Públicas, os assessores e as agências de comunicação corporativa associados a companhias americanas vão contrapor que basta assumir a identidade dessa categoria para que o problema esteja resolvido. A polêmica está aberta, tem demonstrado que a tradição brasileira na prestação de serviços de assessoria de imprensa está longe da realidade dos Estados Unidos e carrega em si fortes traços do jornalismo, o que nos dá muitas vantagens. Desde que eliminadas as distorções.
(*) Jornalista e diretora da Hartz <www.hartz.com.br>