ELEIÇÕES NA TV
Antônio Brasil (*)
Muita gente acredita que o próximo presidente da República vai ser eleito pela televisão. Dependendo da sua performance diante das câmeras, alguns candidatos serão contemplados pelos votos, principalmente, de uma grande maioria de indecisos ou pessoas sem formação ideológica definida. Muitos eleitores vão decidir que será o nosso líder supremo, capaz de quase tudo, com fartos poderes constitucionais e outros não tão claros pela simples capacidade de falar bem, sensibilizar o público ou apenas contar uma boa história.
As propostas dos candidatos a presidente se assemelham. Todos querem salvar o Brasil. Os métodos variam sutilmente, mas os objetivos são muito parecidos. Ninguém propõe soluções drásticas, revoluções ou quebra do regime. O jogo democrático, graças a Deus, tem regras definidas e muitas limitações. E a televisão funciona como uma vitrina. Os produtos se assemelham mas, como propaganda de sabão em pó, todos dizem que "lavam mais branco". O futuro dirá quem se sujou nesta tentativa de "limpar" o país, ou quem deixou tudo do mesmo jeito porque a "sujeira" é muito resistente. Fica para o próximo governo.
Se se acreditar que a televisão vai decidir nosso futuro, convém ficar de olho na cobertura jornalística, no telejornalismo. É ali que mora o perigo. O horário gratuito, a propaganda eleitoral, as técnicas de marketing eleitoreiro, tudo se assemelha muito. Os marqueteiros dos candidatos freqüentaram as mesmas escolas e agências de propaganda. São todos competentes e se utilizam das mesmas técnicas. Uns são mais talentosos do que outros, uns têm mais recursos do que outros, mas no final das contas tudo se parece muito.
O problema é que no Brasil, ao contrário de outros países, só temos um telejornal de verdade. Ou o candidato aparece bem no Jornal Nacional ou não aparece. É claro que existem outros telejornais no horário nobre, mas quem realmente assiste a esses programas sequer os leva a sério. As receitas publicitárias, os índices de audiência e a falta de prestígio falam por si. É claro que ainda existem bons jornalistas como o Boris Casoy lutando para falar e ser ouvido no seu pequeno telejornal.
No Brasil só temos um telejornal e, o que é pior, a televisão é praticamente o único meio de informação para a maioria dos brasileiros. Poucos lêem jornal ou consultam a internet. Ninguém discutiria que as próximas eleições serão decididas na televisão. As pesquisas eleitorais já refletem a performance dos candidatos na TV. É só começar a aparecer que o candidato explode nas pesquisas. O fenômeno Roseana Sarney, agora substituído pelo fenômeno televisivo Ciro Gomes, reflete o poder da TV. O Brasil se vê na TV e vota com ela.
Se concordamos que existe uma "boa possibilidade" do próximo presidente ser eleito pela TV, e, principalmente, pelo telejornalismo; e como temos "apenas" um telejornal, logo, podemos concluir que a eleição pode ser decidida pela cobertura jornalística do Jornal Nacional. Todo o cuidado é pouco. Será preciso ficar de olhos bem abertos. O passado, infelizmente, nos ensina sempre a perdoar, a dar uma nova chance, mas não permite esquecer, jamais. Nada contra os extensos e entusiasmados elogios da imprensa pelas entrevistas com os candidatos no território sagrado da bancada de apresentadores do JN. Terá sido um bom serviço ao público e dado uma oportunidade preciosa para os candidatos serem ouvidos pelos eleitores. A audiência do JN é muito maior do que qualquer horário gratuito.
Todos foram tratados com o maior cuidado. Os jornalistas da Globo estavam pisando em ovos. Não querem ser novamente acusados de manipulações ou preferências e provavelmente aprenderam muitas lições com os erros do passado. O problema é que há muito chão pela frente. A campanha só está começando e muita coisa ainda pode mudar, inclusive as boas intenções. E para isso o telejornalismo oferece muitas opções, algumas muito mais sofisticadas do que simples entrevistas de estúdio. Será bom começar a pensar em monitorar os telejornais da TV brasileira, principalmente, o Jornal Nacional, é lider solitário, disparado e imbatível de audiência ? logo, mais poderoso e perigoso.
Ar de seriedade
Como se monitora um telejornal? Nos Estados Unidos um jornalista solitário e muito determinado ? Robert Tyndal ? vem há anos divulgando o seu Tyndal Report com relatórios semanais sobre os telejornais americanos <http://www.tyndallreport.com/tw0227.php3>. Seu trabalho se tornou uma referência respeitada por todas as partes envolvidas, jornalistas, produtores e executivos, pela sua precisão, isenção e independência.
Funciona da seguinte forma: a equipe do Tyndal Report grava todos os telejornais americanos e divulga, por meio de gráficos muito simples, um acompanhamento detalhado de quantos minutos foram dedicados ao principais assuntos pelos telejornais das redes americanas de TV. É tudo muito claro e objetivo, fácil de ser acompanhado por qualquer pessoa interessada. Não precisa ser um estatístico, marqueteiro ou sequer jornalista para entender quantos minutos cada rede dedicou a cada história. É tudo uma questão numérica que reflete as pautas daquela semana. Depois vem a análise qualitativa da cobertura daquela semana, com comentários sobre os principais assuntos, e como eles foram tratados pelos telejornais americanos. Essa parte é mais sutil, mas é produzida com muito cuidado. As análises procuram manter sempre uma linguagem objetiva e o distanciamento devido para evitar qualquer coisa que se assemelhe com opinião tendenciosa.
Tyndal Report é muito cuidadoso com a linguagem e com a forma de apresentar essas análises qualitativas. Tudo bem no estilo do jornalismo americano. Existe um rigor quase científico na hora de fazer e monitorar o próprio jornalismo. Na imprensa brasileira é bem diferente: não gostamos muito de números e estatísticas, a não ser quando se fala de campanha eleitoral ou resultados de futebol ? mesmo assim com pouquíssima análise sobre as fontes das pesquisas e os índices obtidos. Em geral, o público brasileiro não entende, mas acredita em quase tudo que se pareça "científico". Os americanos, ao contrário, adoram matérias os números. Nos últimos dias, parecem gostar ainda mais de manipular os números das contas das grandes empresas e com isso ganhar ainda mais dinheiro daqueles que não gostam de números. Mas isso é uma outra história. Afinal, os americanos usam pesquisas e estatísticas para tudo. No jornalismo, dá um certo de ar de seriedade às matérias e aparência de rigor na apuração dos fatos. Questão de estilo.
O monitoramento da imprensa é fundamental para o futuro do jornalismo e da democracia. Principalmente o monitoramento dos telejornais em momentos críticos para o país, como agora, quando vai se decidir quem será o presidente. Já se errou muito no Brasil por se deixar levar pelas técnicas televisivas que convencem todos de tudo. Convencem a torcer pelo futebol, a economizar energia de forma heróica (campanha nacional inédita no mundo), mas também capazes de eleger, e depois derrubar, mais uma grande invenção de marketing de televisão "collorida".
Televisão no Brasil é poderosa e o telejornalismo brasileiro é ainda mais poderoso, principalmente durante as eleições. Entrevistar candidatos durante os telejornais é uma ótima idéia. Mas, como dizia o meu velho pai, seguro morreu de velho. O jornalismo de televisão possui técnicas e poderes muito sofisticados que transcendem o conhecimento e a vista da maioria dos leigos. É hora de abrir os olhos e ficar atento. Assim como devemos monitorar as pesquisas, as eleições, as máquinas de votar e os resultados, valerá a pena estar atento aos conteúdos e às coberturas jornalísticas de um telejornal em campanha eleitoral. Os interesses em jogo são grandes e tentadores.
(*) Jornalista, coordenador do laboratório de TV, professor de telejornalismo da UERJ e doutorando em Ciência da Informação pelo convênio IBICT/UFRJ