LEO JAIME E GISELE
Isabel Rebelo Roque (*)
A leitura do artigo de Leo Jaime, "Fazendo casaco com a pele de Gisele", publicado na edição de 29 de novembro do site No Mínimo <http://nominimo.ibest.com.br> trouxe ao menos uma certeza: ao falar de ecologia, ele é um ótimo compositor. Não tanto pelas impropriedades que comete: dizer que bactéria também é animal (afinal, a cadela do Magri também não era um ser humano?); colocar em pé de igualdade populações totalmente díspares como os chamados animais de corte (vacas, porcos e galinhas), animais silvestres tirados de seu hábitat ou criados em cativeiro (os "fofinhos" que são esfolados para se fabricar casacos) e animais como insetos e ácaros. Ele não tem obrigação de saber que comparar as populações desses animais em termos de número e distribuição na Terra é da mais absoluta covardia.
O que salta aos olhos é a frivolidade e o tom preconceituoso de sua abordagem. Se Leo tivesse se dado ao trabalho de fazer uma visitinha ao site da PETA saberia que a entidade não defende apenas e tão somente os interesses dos animais "fofinhos". Ela promove ações que envolvem os diversos campos em que o ser humano "deita e rola" à custa da bicharada: entretenimento, ornamento, consumo como alimento e também utilização como cobaia em escolas e laboratórios. E nem sempre os animais em questão podem ser classificados como "fofinhos". Quem ousaria chamar de "fofinho" um tremendo porco reprodutor ou um voraz peixe beta ? que, no entanto, não estão a salvo da capacidade humana de ser cruel?
Certamente esse tipo de preocupação resulta do fato de as "senhoras" ativistas serem "gordas e mal-amadas", como disse Leo Jaime, não assumindo a declaração e a atribuindo a supostas mulheres, que se imaginam mais amadas por ostentar um casaco de peles ? numa evidente confusão entre amor e fetiche.
Mas, se a PETA tem uma atuação tão mais abrangente e séria, por que, então, como questiona Leo Jaime, escolheu como alvo Gisele Bündchen, "o animal mais belo do mundo" (título que já foi de Ava Gardner e que a Veja tratou de passar para a modelo brasileira)? Exatamente porque a ação de protesto da PETA teria a mesma visibilidade mundial que tem, para a indústria das peles, uma garota-propaganda do quilate de Gisele. Chamar modelos (desta ou de qualquer campanha publicitária), como fez Leo Jaime, de "parte mais frágil do negócio", das duas uma: ou é ingenuidade ou é gaiatice da grossa. Sem querer exumar o que já foi morto e enterrado, ele acha que qualquer um que fosse à tevê, durante a campanha eleitoral, e confessasse "medo" diante da vitória de Lula teria a mesma repercussão que teve Regina Duarte?
Hitleriano e priápico
Leo, por acaso, tem acompanhado as notícias sobre o "reaquecimento" pós-Bündchen que o mercado de peles vem sofrendo? A questão é: será que precisávamos mesmo incrementar esse mercado do mais absoluto e acintoso supérfluo ? e que apenas serve para atender a um punhado de mulheres que, não tendo nada por dentro, precisa se fantasiar por fora? Essa é, aliás, a maior prova de que a PETA escolheu bem o seu alvo: a repercussão do incidente ? para o bem e (o artigo de Leo Jaime o prova) para o mal.
Mas Leo Jaime, que não se considera conhecedor de antropologia, também lança mão desse campo do conhecimento, argumentando que nossos antepassados já usavam peles. E passa a filosofar sobre o conceito de necessidade. Certamente, Leo também usaria o mesmo argumento para legitimar a liberação da caça, afinal, desde os primórdios o ser humano já a praticava… Mais uma vez argumentos capengas para justificar o injustificável: uma prática que, se em outro contexto no tempo e no espaço é luta por subsistência, em sua modalidade "esportiva" não passa de, como disse um amigo biólogo, "interação entre dois animais, mediada por uma arma de fogo: de um lado, um animal ?racional? ? quase sempre um macho, bem-alimentado, mas em geral com distúrbios ou disfunções sexuais ?, que aponta e dispara contra um animal ?irracional? ? muitas vezes, uma fêmea grávida, esfomeada ou ferida. O sadismo e o grau de assimetria envolvidos nesse tipo de coisa não são difíceis de flagrar" [Felipe A. P. L. Costa, "Bangue-bangue gaúcho", <www.lainsignia.org>, edição de 23 de novembro].
Após avaliar fora do contexto, apresentando informações truncadas e eivadas de preconceito, e concluindo que ativismo ecológico apenas envolve a defesa de animais considerados belos, o colunista ainda faz a proeza de atirar Hitler no mesmo balaio. Tudo isso para encerrar com um parágrafo em que ele próprio cai de boca naquilo que pretensamente questiona: como se os atributos físicos de Gisele Bündchen a pudessem colocar acima do bem e do mal.
Mais hitleriano ? e priápico ? impossível.
* Editora de livros didáticos e mulher