Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Atrevidos, ousados e polêmicos

TABLÓIDES

Sebastião Jorge (*)

Esses pestinhas de formato pequeno, salientes, ousados e geralmente sensacionalistas, conhecidos como tablóides, são os irmãos caçulas e desajustados dos jornais-padrão ou standard (maiores). São ainda os filhos que se desviaram do bom caminho, ao renegar a tradição da grande e comportada família da mídia.

Estranho paradoxo, alguns até se tornaram melhores que os parentes de fino trato, enquanto outros, desta mesma linhagem, não resistem e caem na vala comum da "tabloidização". Há quem coloque os tablóides na categoria da cultura trash (lixo). Uns mereceram esta comparação de Paul Johnson: não passam de um esgoto a céu aberto ("Todas as mentiras que se podem publicar com segurança", The Spectator, reproduzido no Estado de S. Paulo, 7/2/99).

Como identificá-los? Primeiramente pelo tamanho, depois pelo conteúdo. Eles têm uma história incomum. Nasceram nos Estados Unidos, na década de 20 do século passado, para uns, e, para outros, no pós-Segunda Guerra Mundial. A idéia era só uma, criar-se uma imprensa de massa. O que foi conseguido. Batem recorde de venda.

O espaço gráfico, na afirmação de Carlos Alberto Rabaça e Gustavo Barbosa, autores do Dicionário de Comunicação, que contou com a colaboração de Muniz Sodré, tem 28 cm de largura por 38 cm de altura. Para conhecê-los de modo simples seria bastante pegar um Jornal do Brasil ou Folha de S. Paulo e dobrá-los ao meio, pois estes diários são conhecidos pelo formato padrão ou standard. A metade de cada um corresponde ao tablóide.

Hoje, complica a definição do tamanho gráfico a mudança operada nesse particular, há alguns anos, por recomendação da entidade de classe ANJ (Associação Nacional de Jornais), para reduzir o tamanho da mídia impressa. A maioria dos jornais de todo o país perdeu 2,54 cm de largura, ficando mais estreita. Passaram, assim, de oito colunas para seis. Tudo por economia, comodidade ou imitação dos jornalões americanos.

Campeão da escaramuça moral

A iniciativa gerou dúvidas sobre o cálculo exato. Há jornais que, pelo tamanho, são intermediários entre os formatos standard e tablóide. É preciso cuidado com a legislação eleitoral, que estabelece rigor na publicação de matérias consideradas como propaganda de candidatos, pelo espaço ocupado entre um formato e outro. Um texto dessa natureza deve ter dimensões diferentes, para os dois tipos de periódicos. Ora, se a lei não criou uma tabela gráfica para definir o espaço (incluindo-se largura x altura), a conclusão não será fácil. A empresa, por culpa dos legisladores, poderá ter dores de cabeça, se não conseguir convencer com bons argumentos o que seja tablóide e jornal standard.

O que impressiona nesses jornais são as muitas ambigüidades, que começam pela data discutível do aparecimento, prossegue pela natureza discutível do conteúdo e termina com uma última novidade e interrogação: que tamanho têm? Como fogem a certas classificações, passam a ser conhecidos, na explicação de Alberto Dines, deste Observatório da Imprensa, como Berliner ou semitablóide, cuja procedência vem da melhor tradição européia de jornalismo.

Esses jornais não apenas publicam notícias que escandalizam, como dão bons motivos para comentários sobre suas atividades. Têm merecido descomposturas que, de acordo com a opinião de quem as emite, se transformam em consolo para muita gente, principalmente os alvos preferidos. O escritor peruano Mario Vargas Llosa, impressionado com a ousadia dos tablóides ingleses ["Tablóide recua na caça aos gays do governo inglês", O Estado de S. Paulo, 12/11/98], os considerou "sabujos da imprensa", "inquisidores da matilha de jornalistas", "imundícies impressas". Concluiu: "Não leio os chamados tablóides, e a repugnância que me inspiram é grande (…)".

Como são jornais ricos, dispõem de reserva em dinheiro para pagar indenizações vultosas por crime contra a honra. Nunca desistem. Geralmente assestam as baterias contra autoridades, artistas famosos e, em particular, dispensam atenção à realeza, sobre a qual não deixam escapar nem pequenos detalhes: roupas íntimas das mulheres e intimidades entre quatro paredes. Mas, ao lado de um Sunday Mirror, de um Evening Standard, do Daily Mail, do semanário News of the World e do Sun ? este um dos jornais ingleses campeões em escaramuças morais, líder em circulação, com tiragem média de 4 milhões de exemplares ?, há outros tablóides, semi ou Berliner comportados e respeitados, como Le Monde (França) e El País (Espanha).

Brasil sem tradição (ainda)

Os jornais de escândalo criam constrangimentos à imprensa inglesa, que reúne jornais sérios, considerados, pela excelência da qualidade, como dos melhores do planeta: The Times, o mais reverenciado, The Daily Telegraph, The Guardian, The Independent.

No corrente ano, a ex-modelo Heather Mills, mulher do ex-Beatle Paul McCartney, fez acordo com o Sunday Mirror, recebendo 76 mil dólares para encerrar processo por crime de calúnia e difamação (Veja, 28/8/02). O artista inglês David Bowie viu-se forçado a deixar seu país pela dificuldade em conviver, com a família, sob a lente e as maldades da imprensa inglesa. Pesando episódios comprometedores e os recursos usados para obter informações com o talão de cheques, o jornalista José Carlos Santana, correspondente do Estadão, classificou a imprensa popular inglesa como das mais odiosas e obscenas do mundo e fez observação: "Se os fatos podem estragar uma história, reduzir-lhe o impacto, que se ignorem os fatos e se transcreva a história" (O Estado de S. Paulo, 22/3/87).

Os ninhos de cobra não se limitam à Grã-bretanha. Os EUA deram as primeiras aulas do gênero em 1929, e dominam o mercado com dois terríveis exemplares: Daily News e New York Post.

Igual exemplo oferece a França, onde há vampiro para todo tipo de sangue. Eis os títulos que incomodam a realeza decadente e personagens famosos do jetset internacional: Gala, Paris Match, Figaro Madame. Há inclusive uma agência de paparazzi de nome revelador, Boomerang, para conseguir, a qualquer preço, fotos de famosos, vendidas por pequenas fortunas. Uma de suas vítimas Jaqueline Onassis Kennedy, exposta ao mundo quando se banhava nua na ilha de Onassis, na Grécia.

O editorial de O Estado de S. Paulo de 13/2/99 disse uma verdade que parece redundante, mas que precisa ser lembrada: "Sensacionalismo pode aumentar a venda de jornais, mas acaba por tirar-lhes a credibilidade". O filósofo Alain Finkielraut ficou revoltado com a morte em Paris da princesa Diana e o namorado egípcio Dodi al-Fayed, em 1997, provocada por acidente de automóvel. O casal estava sendo perseguido por paparazzi. Citando Michel Foucault (Vigiar e punir), desabafou: "(…) A imprensa é culpada de um estupro permanente da vida privada (…)." E mais: "(…) Um novo poder procura dominar o mundo, o poder de satisfazer nossa curiosidade. Mas este poder está destruindo metodicamente nossa maior conquista, o direito ao respeito da vida privada" (Jornal do Brasil, 3/9/97).

O formato define o tablóide, mas o conteúdo o eleva à verdadeira categoria. O Brasil não tem essa tradição, embora surjam algumas manifestações.

(*) Professor universitário, jornalista, advogado e escritor