Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Audiência e “picaretagem” em alta

DOMINGO ILEGAL

Felipe Lemos (*)

Sabe aquelas empresas ou ramos de atividade nos quais as pessoas depositam pouca ou praticamente nenhuma credibilidade? Movimentam até altas somas de dinheiro, porém eticamente ou moralmente estão destituídas do mínimo respeito ou consideração? Pois é. O fato é que a televisão brasileira dá, cada dia, mais um passo em direção a esta realidade, e ganha perigoso status de “picaretagem”. Na verdade, não é um fato isolado aqui ou ali gerado por alguns programas noticiosos ou de entretenimento, mas um conjunto de trapalhadas, má intenção e ardor por lucratividade decorrente de índices elevados de audiência que estão retirando gradativamente a credibilidade da “telinha”.

O Brasil continua discutindo a tal da farsa do PCC mostrada no programa Domingo Legal, do SBT, mas o problema não fica somente na exibição daquele determinado embuste. É preciso entender que, por trás do que ocorreu naquela ocasião, está algo que, se for realidade permanente, e não circunstancial, significa desrespeito completo com milhões de pessoas influenciadas diretamente por tudo aquilo que “dá na TV”. Alguns teóricos da comunicação frisam o argumento da TV como expositora de um recorte da realidade, mas agora parece que estamos diante de recortes de mentira. Como no tempo dos quebra-cabeças, precisamos juntar as peças para tentar entender as falsidades com carimbo de veracidade ofertadas a todos diariamente.

Dia desses, tanto a Record como a Bandeirantes apresentavam, ao vivo e ao mesmo tempo, uma entrevista exclusiva com o tal do Barney, considerado um dos vilões operacionais da história toda. Dizem as notícias da TV que ele foi um dos produtores da “reportagem-picaretagem” apresentada no programa de Gugu Liberato. Sintetizando, Barney se desesperava alegando ser vítima da situação, enquanto dialogava com seu advogado sobre o futuro, ao mesmo tempo em que os apresentadores das duas emissoras evidenciavam a culpa do SBT no caso e previam as ações da polícia.

Tratado em miniatura

Seja quem for responsabilizado criminalmente pelo fato de duas pessoas se passarem por bandidos armados em plena tarde de domingo num programa assistido inclusive por crianças em formação, a questão vai mais além em relação à televisão. Alguns pontos merecem uma reflexão mais apurada por parte dos telespectadores (responsáveis por apertar ou não o botão do liga/desliga de seus aparelhos receptores):

1. Vivemos definitivamente numa época em que só valem mesmo os malditos pontos de audiência nas TVs, e nada que eleve o espírito humano ou eduque?

2. Entretenimento (que pressupõe dramatização e representação artística) e jornalismo estão fundidos de uma vez por todas a ponto de reportagens poderem ser “brincadeiras de mau gosto” ou entrevistas não passarem de mentiras ditas para chamar a atenção?

3. O compromisso social das concessões públicas (?) de TV e rádio se tornou, sem sombra de dúvidas, uma fantasia tão grande quanto a história do Lobo Mau?

4. Num meio de comunicação em que o tempo vale ouro (milhares de reais, dependendo do horário), estamos perdendo tempo com jogo comercial carregado de má intenção e tentativa de ludibriar o cidadão comum?

5. Governo, parlamento ou entidades ditas representativas na área de democratização ou alguma fiscalização do que se faz nos meios de comunicação só podem assistir a tudo de braços cruzados, sem ação nenhuma?

6. Os jornalistas, responsáveis pela comunicação do que é notícia, vão tratar disso como apenas um caso isolado de polícia ou como uma realidade que mostra o lado podre da televisão como um todo?

Fica a miniatura de tratado para lermos e pensarmos. Os Barneys, Gugus e outros tantos vão continuar na mídia aparecendo para debater, discutir, trocar acusações, desculpar-se, mentir um pouco, falar um pouco de verdade, enquanto os telespectadores só terão a opção de ligar ou desligar o receptor.

Até quando?

(*) Assessor de imprensa em Florianópolis

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