MÍDIA & LULA
"A companheira gramática", copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 27/11/02
"O professor Pasquale Cipro Neto lembra um aplicado botânico especialista no cultivo da última flor do Lácio. Prefere exibir os encantos do idioma, mas sabe defendê-lo ferozmente de crases atrevidas ou verbos que entram sem convite. Ele se vem desdobrando nos últimos anos, em colunas nos jornais e programas de rádio e televisão, para explicar o que é certo e errado em português. Leitores, telespectadores e ouvintes parecem ter aprovado o estilo do mestre.
É craque em lições que abrandam o medo de nativos perdidos na floresta de normas ortográficas e gramaticais. Como evitar trapalhadas no uso de verbos – ?ver? e ?vir?, por exemplo – que costumam provocar confusão? Pasquale explica que, se estamos falando de olhares, não se deve dizer ?quando eu ver? e, sim, ?quando eu vir?. De passagem, sempre na linguagem acessível que lembra o sorriso do sábio, Pasquale ensina a hora exata de recorrer a um ?vier?.
Para multidões de brasileiros, aulas do gênero são sempre bem-vindas. Mas não passam de trivialidades para quem, como Pasquale, desfila na comissão de frente do Bloco dos Filhos de Camões. Para que tal condição fique clara, ele costuma exibir-se em malabarismos vernaculares capazes de induzir um Antônio Houaiss a sair em busca de dicionários.
Mas o PT mudou, Lula mudou, os empresários mudaram, o país mudou, certo? Por que Pasquale não mudaria também? No domingo, em entrevista ao repórter Jorge Bastos Moreno publicada no jornal O Globo, o homem que ensina português decretou que, depois da vitória da Lula, as regras deixaram de valer para a linguagem oral. Está certo, agora, falar errado. O leitor de Pasquale deve aproveitar as lições só quando estiver escrevendo. Falando, liberou geral.
?Lula fala a língua do Brasil e fala bem?, afirma Pasquale. ?Esse é o português falado no Brasil e 99,9% dos brasileiros dizem ?acabou as fichas? ou ?falta dez?. Não concordam o verbo com o sujeito. Aliás, eu não quero falar dele, porque tudo que se fala do pobre do Lula já é motivo para pegação no pé?.
A declaração contém detalhes reveladores. Pasquale fez as contas e concluiu que só 180 mil brasileiros (um Maracanã e meio) falam corretamente. Ele e mais 179.999. O restante dos 180 milhões imita o estereótipo do paulistano popularizado pelo carioca: ?Me dá um chops e dois pastel?. Seria mais fácil bestificar os pedantes que educar os semi-alfabetizados verbais – é isso o que sugere o professor?
Valendo-se de expressões vulgares como ?pegação no pé?, Pasquale procura identificar-se com as camadas humildes da população, das quais é originário aquele que chama de ?pobre do Lula?. Por que qualificar assim um presidente eleito? É coisa de elitista. Ou de bobo.
Em recente encontro com intelectuais e artistas, Lula soltou um ?sine qua non?, virou-se para Chico Buarque e sorriu. ?Lembra quando eu falava ?menas? laranjas??, brincou. Ele também costumava enfiar um ?de? inexistente depois de quase todos os verbos, transformando-os em transitivos indiretos. ?Eu acho de que…?, ?eu acredito de que…? Melhorou sensivelmente.
Decerto lhe foram dizendo que não era assim que se falava, que aquilo não se dizia. E o menino nascido em Caetés, que não teve tempo nem dinheiro para estudar como se deve, assimilou várias lições. Ele sempre aprendeu com agilidade. O ?de? indevido agora é mais raro. Nunca mais disse ?menas?. Lula, claro, poderá ser um ótimo presidente sem dominar a linguagem culta. Mas deve esforçar-se para falar cada vez melhor o idioma do seu país.
Para tanto, é essencial ignorar quem consegue elogiar até seus erros de português."
"Fome Zero", copyright Folha de S. Paulo, 2/12/02
"?A reportagem ?Situação do campo é ?escandalosa?, diz Graziano? (Brasil, pág. A11, 30/11) -que teve também chamada na Primeira Página (?Graziano vê situação do campo como ?escandalosa?)- atribui a mim uma delegação que não tenho e frases que não proferi.
Participei do seminário nacional ?Reforma Agrária – Um Instrumento de Desenvolvimento Social e Econômico? (de 28/11 a 30/11) na qualidade de pesquisador da Unicamp e de coordenador do Projeto Fome Zero do Instituto Cidadania. Além de ressaltar essas credenciais, sublinhei, na oportunidade, que poderia apenas reafirmar os compromissos de campanha do presidente eleito.
Em nenhum momento disse que falava em nome da equipe de transição do novo governo como a reportagem induz o leitor a pensar em dois pontos.
a) Primeiro, ao utilizar o ?chapéu? ?Transição?, pelo qual busca respaldo para o parágrafo que abre o texto interno: ?Dando mostras de que os petistas não pretendem se render ao pacto de não-agressão proposto ao PT pela cúpula do PSDB…?.
b) Segundo, no parágrafo imediatamente abaixo, quando inclui em minha fala uma associação (grifada a seguir) que não fiz e que, portanto, não procede: ?Um diagnóstico preliminar que nós (a equipe de transição) fizemos mostra um quadro…?.
Ao partir de uma premissa indevida, o texto avança em impropriedades até o final. No trecho sob a vinheta ?Outro lado?, discute a minha não-participação em reuniões com o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Orlando Muniz. Longe de ser uma contradição, como sugere a reportagem, apenas comprova o que estou dizendo: não poderia falar em nome do futuro governo nem em nome da equipe de transição que trata do tema porque, na divisão interna que se estabeleceu, não me coube a tarefa de levantar informações com o MDA.
Os organizadores do seminário têm fita gravada do evento para confirmar as assertivas acima.? José Graziano da Silva, coordenador do Projeto Fome Zero do Instituto Cidadania (São Paulo, SP)
Resposta do repórter Eduardo Scolese – O discurso no qual José Graziano da Silva chama a reforma agrária de FHC de ?escandalosa? foi gravado pela reportagem da Folha. No seminário, o próprio coordenador do Fome Zero se apresentou como representante do governo petista – ?Agora eu estou na equipe de transição?."
"Quatro anos em dois dias", copyright Jornal do Brasil, 3/12/02
"A equipe de transição do PT estará promovendo hoje e amanhã no Rio um seminário destinado a orientar o novo governo na elaboração da política para o audiovisual.
O seminário foi montado com cautela. Selecionou cinco pontos específicos para serem discutidos: a Ancine (Agência Nacional para o Cinema); as leis de incentivo à produção; a televisão; o cinema cultural; e o mercado externo.
Cautela porque a discussão da política para o audiovisual costuma ser acompanhada por discussões intermináveis e nem sempre produtivas. Isso resulta no desenho de uma legislação capenga onde deveria haver a regulamentação consistente da atividade. Um exemplo gritante está no projeto de lei da deputada Jandira Feghali que deverá ser votado amanhã. O projeto determina a regionalização da programação de TV em 30%. A medida é saudável – mas a forma atabalhoada como o projeto chega à Câmara o torna de impossível implantação. Perde-se uma excepcional chance de legislar sobre um assunto de vital importância para a produção cultural brasileira.
O seminário que começa hoje pode escolher se quer ir na direção da seriedade ou da fanfarronice. O quadro atual não encoraja a segunda opção. As leis de incentivo à produção audiovisual, por exemplo, são eficientes – mas com o tempo já não atendem às demandas específicas de segmentos como a televisão, além de deixar em equilíbrio instável a participação das empresas privadas e do poder público na decisão sobre o que será incentivado com o dinheiro do contribuinte.
Já a Ancine, desde que foi criada, em setembro do ano passado, luta para definir seu perfil e acaba de receber, de forma tumultuada, a herança do que antes era da alçada do Ministério da Cultura. Está sob pressão de todos os lados. Não falta quem deseje esvaziá-la e por isso a agência terá de mostrar por que o país precisa dela.
O caso da TV, no entanto, é o mais delicado e complexo de todos. O futuro governo vai encontrar um quadro dramático onde quer que lance o seu olhar. A televisão aberta, que sempre foi saudável, está hoje com sua saúde financeira gravemente abalada; o nível da programação chegou ao fundo do poço; a produção independente está à margem do processo; exceto pela qualidade de parte da produção jornalística, a TV que deveria servir à população, que paga a sua conta, está lhe prestando um enorme desserviço. Na TV por assinatura o quadro é ainda pior, com a própria Globo tentando em vão se livrar de operações que conseguiram debilitar até seu formidável lucro na TV aberta.
Há muito a ser feito, enfim, numa área cujo impacto vai além das demandas profissionais e lida com a essência da identidade nacional e da auto-estima da população. Neném Prancha, o grande filósofo do futebol, dizia que pênalti é coisa tão importante que deveria ser batido pelo presidente do clube. Pois no Brasil TV é coisa tão séria que deveria ser imune a barganhas políticas. Esses dois dias poderão indicar se suas questões essenciais serão de fato abordadas nos próximos quatro anos."