Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Avaliação pra valer!

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DIRET?RIO ACAD?MICO

PROJETO

Elaborado pelo Grupo de Estudos e Trabalho "Avaliação pra Valer! da ENECOS. Apresentado por Ademar Possebom e Lidia Neves no VII Sipec, em Vitória.

O documento publicado a seguir sistematiza e organiza historicamente o movimentos dos estudantes de Comunicação brasileiros em favor da avaliação dos cursos que entendem a mais correta.


Apresentação

Uma proposta de debate. Este é o principal desafio a que se lança o segundo documento do projeto "Avaliação pra Valer". Fruto do acúmulo de discussões da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social aglutinadas no Grupo de Estudos e Trabalho Avaliação pra Valer, o projeto se apresenta como uma proposta efetiva em discutir uma forma de avaliação legítima para os cursos de Comunicação Social do país.

Neste documento são destrinchados pontos fundamentais para a construção de uma Avaliação de Curso, a começar pelo resgate histórico do processo e exposição clara de suas justificativas e seus objetivos. Em seguida, discorre-se sobre a relação inseparável de avaliação, universidade e sociedade, destacando-se as premissas fundamentais de uma avaliação transformadora. Já aparecem no documento o apontamento de alguns caminhos a serem seguidos e discute-se sobre metodologias já implantadas que refletem objetivos que não desejamos.

Em sua conclusão, mostra-se que a discussão sobre avaliação já faz parte do cotidiano de algumas escolas e releva-se a importante articulação que deve acontecer entre todos os setores da comunidade acadêmica e da sociedade civil para que o projeto "Avaliação pra Valer" siga em frente.

Esperamos assim estar contribuindo para a movimentação dos cursos pelo resgate da Universidade e transformação da sociedade.

Objetivos

Sendo a educação superior um setor complexo, com finalidades e sujeitos múltiplos, este projeto pretende construir, com a maior participação possível de todos os setores da comunidade acadêmica e sociedade civil, uma forma de avaliação que contribua para o aperfeiçoamento dos cursos de Comunicação Social no país.

Contribuir para o aperfeiçoamento significa criar formas de análise da realidade universitária, identificar os problemas, entender suas razões e indicar formas de solucioná-los. Significa criar um espaço no qual a comunidade acadêmica pare para refletir sobre si mesma, sobre seu papel na sociedade em que está inserida e sobre a maneira como o curso de Comunicação se coloca perante às questões que o concernem socialmente. Significa ter maturidade para que todos os agentes dessa comunidade analisem suas funções e o modo como elas têm sido cumpridas. Significa, sobretudo, estar cotidianamente em busca de uma educação superior na qual ensino, pesquisa e outras atividades sejam relevantes para a comunidade na qual se inserem.

Para que a aplicação de uma avaliação institucional seja viável é necessário que se construa um espaço de diálogo durante discussão em torno de seus critérios e conceitos. Só assim este novo instrumento ganhará, de fato, legitimidade.

O objetivo de qualquer avaliação séria é transformação, aperfeiçoamento e o crescimento da própria instituição, por meio da participação ativa e contínua das pessoas envolvidas no processo. Essas características são essenciais quando se trata de um ambiente de produção e difusão de conhecimento para a sociedade e formação do espírito crítico do indivíduo.

Justificativa

A necessidade de um instrumento de avaliação transformador para os cursos de nível superior no país se torna cada vez mais urgente no momento em que o Estado escolhe como fonte de controle e aniquilamento das universidades brasileiras métodos avaliativos autoritários e que não foram elaborados em conjunto com a comunidade acadêmica. O Exame Nacional de Cursos (Provão) legitima-se através de campanhas publicitárias e pela cobertura da mídia, conduzindo a opinião pública a se retirar da discussão central acerca de métodos e critérios aplicados por este falacioso exame que, necessariamente, responde à política educacional adotada pelo atual governo. Como se não bastasse a falta de debate, o atual Provão, pretensiosamente chamado de Avaliação Institucional, é utilizado como referência social e acadêmica, sendo considerado um "termômetro de qualidade" e uma ferramenta para fechamento de cursos.

O projeto "Avaliação pra Valer" iniciado em 1995, muito antes da aplicação do primeiro Exame Nacional de Cursos, surge não só como um combate a formas prejudiciais de avaliação, mas principalmente como um instrumento de diálogo da sociedade com a comunidade acadêmica no sentido de qualificar a formação humana, crítica e profissional oferecida pelos cursos de ensino superior.

Nesse sentido, a proposta da construção de um projeto de avaliação alternativo deve, além de contribuir para subsidiar o debate em relação aos diferentes métodos avaliativos, ser um exemplo da prática democrática universitária entre os seus diferentes segmentos e de diálogo com as entidades profissionais que compõem o espectro da Comunicação Social.

Histórico

O processo de construção deste projeto começa na necessidade sentida pela ENECOS, em 1994, de aprofundar a discussão sobre a qualidade de ensino no curso. Para isso era necessário saber qual era a realidade dos 93 cursos na época espalhados pelo país. Essa necessidade suscitou uma pesquisa nacional respondida por 44 escolas que levou a uma conclusão nada animadora. Nenhuma das escolas que responderam à pesquisa cumpria a totalidade das exigências estabelecidas na resolução 002/84 do MEC, que regulamentava o curso de Comunicação Social. Segundo o documento síntese da pesquisa, denominado "Análise Descritiva das Escolas de Comunicação Social do Brasil",

"A avaliação das grades curriculares nos permite afirmar que a maioria das escolas se limita a cumprir apenas o que é exigido pela resolução 02/84. A impressão é de que a comunidade acadêmica de Comunicação está acomodada, não estimula o debate. Essa estagnação tem impedido a elaboração de novas formas e conteúdos para o ensino."

e ainda:

"A avaliação propiciada pela pesquisa é um passo inicial. Ela deve ser aperfeiçoada em futuras iniciativas, periódicas e constantes, que envolvam, cada vez mais, a participação conjunta de estudantes, professores e profissionais."

A iniciativa seguinte foi a criação do Movimento Nacional pela Qualidade de Ensino, em 1995, quando algumas entidades da área de Comunicação se reuniram no I Seminário de Qualidade de Ensino, em Brasília, para debater as questões específicas do curso. Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), Compós (Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação), Abecom (Associação Brasileira de Escolas de Comunicação), Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares em Comunicação), Fitert (Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Rádio e TV) e UCBC (União Cristã Brasileira de Comunicação) se juntaram à ENECOS e passaram a compor o Movimento.

A prioridade era construir um projeto de Avaliação para os cursos de Comunicação. Vale lembrar que nessa época ainda não existia o Provão. Essa era uma iniciativa da própria área. O Movimento lançou sua carta de intenções durante o Congresso da Intercom em 1996. As entidades, porém, já tinham dificuldades para se articular internamente, e ainda mais entre elas.

Em 1996, a ENECOS lançou a campanha "Fiscalize sua Escola!", uma cartilha que propunha que os próprios estudantes fossem os agentes de uma avaliação constante, permanente, e que apontava vários aspectos importantes na construção de um curso de qualidade. Ela teve um papel fundamental na ampliação do debate entre os estudantes e conseguiu suscitar o debate a respeito da qualidade de ensino em diversas escolas.

Em 1997, a ENECOS vivia um momento de renovação dos seus quadros, com a mudança de diretoria, e o projeto "Avaliação pra Valer", apesar de já aparecer como prioridade, demorou a ganhar um rumo definido. Para o próprio Movimento, foi um ano de pouca articulação. Em maio de 98, a ENECOS convocou o II Seminário sobre Qualidade de Ensino em Comunicação, cuja intenção era discutir bases de um programa nacional de estímulo à qualidade da formação em Comunicação. Eram, pretensamente, bases para um programa de avaliação. A Comissão de Especialistas em Comunicação do MEC (CEE-COM) compareceu ao Seminário e fez o convite às entidades presentes para a participação na construção das diretrizes curriculares do curso de Comunicação. Isso fez com que a atenção de todas as entidades ficasse voltada para a questão das diretrizes, novamente deixando de lado o projeto de Avaliação.

Percebemos, então, que seria difícil dar início ao projeto contando desde o início com todas as entidades. Precisávamos avançar. Convocamos para maio de 1999 o Seminário Avaliação pra Valer, cuja principal discussão foi a criação do GET (Grupo de Estudo e Trabalho) "Avaliação pra Valer", com a incumbência de formular um projeto a partir da discussão ocorrida. Esse grupo apresentou a primeira fase do projeto no ENECOM, em agosto de 99, em Maceió. O primeiro documento pontuava diversos pontos a serem analisados na Universidade e especificamente no curso de Comunicação.

A tentativa de levar a discussão às escolas apenas com esse documento não deu certo. Percebemos que faltava embasamento para as entidades fazerem essa discussão. O GET se reuniu então em novembro, em São Paulo, e foram quatro os encaminhamentos principais:

1) Pensar o projeto de forma a envolver de forma efetiva a comunidade interna da Universidade no processo. De nada adiantava pensarmos um novo projeto se não pensássemos numa nova forma de aplicação.

2) Entrar em contato com especialistas nesse tema, já que até iniciarmos as discussões sozinhos seria muito difícil. Dessa reunião já saiu a proposta de nos reunirmos com o professor da UNICAMP José Dias Sobrinho, editor da Revista Avaliação. Foi o que aconteceu em abril deste ano.

3) Buscar parceiros já para uma primeira etapa. Identificar quem são as entidades e pessoas que se empenhem na discussão do tema e possam contribuir para a elaboração do projeto.

4) Compilar as discussões já realizadas e o histórico deste processo de construção. É o que nos propomos a fazer neste documento.

Avaliar pra Quê?

É preciso ter muito cuidado para não transformar o conceito de qualidade dos cursos superiores num conjunto de critérios a serem atingidos e comemorados. Como já foi dito, a qualidade de um curso superior tem que estabelecer como um de seus parâmetros a relação e interação que se tem com a sociedade. Em resumo, criar uma avaliação significa mergulhar numa séria discussão sobre a responsabilidade da Universidade na construção de uma sociedade mais justa e responsável por seus pares. É inegável que um projeto de avaliação reflete um conceito de Universidade, de seus objetivos e suas funções.

Historicamente, a Universidade tem sido uma das maiores referências para as sociedades ocidentais, seja na produção de conhecimento, no desenvolvimento de tecnologia, na conservação e difusão dos valores culturais ou na formulação de políticas públicas das diversas áreas que compõem o complexo acadêmico. Sempre foi preocupação dos estados a manutenção, o investimento e a preservação da Universidade como um patrimônio da humanidade. Durante toda sua existência, buscou se colocar como agente da sociedade, tendo como pressuposto das suas atividades a noção de desenvolvimento e progresso científico, nunca abrindo mão de sua responsabilidade com o futuro de suas nações.

Vivemos hoje uma das maiores crises já enfrentadas pela instituição universitária, especialmente nos países de Terceiro Mundo. A lógica da universidade pública e gratuita, ou seja, aquela com responsabilidade social e aberta a todos, parece desaparecer em meio à lógica neoliberal individualista e a interesses financeiros de pequenos grupos. O que vemos diariamente no cotidiano das escolas são alunos preocupados com o montante que irão acumular no futuro e professores descompromissados com o dia-a-dia acadêmico. Aquele que deveria ser um dos maiores centros de referência cultural, social e política para a sociedade transforma-se numa indústria medíocre produtora de mão de obra especializada. Em série.

O fato de oferecer profissionais habilitados ao mercado, que não necessariamente trarão benefícios à sociedade ? uma vez que a lógica estabelecida é a realização individual e não coletiva ?, nos faz questionar se esse é o modelo de Universidade que queremos para nosso país. De que serve uma universidade apenas profissionalizante? Que tipo de futuro uma sociedade pode esperar destas pessoas que só pensam nelas mesmas e que entendem a Universidade como um amontoado de disciplinas preparatórias para a sua adaptação ao mercado de trabalho? Buscar uma Universidade preocupada com o desenvolvimento social de um país é uma luta difícil que começamos a travar a partir do momento em que escrevemos esse documento e nos propomos a realizar uma avaliação dos cursos de Comunicação.

Não é preciso pensar muito para ter uma noção do que andam fazendo os profissionais de Comunicação no país, adaptados e submissos a estruturas antidemocráticas dos veículos de comunicação de massa. Os grandes veículos são inquestionavelmente difusores de valores dentro da sociedade, tendo uma forte relação de poder político e econômico, regidos muitas vezes por interesses particulares. Segue esta mesma lógica a legislação brasileira que é criminosamente conivente com a manuten&ccedccedil;ão do monopólio dos meios de comunicação, concedendo a pequenos grupos familiares o direito de tomar exclusivamente para si boa parte do fluxo de informações do país.

É preciso, neste momento, colocar em xeque a formação que os cursos de Comunicação vêm oferecendo no Brasil. Isso não significa somente apontar a enormidade de escolas "picaretas" e caça-níqueis que despejam centenas de profissionais técnicos sem a menor capacidade crítica que qualquer cidadão e, principalmente, os comunicadores deveriam ter. Significa também questionar escolas que oferecem ótimas oportunidades de estudo, mas transformam a formação universitária humana e política numa simples ponte para o mercado de trabalho. Significa, portanto, refletir com muito cuidado sobre o projeto pedagógico de cada instituição.

É dentro dessa perspectiva que queremos construir uma avaliação. Não simplesmente criar uma ferramenta para medir desempenhos, mas principalmente construir um instrumento que viabilize o debate, dialogue com a sociedade e faça a comunidade acadêmica refletir sobre sua responsabilidade na construção do futuro da sociedade.

Premissas para uma avaliação

Como deve ser uma "Avaliação pra Valer"? O que ela faz que as outras não fazem? Estas são perguntas importantíssimas que deixam claro que aquilo que o MEC insiste em chamar de Avaliação Institucional é pura e simplesmente um instrumento reacionário de controle.

Existem algumas características fundamentais inerentes ao conceito de uma avaliação propositiva e transformadora:

Global:

O curso tem as suas divisões, como laboratórios ou corpo docente e discente. Todas as partes fazem parte de um conjunto, que é o próprio curso. A inter-relação entre as partes é essencial para a formação, devendo estas, portanto, serem avaliadas neste contexto e não isoladamente.

Integrada:

Se todas as partes devem ser avaliadas em suas relações, todas têm de estar envolvidas no processo, como sujeitos e objetos da avaliação. A história de que apenas os professores avaliam os alunos já foi superada há tempos, e as relações devem ser muito mais de troca do que imposição.

Participativa e negociada:

Devem ser estudadas as formas de se avaliar cada parte do processo. Essa pesquisa envolve estudantes, professores, funcionários técnico-administrativos e sociedade civil, pois cada um destes grupos possui visões diferenciadas e igualmente importantes do processo em curso. O projeto só ganhará legitimidade se for construído a partir de uma perspectiva democrática, em que todos os setores envolvidos são vistos e tratados como fundamentais.

Contextualizada:

Os cursos não estão soltos no tempo e no espaço. Suas produção, os formandos e outras formas de integração com a comunidade influenciam e são influenciados pela sociedade que os cerca e, portanto, não há como avaliar o curso sem estudar o que há em sua volta e em quais condições ele funciona.

Operatória e estruturante:

A avaliação é a maneira de se detectar as deficiências de cada curso para, a partir das constatações, buscar a transformação. Uma avaliação não é neutra, portanto qualquer pretensa objetividade já é carregada de valores. Questões subjetivas podem surgir como expressão das vontades diferentes de cada escola. Porém, deve-se cuidar para que os critérios estabelecidos sejam claros, a fim de garantir a pluralidade e a clareza no processo. Critérios qualitativos e quantitavos devem se complementar, visando a compreensão e a posterior valoração do conjunto de fatores avaliados.

Formativa:

Como vai apontar os problemas e desvios do curso, além de estudar as formas de se melhorar sua qualidade, a avaliação pressupõe o real envolvimento dos estudantes, o que contribui para sua própria formação, já que os orienta com mais clareza para a formação adequada. O envolvimento de professores e técnicos também é imprescindível pelo mesmo motivo, além de ser importante para que se sinta o conjunto que realmente faz parte do processo educacional.

Permanente:

Como processo fundamental para a melhoria dos cursos e pela sociedade encontrar-se em constante mudança, a avaliação tem de ser permanente, sempre se adequando à formação necessária e proposta pelo projeto acadêmico de cada curso.

Legítima:

Já que é fundamental para nossa própria formação, a avaliação deve ser legítima. Isso quer dizer que deve ser aberta, buscando o consenso sobre o que deve ser a formação de qualidade. Avaliações que direcionem os cursos segundo interesses de grupos pequenos não são avaliações, mas sim formas autoritárias de impor uma determinada visão não aceita pelas formas democráticas.

Voluntária:

Imposição não quer dizer educação. O processo educacional, ainda mais quando falamos de ensino superior, se dá através da percepção de novas informações e conexões. E como a avaliação faz parte do processo educacional, ela deve ser aceita, não imposta. A própria escola deve perceber que, para formar com qualidade, precisa sempre reavaliar seu conjunto. O desafio para os propositores da avaliação é mostrar a importância do envolvimento das escolas, tarefa que se torna mais fácil no momento em que o propósito primeiro dela não é punir ou premiar, mas transformar.

Adaptação a cada instituição:

Para além dos pontos comuns de cursos de uma mesma área, cada escola tem características próprias, como, por exemplo, aquelas que provocaram o seu surgimento. Algumas existem para satisfazer a uma demanda local, outras para oferecerem uma formação diferenciada, além de outros projetos. E isso influencia diretamente na formação que oferecem, mesmo que isso geralmente não fique claro para o estudante. Procurar o diferencial da sua escola é importante para saber que formação ela deve (ou deveria) estar proporcionando. A avaliação deve analisar a escola a partir do projeto acadêmico que ela se propõe a realizar, não deixando de considerar se este projeto tem ou não relevância social, se está ou não inserido no contexto social local.

Uma "Avaliação pra Valer" se faz desta forma: respeitando as características específicas e contribuindo na formação de qualidade. Apresentando os desvios e apontando caminhos a serem seguidos no contínuo processo de reformulação dos projetos escolhidos para a formação adequada.

Metodologia

A metodologia de avaliação na qual acreditamos está diretamente ligada aos objetivos e parâmetros desta avaliação. Assim como não existe avaliação isenta, também não podemos falar em metodologia livre de valores. Se nos parece difícil falar sobre a metodologia que queremos, talvez seja mais claro falar da que não queremos, por entender que vai contra os objetivos em que acreditamos. Em nosso entender, existem diretrizes a serem seguidas no caso da metodologia que garantem a efetivação dos objetivos do projeto.

Analisando o provão e a avaliação das condições de oferta, podemos deixar claro o que consideramos problemático quanto à metodologia, por entendermos que refletem objetivos diferentes daqueles em que acreditamos.

O que não queremos

O mais evidente, e válido tanto para a ACO quanto para o provão, é que os dois projetos de avaliação estão baseados no postura de desresponsabilização do governo pela educação. A partir do momento em que o MEC passou a privilegiar uma política nacional de avaliação no lugar de uma política nacional de educação, isto ficou mais claro. Apesar de diferenças claras em seus métodos, e até em alguns objetivos, os dois processos representam um afastamento do governo como responsável pela Educação, passando ele a ser responsável simplesmente pela fiscalização. É como se fosse a vigilância sanitária passando nos açougues. A educação é tratada como serviço, e portanto o responsável pela sua qualidade é, exclusivamente, o prestador desse serviço. Isso é válido para as privadas e para as públicas. Imaginem agora que a vigilância sanitária visitasse os açougues e apenas apontasse que o açougue X é melhor que Y, não comparando-os com um padrão de qualidade. É isso que faz o provão. Se a ACO se livra de algumas aberrações, ela continua reproduzindo um conceito de educação muito ruim, onde o papel do estado é apenas o de fiscal. Vamos especificar o que está implícito nas duas metodologias e que não queremos, acrescentando as sugestões do que entendemos ser a melhor forma de resolver esse problemas.

O provão

– Tem o objetivo apenas de ranquear. Isso fica claro pela Normal de Gauss, usada para a distribuição dos conceitos. São sempre 12% dos cursos com A, 18% com B, 40% com C, 18% com D e 12% com E. Não se busca um padrão ideal, mas sim dizer qual curso é melhor que o outro. Não acreditamos em rankings.

– Apresenta como resultado apenas um conceito. O que fazemos com um conceito? É preciso mostrar o que está bom, apontar os problemas percebidos e sugerir soluções. A avaliação tem que ser feita não para punir quem está mal e premiar quem está bem, mas para transformar. Portanto, os mais interessados nas transformações têm que ser os próprios avaliadores, que não são os carrascos do curso, mas aqueles que lutam pela sua melhora.

– É apenas uma prova ao final do curso. Isso mostra a limitação do instrumento. Acreditamos em instrumentos múltiplos, que abranjam toda a complexidade da formação universitária. Avaliar apenas os alunos é muito insuficiente. A avaliação deve ser sobre todo processo, e não apenas sobre o produto final.

– O provão não considera em nada a visão de toda a comunidade interna à universidade. É apenas uma avaliação externa feita por uma comissão de 6 pessoas. Por que seis pessoas têm direito a impor uma única visão de curso para todas as faculdades? A diferença de projetos deve ser respeitada, como forma de garantir que cada universidade esteja buscando um curso com relevância social. Uniformizar já é ruim. Com uma visão imposta, sem nenhuma legitimidade, é ainda pior.

– O provão é apenas um instrumento de controle por parte do governo. A avaliação não deve ser apenas um instrumento de controle, mas sim fazer parte de um processo de transformação.

– O provão não considera as condições que as Universidade têm para funcionar. Uma universidade pública que recebe poucas verbas é tratada da mesma forma que as privadas com todas as condições de funcionamento.

– O provão não mede a evolução, isto é, quanto o aluno aprendeu nos anos de curso. Ele mede de maneira estanque. Os alunos que entram bons na universidade vão refletir o mesmo resultado no exame. É preciso medir o quanto o curso contribuiu para o seu aprendizado. Um bom exemplo é o Teste de Qualificação Cognitiva (TQC), usado no projeto CINAEM para os cursos de Medicina. Através de testes ao final de vários períodos, eles passam a ter uma curva medindo a evolução do estudante.

– Os resultados do provão são divulgados sem o menor esclarecimento sobre como funciona o instrumento. Os rankings passam a servir de referência para saber se uma escola é boa ou ruim. A utilização midiática da avaliação como forma de demonstrar “ações efetivas” pela qualidade de ensino é enganosa.

– O provão desconsidera toda o projeto das uinversidades, desrespeitando a autonomia universitária didática e científica. O aluno é obrigado a comparecer, tornando a avaliação um processo não legítimo e obrigatório.

– O provão é pretensamente objetivo, mas esconde a opção por um modelo de curso. No momento em que se faz da avaliação uma prova para ser feita em quatro horas, já está se privilegiando o conhecimento mensurável, aquele aprendizado que pode ser medido e quantificado, valorizando claramente uma educação tecnicista.

A avaliação das condições de oferta (ACO)

Além dos motivos já elencados anteriormente, ainda observamos na avaliação das condições de oferta alguns outros fatores problemáticos:

– É também fruto da opinião de poucos professores, que não representam ninguém senão eles mesmos; Novamente impõe um modelo único para todo o país.

– É construída a partir de uma perspectiva fudamentalmente profissionalizante, que menospreza a formação acadêmica. O que poderia ser uma opção de projeto acadêmico passa a ser um modelo único.

– É apresentada como complementar ao provão, mas está baseada em outros princípios e outros critérios. Em 1999, por exemplo, a UFRJ teve A no provão e dois conceitos Insuficiente (CI) na ACO. Em uma, foi ameaçada de fechamento, na outra ficou com A, passando a impressão de escola muito boa. A guerra de conceitos não interessa, precisamos de uma avaliação global e integradora.

– Igualmente foi implementada sem discussão com a comunidade acadêmica; os maiores interessados na melhora são tratados apenas como objeto da avaliação, sem nenhuma participação ativa. Todas as experiências já realizadas, algumas notadamente bem sucedidas, são deixadas de lado.

– É uma avaliação apenas externa, que em um dia e meio pretende avaliar tudo o que está acontecendo com o curso. Reforça a idéia de que o papel do governo é apenas de fiscal.

– Conta com mais de 100 avaliadores. O preenchimento dos questionários, que seria um processo objetivo, passa a depender da subjetividade dos avaliadores. Isto é, o padrão ideal é diferente dependendo de quem avalia. Neste caso a subjetividade torna-se prejudicial, já que interefere num processo pretensamente objetivo.

– Dá apenas um conceito para os pontos avaliados, sem apontar o que deveria ser mudado.

A partir dessa análise é possível depreender como vemos a questão da metodologia. Ela deve refletir os objetivos da avaliação, possibilitar a participação da comunidade acadêmica, isto é, deve ser fruto dos conceitos e premissas já apresentados, não devendo em nenhum momento se objetar a eles. Ressaltando a necessidade da avaliação ser democrática e construída a partir das particularidades de cada curso, entendemos que a metodologia deve ser construída também no espaço de cada faculdade. A participação de toda a comunidade acadêmica não se dará, portanto, apenas na aplicação, mas também na elaboração. Obviamente, para um processo nacional é necessária alguma padronização, mas a metodologia estará essencialmente ligada à realidade local.

Algumas observações devem ainda ser feitas. Os critérios qualitativos são mais ricos do que os quantitativos. Os primeiros conseguem fornecer uma leitura do que acontece nas instituições observando as particularidades de cada uma. Os critérios quantitativos normalmente são utilizados para se fazer comparações, mas devem ser usados como análise descritiva dos cursos, servindo de apoio e complementando a leitura obtida com critérios qualitativos. Como comparações entre cursos não está entre nossos objetivos, só são interessantes metodologias quantitativas que comparem com um padrão ideal, e não simplesmente com outro curso.

Nesse sentido, parece-nos saudável que sejam utilizados também métodos subjetivos, que valorizem a percepção de cada um nas questões ligadas àquele curso especificamente. A união de várias observações subjetivas pode levar a uma análise rigorosa e detalhada das condições apresentadas. Como exemplo podemos citar a diferença entre utilizar-se de questionários ou de reuniões de trabalho, em que todos os envolvidos discutem o objeto de avaliação. Os questionários passam uma falsa sensação de neutralidade, mas escondem toda a carga de subjetividade incluída na decisão de colocar uma ou outra questão e um ou outro enfoque. Reuniões podem ser um instrumento especialmente interessante em microcosmos como faculdades ou departamentos.

É preciso discutir o quanto da metodologia deve ser unificada nacionalmente e o quanto deve ser definida de forma autônoma por cada Universidade. A decisão da metodologia adotada é fundamental para que os objetivos elencados sejam cumpridos.

A avaliação pra Valer já começou!

Em várias escolas de comunicação do Brasil os estudantes já começaram a mostrar a que vieram: vários debates e manifestações alimentam a construção de novos currículos e avaliações.

Na Universidade de São Paulo, em 1999, os formandos em jornalismo optaram por boicotar, o que resultou num sonoro "E". Eles também decidiram mandar cartas aos meios de comunicação deixando clara a sua posição em relação a prova. A repercussão foi grande e gerou um seminário promovido pela pró-reitoria de Graduação. A saída de todos os cursos do Provão deve ser pauta em uma das próximas sessões do Conselho Universitário, e os CAs de vários cursos estão puxando debates sobre o tema. A presença dos estudantes de comunicação foi importantíssima para o esclarecimento das críticas feitas ao Exame. Na Escola de Comunicações e Artes, houve uma assembléia para se discutir a avaliação docente feita pela reitoria e, como o que interessa é uma avaliação de verdade, os estudantes formaram um grupo de trabalho para criar uma avaliação mais pertinente.

Na Universidade Federal do Espírito Santo, o trabalho é bastante parecido. Este ano, o Centro Acadêmico convocou uma reunião com alguns professores para discutir a qualidade da formação do aluno. Como a participação foi de poucos docentes, uma carta aberta convocou todos os estudantes para uma Assembléia, que formou grupos de trabalho. Debates sobre o tema têm atraído estudantes e professores para a discussão sobre as diversas formas de se avaliar os cursos de Comunicação.

Com o resultado da Avaliação das Condições de Oferta, os estudantes do Centro Universitário de Brasília (Uni-CEUB) reuniram-se numa assembléia para discutir o curso. Da carta que saiu dali, já conseguiram as principais reivindicações: a implantação do plano de carreira para os professores a partir do semestre 2000/2, a contratação de novos docentes e a melhoria e ampliação dos laboratórios. E juntamente com os estudantes da Universidade de Brasília e da Universidade Católica de Brasília, estarão promovendo, no próximo mês, um debate sobre o Provão com os formandos.

Na Universidade Federal de Alagoas, os formandos de Jornalismo do ano passado boicotaram o exame. Debates sobre o Provão e propostas alternativas de avaliação têm sido prioridade do Centro Acadêmico, o que também tem contribuído para manter a discussão viva no meio universitário.

O Centro Acadêmico da Universidade Federal do Paraná criou um Mural Participativo, para que estudantes e professores manifestem-se sobre o curso e os processos de avaliação do Mec. Além disso, numa assembléia conjunta com o CA de Psicologia, os estudantes tomaram maior contato com a proposta do GET Avaliação pra Valer, do projeto de construção da avaliação, da Avaliação das Condições de Oferta e do Provão, além da ligação dos últimos com o processo de autonomia universitária.

Existem outros grupos seguindo caminhos semelhantes, apresentando as formas encontradas – geralmente por estudantes – para avaliar as deficiências e os desvios dos cursos, sempre em busca de qualidade.

Epílogo

O grupo que atualmente estuda a construção de um projeto de avaliação é formado somente por estudantes que, por mais que se debrucem sobre o tema, não têm a pretensão de elaborar um projeto completo. Sabemos que o caminho a percorrer é grande e que sem a participação de outros setores torna-se inviável a realização deste projeto. Este documento é a primeira fase de um processo que começamos a estruturar como um projeto de Avaliação de Curso.

Nessa primeira fase conceitual, definimos o perfil da avaliação que acreditamos contribuir para a qualidade dos cursos de nível superior no país. Buscamos como fonte alguns textos, artigos e documentos já elaborados pela Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social e por especialistas em Avaliação Institucional, em especial aqueles publicados na revista "Avaliação", editada pela Rede de Avaliação Institucional da Educação Superior, e na publicação quadrimestral da Andes, "Universidade e Sociedade". Agradecemos especialmente ao professor José Dias Sobrinho, que não poupou esforços para responder aos nossos anseios e fazer-se presente na discussão.

Nosso próximo passo é buscar na área o entendimento do que deve ser um curso de Comunicação ideal, podendo partir de documentos já elaborados, como as Diretrizes Curriculares na área de Comunicação, e ainda adotando a mesma metodologia de participação em debates e entrevistas com diferentes professores conectados com a questão da avaliação. Nessa fase, pretende-se avançar em relação ao envolvimento de outras partes no processo. Esse será o momento em que estaremos buscando pessoas que trabalham com a questão da avaliação no país, assim como representantes das entidades de Comunicação e da sociedade civil, estudantes, pesquisadores e profissionais interessados na construção desse projeto. É imprescindível que este debate seja travado nas diferentes universidades espalhadas pelo Brasil.

Partindo da definição do tipo de avaliação que queremos, do que queremos avaliar e de quais parâmetros – construídos de forma legítima através de debates ? serão utilizados, poderemos apontar e justificar os critérios a serem avaliados por meio da pesquisa e estudo de propostas já apresentadas, definir a metodologia de aplicação de cada um desses critérios, definir de que forma será efetivada a avaliação em cada instituição e, finalmente, verificar a melhor forma de análise e encaminhamento dos resultados.

Só acreditamos numa avaliação construída com legitimidade, apoiada em discussões democráticas sobre o que deve ser a educação superior no país.

CARTAS

PROVÃO

Amigos, li seu artigo sobre o Provão e concordo com os dois últimos parágrafos, onde é citada a necessidade de avaliação para a ocupação de alguns cargos, ou empregos, e que os formandos do ano 2000 estarão sujeitos a serem discriminados pela sua atitude de boicote ao Provão. Também sou formando 2000 e gostaria de entender o motivo de ser obrigado a provar meus conhecimentos em prova única ao final do curso, e quem tem o direito de me rotular profissionalmente com uma nota que pode ser resultado de vários outros fatores que não são, e nem serão, avaliados.

Realizei minha prova numa sala de turma de primário. Nada contra as crianças, mas as mesas eram baixas e apertadas. Após sentar, era quase impossível mover as pernas. O critério de escolha do local das provas foi ridículo, para não dizer estúpido,: todas as pessoas com que tive oportunidade de conversar moravam no mínimo a 40 quilômetros de distância. No meu caso foi totalmente contramão.

Como alguém pode neste nosso país querer avaliar o ensino superior sem olhar para trás e ver que o ensino primário e de nível médio estão abandonados? O governo deve dar condições e fiscalizar para que o ensino básico tenha condições de educar. Mas o que acontece é justamente o contrário. Onde se viu avaliar aproveitamento escolar analisando o número de alunos aprovados para um novo nível? Quem detêm o direito da aprovar? E de reprovar, será que internamente as escolas não podem estar aprovando um aluno para manter o nível da instituição? Por que não existe um Provão de nível primário, um de nível médio e um de nível superior, com dimensão nacional? Isto sim, forçaria a moralização do ensino no país, e não haveria necessidade de, após 17 anos aproximadamente de estudo, uma pessoa porventura despreparada para uma única prova seja carimbada por uma única nota.

Vale lembrar também que muitos dos que ocupam cargos decisórios, seja em empresas ou no governo (onde temos grandes exemplos), foram manifestantes, participaram de movimentos da forma que acharam mais adequada para a época e a situação. Será que estas pessoas também devem ser tachadas de covardes? Em nosso país existe a liberdade de comunicação, de expressão de idéias, e se esta forma de manifestação não prejudicar seu semelhante ela me parece válida e coerente.

Participei do último Provão e respondi às questões, mas não porque eu aprove o Provão, mas porque queria avaliar de forma pessoal o conteúdo do meu aprendizado. Não estudei especialmente para isso. Pior do que entregar a prova em branco é comprometer o período letivo para preparar os alunos para a realização de uma boa prova, e com isso melhorar a avaliação da instituição.

Para terminar, um recado: se por acaso chegar um formando 2000 para trabalhar com vocês, tentem, antes de questionar sua nota e atitude nesta prova ridícula, avaliar seu conteúdo pessoal e conhecimento profissional. Para não perderem, quem sabe, um talento.

Um abraço.

Roberto Arrais

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