ESPECIAL 3+5
OBSERVADORES DE CARTEIRINHA
Machado de Assis
"Balas de estalo", crônicas, in Obra Completa, vol. 3, Editora Nova Aguilar, Rio, 1986
[8 julho de 1885] O que é política? Aqui há anos, creio que por 1849, lembrou-se alguém de propor uma questão em um jornal. A questão era saber o que é honra. Em vez, porém, de escrever deveras aos outros, coligir as respostas e publicá-las, engendrou as respostas no escritório, e deu-as a lume.
Compreende-se que isso se fizesse em 1849. Naquele tempo fazia-se a eleição a bico de pena. Mas, depois da lei de 1880, não há meio de recorrer a outra coisa que não seja o sufrágio direto.
Foi o que fiz em relação a política. Peguei de tudo o que sabia nesta matéria (e não valia dois caracóis), arranjei um embrulho e mandei deitá-lo à praia. Depois escrevi uma carta aos meus concidadãos, pedindo-lhes que me dissessem francamente o que consideravam que fosse política, e dispensando-o de citar Aristóteles nem Maquiavelli, Spencer nem Comte, não só porque apenas se devem citar os devedores remissos (e Deus sabe se aqueles quatro são credores de meio mundo!), como porque os referidos autores são estranhos completamente ao
Tirolito que bate, bate
Tirolito que já bateu
Relativamente a este Tirolito, disse-lhes que era uma cantiga, e que as cantigas, ao contrário do que queria o nosso Álvares de Azevedo, fazem adiantar o mundo. Ils chantent, ils payront, dizia não sei que profundo político francês; e o nosso maestro Ferrari, original como um bom italiano, emendou a máxima, e aplicou-a aos nossos dias: Nous chanterons, ils payeront. Um e outro são muito superiores aos mestres apontados.
Não tardou que o correio começasse a entregar-me as respostas; e, como eu não pagava o porte, reconheci que há neste mundo uma infinidade de filhos de Deus, ou do diabo que os carregue, que estão a espreita de um simples pretexto para comunicar suas as idéias, ainda à custas do vinténs magros.
Não publico todas as definições recebidas, porque a vida é curta, vita brevis. Faço, porém, uma escolha rigorosa, e dou algumas das principais, antes de contar o que me aconteceu neste inquérito, e foi o que se há de ver adiante, se Deus não mandar o contrário.
Uma das cartas dizia simplesmente que a política é tirar o chapéu às pessoas mais velhas. Outra afirmava que a política é a obrigação de não meter o dedo no nariz. Outra, que é, estando à mesa, não enxugar os beiços no guardanapo da vizinha, nem na ponta da toalha. Um secretário de club dançante jura que a política é dar excelência as moças, e não lhes pôr alcunhas quando elas já têm para esta. Segundo um morador da Tijuca, a política é agradecer com um sorriso animador ao amigo que nos paga a passagem.
Muitas cartas são tão longas e difusas, que quase se não pode extratar nada. Citarei dessas a de um barbeiro, que define a política como a arte de lhe pagarem as barbas, e a de um boticário para que a verdadeira política é não comprar nada na botica da esquina.
Um sectário de Comte (viver as claras) afirma que a política é berrar nos bonds, quer se trate dos negócios da gente, quer dos estranhos.
Não entendi algumas cartas. A letra de outras é ilegível. Outras repetem-se. Cinco ou seis dão como suas, opiniões achadas nos livros. Uma dama gamenha escreve-me, dizendo que a política é praticar com os olhos o que está no Evangelho de S. Mateus, cap. VII. Verso 7: "batei e abrir-se-vos-á".
Note-se que, em todo esse montão de carta, não há uma só de deputado ou senador, e contudo escrevi a todos eles pedindo uma definição.
Minto; o Sr. Zama deu-me anteontem uma resposta, embora indiretamente. S. Ex.? disse na Câmara que quer a abolição imediata, mas aceitou o projeto passado e aceita este, pela regra de Terêncio: quando não se pode obter aquilo que se quer, é necessário que se queria aquilo que se pode. Regra que me faz lembrar textualmente aquela outra de Thomas Corneille:
Quand on n?a pas ce me I?on aime
Il faut aimer ce que l?on a.
Terêncio ou Corneille, tudo vem dar neste velho adágio, que diz que quem não tem cão, caça com gato. É oportunismo, confesso; mas prefiro-lhe o aparte de um deputado, no discurso do Sr. Rodrigues Alves, quando este tachava um presidente de interventor, não porque recomendasse candidatos, mas porque fez favores a amigos destes. "Queria que os fizesse aos amigos de V. Ex.??" perguntou um colega. Tal qual a política do boticário: não comprar na botica da esquina.
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