INDÚSTRIA ARMAMENTISTA
Cláudia Rodrigues (*)
Não conheço o professor Ivo Lucchesi, que escreveu para o Observatório o texto "Cobertura submissa e tendenciosa" [remissão abaixo], mas tive receio de que seja demais para seu coração viver nessa conjuntura mundial atual.
Lendo suas palavras percebe-se a presença de um homem são, lúcido e com princípios éticos claros, qualidades antigas e pouco difundidas hoje em dia. Apesar de seu conhecimento, esperneia quase do mesmo jeito que uma dona-de-casa, com pouco estudo, diante do aumento de preços no supermercado.
À mídia não interessa dar um tempo maior de cobertura aos pacifistas, e isso não é uma questão do que vende mais, do que dá mais ibope. Professores-doutores, analfabetos, semi-alfabetizados, mal-alfabetizados do pico do morro, do meio do morro e do morro abaixo, tenho certeza absoluta, adorariam, pelo menos uma vez na vida, escutar e ver nos telejornais a opinião dos pacifistas. Nem que fosse para não ter que escutar o nada que o presidente dos EUA diz sempre.
A mídia não anda atrás do produto que vende mais ao consumidor, como fazia até meados da década de 80. Está mancomunada com o dinheiro que está atrás do produto que precisa ser consumido. E o produto que precisa ser consumido não é o petróleo. Se fosse o precioso líquido das terras do Aladim seria fácil uma solução diplomática. O produto que precisa ser urgentemente consumido é o da indústria bélica que, apesar de toda criminalidade fabricada nas últimas décadas está com altos estoques, abarrotada. E ao capitalismo, todos sabem, estoque é fundamental até um certo ponto em que se torna extremamente rentável descarregar em larga escala… É assim que funcionam as montadoras de veículos, por exemplo. O jogo é sempre o mesmo. Mudam os produtos.
A questão maior, pelo menos para a mídia, é discutir quem vai entrar com menos armamento, com menor poder de destruição nessa guerra. Obviamente estão armando para que o Iraque entre com nada. Todas as negociações dos últimos meses são com o intuito claro de salvaguardar as vidas dos americanos, tanto dos soldados quanto dos civis que permanecem nos EUA. Já começou a divulgação de fotos panfletárias em que jovens soldados americanos aparecem despedindo-se de suas jovens esposas com seus inocentes bebês no colo. É tristemente lindo e é verdade. Só não é mais lindo e nem mais triste do que a foto de um rapaz iraquiano na mesma situação. Mas isso não importa porque o interesse não é o da comparação, que supostamente levaria à reflexão. O que importa é que a teoria e prática mercadológica desenvolvida nos EUA desde a Segunda Guerra foi embasada no ódio e no desejo de dominação. E dá certo.
Roma ou Cleópatra?
Tem dado certo. Há bases americanas espalhadas pelo mundo todo. Os EUA nunca pararam de agredir e dominar, física ou psiquicamente, outros países. E nem vou aqui enumerar cada conflito direto ou indireto, quando é financiado pelo governo americano sem que seu pessoal suje as mãos de sangue.
Os europeus, que supostamente poderiam "peitar" os americanos, têm feito vista grossa, quando não utilizam os "benefícios" de algum conflito. Os japoneses venderam a alma por dinheiro e não há uísque ou saquê que cure a ferida deles. É uma sociedade que morre um pouco a cada dia, que perdeu a opinião própria diante do mundo. Também não é para menos, afinal o Japão inteiro, por menor que seja, é uma base americana.
Outros países, como o Brasil, não têm representação geopolítica mundial. O mundo é dos americanos, e foram eles que criaram a mídia do jeito que é hoje. Não se trata de pensar se precisamos de um Big Brother ou não. Consome-se e pronto, é o que se tem, o que se precisa para continuar no grande pesadelo capitalista.
Funcionários, operários, bancários, jornalistas, engenheiros, médicos, professores, biscateiros, os sem-nem-biscate ? todos escravos da nova ordem. Opiniões não interessam. Os que forem contra que fiquem de fora, morram de fome, marginalidade, eliminação por uma nova lei de sobrevivência. De qualquer maneira há que se trabalhar muito, por dois, por três, há que se comer os olhos de quem está do lado, é imprescindível que se represente e nem ter basta; é necessário ser o que está pré-programado. Éramos felizes e não sabíamos no tempo em que gritávamos que ser era mais importante do que ter.
Não existe mais opinião pública. Ela também já foi programada. Não existe notícia, a verdade só pode ser lida em livros de ficção.
No pesadelo capitalista comemos venenos e uma infinidade de produtos químicos. Esses produtos fabricam doenças que alimentam pesquisas que soterram fortunas públicas em grandes concentrações de renda. E a coisa dantesca vai indo, emenda as tranças na medicina, na engenharia, passa pela padaria. O troco fica com a maioria, claro, que se prende a briga pelas migalhas e esquece de olhar para cima. Isso tudo é muito antigo e repetitivo, todos sabem que Roma foi a razão da briga, e não Cleópatra. Mesmo assim, cá estamos de novo na mesma, do mesmo jeito, tantos anos depois.
Verdura do verdureiro
Caríssimo professor Ivo Lucchesi, suas intenções são as melhores mas, infelizmente, somos apenas uma minúscula parte do funcionamento de uma imensa catraca que está emperrada desde o começo da história ou do começo em que a história começou a ser contada.Eu tinha esperança, mas depois que o Gil, o Gil… o Gilberto Gil… disse que ia continuar seus shows porque os mais de R$ 8 mil não eram suficientes para ele viver perdi completamente a fé. A narcocultura vai continuar incólume e os artistas da periferia, do interior, vão continuar mambembes, moribundos, quase mendigos, definitivamente marginalizados. Já pensou se a CPI pegasse o pessoal que controla o dimdim da cultura? Ai, ai, heróis da Caras!
A representação é o que dói mais no ofício da arte ou fora dele. Outro dia escutei o deputado Luiz Antônio Fleury Filho, aquele que se aposentou aos 42 anos, se metendo a discursar sobre ética, metendo a colher na história endiabrada da Previdência.
Olha, professor Lucchesi, o senhor me desculpe, mas se o senhor tem uma família, filhos, netos, esses corpos filogenéticos, faça mais por eles, tente passar para eles, diretamente, as suas noções de ética. Ninguém mais pode com esse mundo, a união não faz mais a força. Unidos todos se tornam comprados. Voltemos ao começo, um a um, cada um, cada família, célula por célula, carne do açougueiro, leite do leiteiro, verdura do verdureiro, carro da oficina mais próxima. O mundo globalizado, das grandes corporações, dos grandes bolsões de dinheiro, não deu certo. Somos muitos, estamos todos nos mesmos lugares, fazendo as mesmas coisas, cumprindo as mesmas leis, infelizes sob as mesmas condições e nunca fomos tão impotentes.
De qualquer maneira, bandeira branca, bandeira branca sempre.
(*) Jornalista
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