Saturday, 28 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Base governista domina concessões de radiodifusão

ENTREVISTA / ISRAEL BAYMA

Luiz Antonio Magalhães

Uma pesquisa realizada com 3.315 concessões de emissoras de radiodifusão brasileiras revela que 37,5% do total (pouco mais de 1.220) são exploradas por políticos do PFL. Membros do PMDB aparecem em segundo lugar: são sócios de 17,5% das emissoras. Na seqüência está o PPB, com 12,5%, o PSDB e o PSB empatados, cada qual com 6,25%. Todos os demais partidos não superam 5% do total.

Em outras palavras, a chamada base aliada do governo FHC domina incríveis 73,75% do total de emissoras de radiodifusão do país.

O estudo foi realizado por Israel Fernando de Carvalho Bayma a partir de um cruzamentos de dados da Anatel, Ministério das Comunicações e do TSE ? para a assessoria técnica do PT na Câmara dos Deputados.

O autor procura mostrar, por meio dos números que obteve na pesquisa, a persistência do caráter político na distribuição de concessões de radiodifusão. "Se non è vero, è bene trovatto", diriam os italianos. Ou há argumento "técnico" para que o sobrenome Sarney apareça como sócio de 56 emissoras de rádio e TV? Ou para que Elcione Barbalho ? a ex de Jader? seja sócia de 5 das 15 concessões pertencentes à família?

A rigor, o paper de Israel Bayma não revela novidades. Muita gente dá como certa a hipótese de que políticos aliados do governo sejam os grandes beneficiários por concessões de rádio e TV. O que a pesquisa apresenta, de certa forma, é a comprovação desta tese: os números e o nomes estão lá, para quem quiser conferir.

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para fazer o download do arquivo com a íntegra da pesquisa
de Israel Bayma. O arquivo tem cerca de 1,5 Mb. Em entrevista ao Observatório
da Imprensa
, Israel Bayma explica a metodologia do seu trabalho e fala do
futuro das telecomunicações no país com a provável
entrada do capital estrangeiro no setor.

Quantas emissoras de rádio e TV foram pesquisadas no seu estudo sobre a concentração da propriedade nos meios de comunicação? A amostra é representativa do total de emissoras do país?

Israel Bayma ? Foi pesquisado o universo total. Fiz a minha pesquisa enquanto Assessor Técnico da Bancada do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados. Em 1999 e em 2000 os deputados federais Walter Pinheiro e José Dirceu apresentaram Requerimento de Informações ao Ministro das Comunicações solicitando a relação de emissoras de radiodifusão, para os serviços de AM, FM, OC, OT, TV, RTV, RadCom, contendo dados cadastrais como características técnicas da emissora, localização dos transmissores e estúdios, nome fantasia, freqüência de transmissão, potência máxima irradiada, sócios, diretores dentre outras. Os dados foram apresentados em modo impresso (papel) e eletrônico (arquivos .doc). Esses arquivos eletrônicos foram transformados em um banco de dados e manuseados através de várias consultas. Totalizaram mais de 33.000 registros de banco de dados. Esse foi o universo pesquisado. Todas as emissoras de rádio e televisão que constam no cadastro do MiniCom, até maio de 2000. Ressalto que não trabalhei com retransmissoras e repetidoras de TV. Além disso, foram utilizadas informações sobre rádios comunitárias retiradas do Diário Oficial da União e da relação de emissoras habilitadas pelo Ministério das Comunicações, a partir de resposta do próprio Ministério ao deputado Walter Pinheiro, em atendimento a outro Requerimento de Informações apresentado em 2001. Usei, também, dados da própria Agência Nacional de Telecomunicações. Para cruzar dados sobre os partidos políticos e os políticos usei as bases de dados do TSE referente às eleições de 1998 e 2000. estamos trabalhando, ainda, com os dados referentes às eleições de 1996.

Assim, trabalhei, como resultado do cruzamento, com 3.315 emissoras de radiodifusão, sendo que 271 destas são de televisão, 1.579 de OM, 64 de OC, 80 OT e 1.321 de FM. Por fim, esclareço que não se tratou de uma pesquisa por amostragem mas sim de relacionamento de bases de dados sobre informações oficiais a partir do desenvolvimento de um modelo que se utiliza de aplicações de banco de dados usando os recursos do aplicativo StarOffice rodando em ambiente Linux. Para consultas realizei aplicações com a ferramenta MySQL. Um software livre.

O resultado do cruzamento de dados realizado no estudo mostra que políticos de partidos da base governista são a maioria absoluta dos agraciados por concessões de radiodifusão. Como foi feito este cruzamento de dados?

I.B. ? Trabalhou-se com a filiação partidária dos vereadores, prefeitos, deputados estaduais, deputados federais, senadores e governadores que detêm participação societária em emissoras de radiodifusão. Encontrei, inclusive, parlamentares como diretores de emissoras, o que é proibido por lei. É claro que essas informações podem estar defasadas mas a responsabilidade pelos dados armazenados é do Minicom e dos detentores de concessões. O Ministério forneceu a relação nominal dos sócios, embora tenha sido solicitada a relação com todos os CPF e CGC, esses campos não foram contemplados, o que facilitaria, enormemente, a busca. A partir do campo de nome do parlamentar cruzou-se os dados com o campo do nome do sócio. É possível que tenham nomes homônimos na relação, mas se procurou confirmar a participação ou não desses parlamentares em concessões de radiodifusão e todas têm sido mantidas. Poucos casos puderam ser evidenciados como erros, ou melhor dizendo, desatualizações, o que nesse universo seria normal e pouco representativo. Acredito que possam ser menos de 3%. E essas seriam as principais razões: os parlamentares mudaram de partido; o nome parlamentar é diferente do nome civil; é homônimo; já faleceu; solicitou alteração do cadastro e não foi feito pelo Minicom; vendeu a participação na emissora; desligou-se da sociedade. Essas podem ser as principais incongruências em uma pesquisa dessa ordem.

Eventualmente, pode ocorrer erro no uso das ferramentas de informática mas não se verificou até o momento. Tem-se procurado repetir exustivamente o uso do modelo para que, cientificamente, se possa confirmar a metodologia utilizada. Algumas incongruências são bastante interessantes. Têm deputados federais que só depois dessas informações é que disseram que iriam oficiar ao Ministério a retirada dos seus nomes das emissoras, pois já haviam vendido as suas participações. Ocorre que qualquer alteração nas participações societárias de emissoras de radiodifusão tem que passar pelo Congresso Nacional.

Governador e candidato a candidato a presidente da República ? pelo menos foi o que vários jornalistas disseram-me ? negaram que sejam sócios, mas seus nomes constam da relação do Ministério. Outro caso interessante é que no cadastro do Ministério constam nomes de sócios que se diferenciam dos nomes civis dos parlamentares. Por exemplo: Roseana consta como Roseane. Acredito que no próximo anos acrescentaremos como base de dados as informações que constam no Cadastro do Fistel da ANATEL que pelas informações que possuo são bastante completas.

Enfim, procurando-se relacionamentos dos dados dos deputados, senadores, vereadores, prefeitos e governadores eleitos em 1998 e 2000, a partir das informações do TSE, com os dados do banco de dados, identificou-se quem detém participação nas emissoras e relaciona-se todos os dados dessa emissora, do endereço à ERP, do nome fantasia à rede a qual está ligada, os nomes do seus diretores e o prazo de vigência da concessão. A partir daí, usando recursos de geração de gráfico, são montados os gráficos em forma de torta apresentando os percentuais de participação societária de políticos desses partidos.

Quais são os critérios para o governo conceder uma concessão de rádio e/ou TV a um determinado grupo ou pessoa? E como se dá, na prática, o processo de concessão?

I.B. ? Permita-me ser mais técnico nessa resposta. Do ponto de vista legal, a outorga de permissão, concessão e autorização para executar serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens estão admitidas na alínea a, inciso XII, do art. 21, da Constituição Federal. A Constituição também estabelece, em seu art. 223, a atribuição para que o Poder Executivo possa outorgar concessão, permissão e autorização para o referido serviço, ao mesmo tempo em que condiciona a eficácia do correspondente ato à deliberação do Congresso Nacional. A legislação aplicável ao serviço de radiodifusão compreende o Código Brasileiro de Telecomunicações ? a Lei n? 4.117, de 27 de fevereiro de 1962, e o Decreto-lei n? 236, de 28 de fevereiro de 1967. Já a outorga do Poder Público, para a execução de serviço de radiodifusão de sons e imagens, com fins educativos, é regulada pelo Decreto n? 52.795, de 31 de outubro de 1963, com a redação do Decreto n? 91.837/85, o Decreto n? 2.108/96 e a Portaria Interministerial n? 651/99 (MEC/MC).

De acordo com esses instrumentos jurídicos, a outorga de concessão para execução de serviço de radiodifusão de sons e imagens, com fins exclusivamente educativos, independe de edital. Além disso, outros dispositivos vêm constituir o arcabouço legal das telecomunicações mais geral e da radiodifusão, em específico. O chamado paradoxo da radiodifusão, introduzido quando da revisão da Constituição Federal, em 1995, separou os serviços de rádio e a televisão dos chamados serviços de telecomunicações, distinguindo-os, assim, de seus congêneres próximos como a TV a Cabo, o MMDS, o DTH e mesmo as futuras novas modalidades de rádio por assinatura. Com a argumentação de que, face ao esgotamento do Estado em prover recursos para o desenvolvimento do setor de telecomunicações, caberia ao mercado explorar esses serviços, foi emendado o art. 21 da Constituição, determinando-se que os serviços de telecomunicações e os serviços de radiodifusão seriam executados diretamente pela União ou através de concessão, permissão e autorização. Os serviços de telecomunicações seriam, assim, explorados nos termos da lei, que hoje são disciplinados pela Lei n? 9.472, de 16 de julho de 1997, a Lei Geral de Telecomunicações (LGT).

Já para os serviços de radiodifusão seria mantido o arcabouço legal vigente, ou seja, a Lei n? 4.117/62.No que diz respeito à radiodifusão cabe à Agência Nacional de Telecomunicações, a ANATEL, a competência pelo gerenciamento do espectro, a Lei n? 9.472, em seu artigo 215, revogou a Lei n? 4.117, salvo quanto a matéria penal não tratada nessa lei e quanto aos preceitos relativos à radiodifusão. Ao tratar da propriedade dos meios de comunicação o art. 12 do Decreto n ? 236, define que cada entidade só poderá ter concessão ou permissão para executar serviço de radiodifusão, em todo o país, dentro dos seguintes limites:

I ? Estações radiodifusoras de som: a) Locais: Ondas Médias ? 4 Freqüência Modulada ? 6 b) Regionais: Ondas Médias ? 3 Ondas Tropicais ? 3 sendo no máximo 2 por Estado c) Nacionais: Ondas Médias ? 2 Ondas Curtas ? 2 II ? Estações radiodifusoras de som e imagem ? 10 em todo território nacional, sendo no máximo 5 VHF e 2 por Estado. Estabelece, também, que cada estação de ondas curtas só poderá, fora dessas limitações, utilizar uma ou várias freqüências que lhe tenham sido consignadas em leque. Ao mesmo tempo, não são computadas as estações repetidoras e retransmissoras de televisão, pertencentes às estações geradoras. Ao dispor sobre os limites à concentração da propriedade ficam explícitos na lei que não poderão ter concessão ou permissão às entidades das quais faça parte acionista ou cotista que integrem o quadro social de outras empresas executantes do serviço de radiodifusão, além dos limites já fixados.

Além disso, nenhuma pessoa poderá participar da direção de mais de uma empresa de radiodifusão, em localidades diversas, em excesso aos limites estabelecidos. Ao tratar, mais uma vez, da concentração de propriedade, notadamente das organizações de sistemas de redes, o Decreto estabelece que as empresas concessionárias ou permissionárias de serviço de radiodifusão não poderão estar subordinadas a outras entidades que se constituem com a finalidade de estabelecer direção ou orientação única, por meio de cadeias ou associações de qualquer espécie. Embora a Constituição Federal disponha sobre o “princípio de complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”, a radiodifusão brasileira conhece, tão somente as emissoras estatais e privadas. As estatais, que pertencem à União, aos Estados, e aos Municípios. As demais emissoras são as privadas e às vezes identificadas como comerciais.

Na prática as coisas tem ocorrido de maneira diferente: desde 1994, o Governo Fernando Henrique Cardoso tem afirmado que o processo licitatório de emissoras de rádio e televisão não mais repetiria o ciclo histórico, "em que as concessões de meios de comunicação de massa eram um poderoso trunfo político que o governo usava para arregimentar e agradar aliados". Já em 1997, o Governo Federal afirmava que "todo o serviço de radiodifusão no país seria outorgado por critérios públicos e transparentes". Ora, à época, o Ministro das Comunicações repetia que não mais seriam distribuídas emissoras de rádio e TV para empresas ligadas a deputados e senadores, teve que comparecer à Câmara dos Deputados para prestar esclarecimentos sobre a compra de votos de deputados favoráveis à emenda da reeleição. Já em 2000, mais uma vez, a imprensa denunciava que renascia um símbolo no Governo FHC: o balcão de concessões de emissoras de rádio e televisão.

O Decreto n? 3.451, de 9 de maio de 2000, em seu artigo 47, transformava canais do PBRTV para o correspondente Plano Básico de Distribuição de Canais de Televisão sem sequer passar pelo Congresso Nacional. Ou seja, mais de 5.636 repetidoras de serviços de sons e imagens (RTV) de atuais autorizadas poderiam transformar-se em concessionárias geradoras educativas.

Com a possibilidade da abertura ao capital estrangeiro em até 30%, essas emissoras podem passar a valer muito dinheiro. Pode ser até verdade que muitas emissoras educativas não têm fins lucrativos, mas há que se duvidar de que a Fundação Médico-Hospitalar, do ex-deputado federal Sérgio Naya, não tenha fins lucrativos.

Embora tendo projetado uma arquitetura de serviços coerente com a década de sessenta, quando se destacavam as tecnologias eletromecânicas, os transmissores a válvulas e as radiocomunicações em OM e OT, o Código Brasileiro de Telecomunicações está técnica e tecnologicamente revogado. Anterior mesmo à disseminação dos canais de FM, e ao conhecimento das tecnologias das informações e comunicação, o CBT deu o mesmo tratamento jurídico do rádio à televisão. Quando da sua aprovação a televisão era um serviço local e não se falava, ainda, em microondas, satélite, fibra óptica etc.

Em anos de existência, o CBT já foi muito deformado; mais de dois terços de seus artigos foram revogados por leis e decretos editados ao longo de mais de três décadas. Desta forma, os seus mecanismos de controle, para estabelecer limite à propriedade cruzada ou mesmo fazer cumprir o parágrafo 5?, do art. 220, da Constituição que estabelece que os meios de comunicação não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio, são extremamente frágeis.

Como disse anteriormente sobre outra base de dados é fundamental que se relacione informações sobre a propriedade das empresas de televisão a cabo, serviços de DTH, jornais e revistas, editoras, provedores de Internet, portais sobre comunicação e jornalismo, bem como sobre telefonia para que se tenha assim, um levantamento de todos os meios de comunicação.

No estudo, o senhor trabalha com o conceito de coronelismo eletrônico. Poderia explicar melhor o significado do termo?

I.B. ? A literatura política brasileira tem utilizado o termo coronelismo como uma forma peculiar de manifestação do poder privado, com base no compromisso e na troca de proveitos com o poder público. A ciência política trata como coronelismo a relação entre os coronéis locais, líderes das oligarquias regionais, que buscavam tirar proveito do poder público, no século XIX e início do século XX. Hoje, não há como deixar de se associar esse termo aos atuais impérios de comunicação mantidos por chefes políticos oligárquicos, que têm, inclusive, forte influência nacional. O compadrio, a patronagem, o clientelismo, e o patrimonialismo ganharam, assim, no Brasil, a companhia dos mais sofisticados meios de extensão do poder da fala até então inventados pelo homem: o rádio e a televisão.

Constituindo-se em um dos traços determinantes do atual poder oligárquico nacional, a posse de estações de rádio e de televisão por grupos familiares e pelas elites políticas locais ou regionais é o que se convencionou chamar de coronelismo eletrônico.

Instrumentos de poder e de troca de favores e interesses, as concessões de rádio e televisão têm servido, no Brasil, como moeda de troca entre o Governo Federal e o setor privado. Entre 1985 e 1988, o então Presidente Sarney concedeu um grande número de licenças de emissoras de rádio e TV para empresas ligadas a parlamentares federais, os quais ajudaram a aprovar a emenda que lhe deu 5 anos. Já na era Fernando Henrique Cardoso, até setembro de 1996, foram autorizadas 1.848 licenças de RTV, repetidoras de televisão, sendo que 268 para entidades ou empresas controladas por 87 políticos, todos favoráveis à emenda da reeleição.

O termo coronelismo eletrônico, na análise que fiz sobre propriedade cruzada e concentração da propriedade, é adotado baseando-se nas observações que vêm sendo utilizadas por vários pesquisadores da área da comunicação, e adotei, como referencial teórico aquelas feitas por Célia Stadnik, Murilo Ramos,Venício Lima, Luis Miguel e Roberto Amaral. Acho-o apropriado por retratar uma prática de grupos políticos a familiares que detém o poder político em regiões do país, políticos esses que têm forte ascendência sobre as grandes decisões nacionais.

Qual a sua avaliação da mudança no artigo 222 da Constituição Federal, que permitiu a abertura do setor de mídia ao capital externo? O coronelismo eletrônico resistirá à entrada dos estrangeiros no setor?

I.B. ? O meu estudo tem a pretensão de continuar investigando a concentração de propridade dos meios de comunicação no país. Mantendo o seu caráter empírico mas sem deixar de amparar-se em modelos teóricos para tal. Assim, não é possível afirmar que há democratização dos meios de comunicação quando menos de 3,5% da população brasileira acessa, por exemplo, a Internet. Por outro lado, quando se apregoa que os serviços de telecomunicações ? infra-estrutura necessária para os novos meios de comunicação ? atinge regiões longínquas do Brasil e permite que povos nativos ? os indígenas ? possam usar aparelhos celulares não passa de uma manipulação acintosa contra a dignidade do povo brasileiro! Falar em democratização e universalização dos serviços de telecomunicações quando tem estados brasileiros com mais de um terço da sua população analfabeta. Quando telefones públicos não passam de peças de decoração em ruas de ricos. Quando milhões de brasileiros estão abaixo da linha de pobreza, milhões estão desempregados, milhares de trabalhadores foram demitidos das empresas de telefonia através das suas reestruturações produtivas. Quando famílias controlam o universo das emissoras de rádio e televisão do país! Quando a qualidade dos programas da televisão brasileira é aquela da Casa dos Artistas! Dizer tudo isto é, no mínimo, para deixar, os cidadãos que ainda têm condições de se indignar, mais indignados.

Assim, acredito que a Proposta de Emenda à Constituição 203-B/95 nada trará de novo a não ser tentar equacionar um problema de caixa das empresas de radiodifusão e jornalísticas. Frente à necessidade de enfrentarem os novos players das comunicações, que são as empresas de telefonia que querem ser provedoras de conteúdo através dos eus cabo de fibras ópticas, a PEC é uma total barafunda, como diz o prof. Murilo Ramos, da UnB.

Neste aspecto, acredito que o recente texto aprovado pela Câmara dos Deputados, diferentemente do texto original da PEC, evitou um mal maior: trouxe para o debate mais amplo a discussão sobre o conteúdo das empresas de radiodifusão e jornalísticas, inclusive. Ao introduzir a necessidade de se dispor em lei sobre o conteúdo de empresas de comunicação social dispôs que deverão ser submetidas à função social da propriedade todas essas empresas independentes da sua plataforma tecnológica. Ou seja, deverão atender aos princípios do art. 221 da CF, também, as empresas de telecomunicações que venham a fazer comunicação social, inclusive, na Internet. Essa concepção não é nova. Foi intentada pelos partidos de oposição em 1987/88 quando da Constituinte e foi rejeitada pela maioria comandada pelo Centrão. Acho que as oposições, se conseguirem estabelecer uma correlação de forças favorável, podem, a partir deste texto constitucional, apresentar ao país um nova legislação de comunicação social que seja mais democrática e privilegie os valores locais e defina claramente o que é produção de conteúdo nacional e assegure a pluralidade de visões nos meios de comunicação.

Quanto ao aspecto de ser capital estrangeiro ou nacional, acho que essa não é a questão central. Afinal, capital não tem pátria. Assim, acho que a PEC deveria ser integralmente rejeitada pelo Congresso brasileiro. No entanto, sei que se fosse aprovado o texto original, contra o qual votaram os partidos de oposição na Comissão Especial que apreciou a matéria, o PT por exemplo, apresentou voto em separado contra a PEC, e foi derrotado ? vocês podem lê-lo e ver o parecer que escrevi sobre a PEC, em <www.pt.org.br/assessor/infra.htm> ? considero que houve uma mudança significativa no seu caráter: ela hoje deve ser regulamentada, os acionistas das empresas deverão ser identificados, na forma da lei, que deverá dispor, por exemplo, de mecanismos antitrustes.

Deverá haver uma legislação de conteúdo ou mesmo uma nova lei geral de comunicação. Enfim, traz a possibilidade de que seja dada preferência aos profissionais brasileiros na produção e execução de conteúdo. Esse texto, embora possa parecer mais um anseio corporativo, é, na verdade, um princípio constitucional, portanto, genérico, o qual deverá ser melhor explicitado na legislação ordinária.
Claro que se repete-se no Brasil o padrão universal de concentração de propriedade. Há uma oligopolização do rádio e da televisão como foi possível verificar no trabalho que produzi a partir das pesquisas que estou realizando. O que já vinha e vem sendo denunciado há muitos anos por pesquisadores da área. Não são novidades. Os especialistas, a imprensa, as entidades da sociedade civil, os estudantes, os partidos políticos de oposição, dentre outros vêm denunciando que só o monopólio da Rede Globo, que se constitui em uma clássica concentração horizontal, ou seja, aquela que ocorre em uma mesma área, é um exemplo da falta de democratização no setor.

Em recente comentário à consulta pública promovida pela FCC ? agência americana que trata das comunicações ? lá não há separação entre telecomunicações e comunicação ? especialistas identificaram uma forte concentração na propriedade dos meios de comunicação nos EUA, ferindo as liberdade civis e os direitos humanos. Uma demonstração de que haverá sempre uma tendência à concentração dos meios de comunicação notadamente hoje quando a informação transforma-se em uma mercadoria. Essa é a lógica capitalista.

Nos EUA, na Europa e na América Latina, África e Ásia não deve ser diferente. Por isso, não acredito que a abertura ao capital estrangeiro vá alterar substancialmente esse quadro. Pelo menos em um primeiro momento, haja vista a característica familiar e oligárquica da concentração de propriedade do Brasil. Afinal, existem informações que empresas estrangeiras já detenham contratos de gaveta com grupos nacionais, ou famílias, ou opções de credo religioso que atuam, inclusive, captando recursos em paraísos fiscais. A participação do capital estrangeiro, portanto, não é novidade.

No setor de televisão a cabo, por exemplo, onde a participação do capital estrangeiro pode se dar em até 49%, o serviço é caro, não há competição, os órgãos antitrustes não atuam efetivamente contra práticas anti-monopolistas ? acho até que deveria haver uma lei de quarentena para ex-conselheiros ou ex-dirigentes de agências executivas, por exemplo, pudessem vir a atuar em benefício de agentes do mercado ? há uma baixa penetração do serviço, as empresas são deficitárias, lutam, hoje, no Senado Federal, para que a lei possa ser alterada e permita uma participação de até 100% do capital estrangeiro. Nesse setor, segundo especialistas, há uma forte concentração de um único grupo, que é o mesmo que atua na televisão aberta.

Por fim, gostaria de dizer que não sou um especialista em comunicação. Sou um engenheiro eletrônico, militante profissional há mais de 20 anos, que procura entender como essas novas tecnologias da informação se inserem em uma sociedade mundializada e como a infra-estrutura básica de uma revolução tecnológica, que já começou há algum tempo, não se sabe em que estágio está, nem para onde caminhará, poderá ser usada democraticamente. Para isso, é fundamental que seja assegurado que essa tecnologia venha a ser utilizada em benefício de todos e não de uma pequena parcela da humanidade: a daqueles que possam pagar por ela.