INQUÉRITO HUTTON
Agora é oficial. O advogado da BBC disse ao Inquérito Hutton que a corporação "lamenta" que a primeira reportagem de Andrew Gilligan para o programa Today sobre o dossiê de armas de destruição em massa no Iraque não tenha distinguido suficientemente o que era comentário de David Kelly e o que era interpretação do jornalista ao que a fonte havia dito.
O inquérito foi montado desde a morte de Kelly a fim de apurar os procedimentos da BBC. Ele era cientista da Defesa britânica e fonte da reportagem de Andrew Gilligan para o Today, da BBC. Aparentemente, o cientista não suportou a pressão e se suicidou.
O advogado, Andrew Caldecott, declarou ao inquérito que a BBC também admitiu que o governo deveria ter sido avisado da reportagem transmitida em 29/5, a qual acusava a Downing Street de ter "exagerado" no dossiê, inserindo detalhes para torná-lo mais "atraente". Caldecott reconheceu também que Gilligan errou em não deixar claro que suas alegações de que o governo inseriu informações errôneas no dossiê propositalmente estavam baseadas em sua própria interpretação do que Kelly havia lhe dito, e não em citações do cientista. Informações de Jason Deans [The Guardian, 25/9/03].
O caso da reportagem de Gilligan sobre o dossiê de armas de destruição em massa no Iraque foi um catalisador, mas o fato é que a BBC, para Sarah Lyall [The New York Times, 25/9], perdeu o seu brilho e o motivo não é apenas o que se está apurando no inquérito Hutton.
O senso de que a BBC de alguma forma pertence à Grã-Bretanha e reflete a nação fundamentou e provocou a atual onda do sentimento anti-BBC. O carro-chefe dessa onda é o caso de Gilligan. Mas não é só isso. O público tem reclamado da tendenciosidade e irresponsabilidade da corporação e tem também questionado se os noticiários da BBC ainda inspiram o respeito de outrora. Até os mais fervorosos amantes da BBC têm demonstrado preocupação em relação à credibilidade da instituição. Pesquisa recente revelou que, para o público, a corporação é mais confiável que o governo, a monarquia e a igreja. Mesmo assim, teme-se pelo resultado de novas pesquisas, uma vez que a BBC deu escorregões memoráveis em editoriais e mostrou-se inábil em negociar mudanças na transmissão.
"Temos uma instituição que está sendo analisada, rivalizada e atacada como nunca antes", afirmou Lorde Bragg, veterano do meio televisivo que trabalhou na BBC e em algumas de suas concorrentes.
A corporação, regulada pela sua própria comissão diretora, tem poucos amigos no meio político de qualquer partido. "A BBC deveria se posicionar entre os dois partidos políticos, mas como ser imparcial se a sensação é de que ela fica à esquerda do Partido Trabalhista [de esquerda]?" disse John Whittingdale, parlamentar conservador e porta-voz do partido para assuntos de cultura e mídia.
Ao investir mais em seu braço comercial, o que inclui um impulso nos negócios nos EUA, a BBC também se vê na defensiva quanto à taxa anual de US$ 192 que todo britânico com uma TV a cores em casa deve pagar. A arrecadação rende à corporação US$ 5,85 bilhões todo ano. "Um número cada vez maior de pessoas deixa de assistir ou ouvir à BBC e mesmo assim precisam pagar taxas pesadas", afirmou Jon Snow, âncora de um influente noticiário do Channel 4, concorrente comercial da BBC. "É ridículo cobrar de alguém (…) uma taxa sobre algo que não usa."
A BBC também tem sido acusada de não cumprir seu papel de monitora imparcial dos eventos mais importantes do mundo, e de seu desejo de ser comercialmente competitiva em um clima mais opinativo da mídia ter distorcido seus valores. Alguns de seus âncoras e correspondentes, para os críticos, são tão agressivos e insolentes como qualquer outro; além disso, há uma preocupação com o risco de o senso básico de justiça, vital a uma instituição financiada com dinheiro público, ter sido subestimado.
Quando falam em reportagens e comentários agressivos, esses críticos referem-se basicamente à atuação de Greg Dyke como diretor-geral da corporação. Ele é conhecido entre executivos da indústria como um entusiasta do mercado da audiência que defende o jornalismo agressivo, no qual a BBC tenta dar furos de reportagem em vez de apenas reportá-los. É justamente essa linha que fez com que Gilligan tenha se metido em encrenca, na ânsia por ser exclusividade no competitivo mundo da TV.