PALAVRAS PROIBIDAS
Luiz Weis (*)
O Serviço Mundial da BBC de Londres aboliu a palavra "terrorismo" do noticiário sobre o 11 de setembro. "Ataques", "atentados" ou similares são os termos que os seus jornalistas devem utilizar quando se referirem à destruição do World Trade Center e de uma ala do Pentágono.
A explicação para o veto, apresentada em um recente seminário em Barcelona, é que a reputação de imparcialidade das transmissões para o exterior da rede pública britânica de rádio e TV poderia ficar em xeque se as matérias sobre o acontecimento contivessem o que um diretor do serviço chamou "expressões subjetivas".
A sua premissa é um fato objetivo: com certeza, uma parcela dos ouvintes e espectadores estrangeiros da BBC não acha que os vôos suicidas contra alvos em Nova York e Washington tenham sido manifestações de terror, mas atos legítimos de uma guerrra justa ? ou santa ? contra os Estados Unidos.
Além disso, o que uns consideram organizações terroristas são, para outros, movimentos de libertação nacional. É o caso do IRA, na Irlanda, do Hamas e da Jihad Islâmica, na Palestina, e do ETA, na Espanha, para mencionar apenas os grupos mais citados no noticiário.
Mas a BBC está errada. Primeiro, porque fazer jornalismo é contar a verdade ? o que inclui chamar as coisas pelos nomes e exclui a busca de fórmulas para agradar (ou para não desagradar) audiências. Não é dourando pílulas ou fugindo a controvérsias que um órgão de imprensa promove a sua credibilidade.
Um órgão de imprensa merece crédito quando as suas matérias deixam claro o esforço de apurar, da maneira mais exata e completa, com o mínimo humanamente possível de facciosismo, todos os aspectos relevantes de todos os fatos relevantes que formam aquilo que se chama notícia.
Isso abrange, por definição, dar vez e voz a todos os seus protagonistas, proporcionalmente à sua importância percebida no acontecimento. Jornalismo honesto, porém, não é sinônimo de jornalismo indiferente aos valores humanistas. O essencial é não escamotear coisa alguma do público.
Muito menos, em nome da imparcialidade, justifica-se encarar com equivalência moral agressores e agredidos, em conflitos cujas manifestações não deixam dúvidas sobre quem é quem. A mesma BBC, quando cobre a repressão israelense à intifada nos territórios palestinos, por exemplo, faz o serviço direito: mostra os fatos e toma claramente o partido das vítimas.
É elementar que uma notícia deva ser redigida com o máximo de substantivos e verbos, e com o mínimo de adjetivos e advérbios. Redundâncias também devem ser evitadas. "Ataques", quando já se sabe de que ataques se está falando, dispensam acompanhamentos adjetivos, como "terroristas".
Mas, quando a boa informação requer que o substantivo seja qualificado, fugir disso é covardia. Ou hipocrisia: para o público interno, a BBC pode falar em terrorismo; para o público externo, dobra a língua na esperança ? tola ? de ser julgada isenta por quem acha Osama bin Laden um herói.
Sim, mas…
Hugh Latimer, reformador religioso inglês do século 16, recusou um bispado para poder pregar "sem medo nem favor". A expressão, que ele parece ter sido o primeiro a usar, acabou se tornando sinônimo de jornalismo independente. Agora, por medo, a BBC faz um favor despropositado para um setor de sua audiência.
Pois, de duas, uma: o que se passou nos Estados Unidos a 11 de setembro ou foi terrorismo, ou não foi. Se foi ? e a decisão editorial sobre isso é intransferível ao público leitor ou ouvinte ?, a organização jornalística, por ética profissional, tem o dever de ser coerente com o seu próprio julgamento, em vez de omitir-se.
Já se disse e se repetiu "n" vezes que o terrorista de hoje pode ser o estadista de amanhã ? Menahem Begin, Jomo Kennyata, Nelson Mandela, Gerry Adams, entre muitos outros, não deixam ninguém mentir. Nem por isso, quando pratica atos de violência contra populações civis, terrorista ele deixa de ser.
O que a imprensa pode pôr em foco é a legitimidade desses atos ? quando, para falar de novo do Oriente Médio, os civis visados se instalaram, como colonos, em território alheio tomado pela força. Faz tempo, aliás, que o direito de conquista foi abolido.
Assim, o noticiário não estará deturpando a realidade se registrar que o palestino que atira contra um colono judeu na Cisjordância combate um invasor. Mas se esse mesmo palestino deve ser mostrado como um criminoso se detonar um carro-bomba em Israel. O seu suicídio nada muda.
Assim como, queira ou não a BBC, são criminosos os etarras que, a pretexto da independência do País Basco, matam indistintamente conterrâneos e outros espanhóis. São, aliás, duas vezes criminosos: porque na Espanha pós-franquista a autonomia regional é um fato; e porque os bascos não querem deixar de ser espanhóis.
No caso do World Trade Center, até o pessoal do "sim, mas" ? "foi um horrível ato terrorista, mas os EUA colheram o que plantaram" ? deve achar que a BBC peca por excesso de zelo, ao contrário das redes americanas que sempre pecaram por falta (de dar o devido espaço aos críticos das ações de Washington).
Atribui-se a Sartre a frase de que um romance não se escreve com idéias, mas com palavras. Pela mesma lógica, também uma reportagem não se escreve com fatos, e sim com palavras. Na ficção e na realidade, elas têm o poder de provocar em quem as lê ou ouve reações que se descolam da própria força das coisas às quais se referem.
Por isso mesmo, quando são indispensáveis para dar sentido aos fatos, certas palavras não devem ser postas para fora de uma notícia (nem, em caso contrário, enfiadas dentro dela), em nome de um politicamente correto que faz mau uso da expressão "objetividade jornalística".