Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Bíblias de maus profetas

CADERNOS DE ECONOMIA

Sidney Borges (*)

Perguntar a um banqueiro como vai a economia do Brasil é perda de tempo. Foi isso que a Folha de S.Paulo fez ao entrevistar Roberto Setúbal, do Banco Itaú. Para essa classe de privilegiados só há uma resposta possível. Tudo vai às mil maravilhas. Se a proposta é informar o andamento da economia, o entrevistado deveria ser outro. Sugiro alguém que não viva as delícias de pertencer ao único segmento que ganha, enquanto todos perdem. Que tal ouvir a opinião de um comerciante de Ubatuba, saber como vão os negócios?

Não há no mundo imprensa que dê tantas informações desnecessárias aos leitores, como a brasileira. Quase tudo o que sai nos cadernos de economia só interessa ao andar de cima, onde se situam os plantadores de notícias. No meio jornalístico recebem o nome de fontes. Até os donos dos jornais acabam acreditando nas fantasias ? plantadas pelas fontes ? que publicam. E depois, quando estão à beira da falência, tentam usar o dinheiro do povo para poder continuar publicando o que não interessa ao povo.

Quando não é alguém do universo financeiro o convidado para comentar a conjuntura, chamam um economista, de preferência cheio de títulos americanos ou europeus. Aí o caldo entorna de vez. Páginas são preenchidas com previsões, projeções e citações de notáveis. Tudo sai às avessas. Caso um vidente se engane, cai em desgraça. Quem se lembra da Mãe Dinah?

No caso dos economistas, não se sabe o porquê, previsões erradas são toleradas, acabando inclusive em promoções. O cidadão vai aos jornais ou à televisão e anuncia que as coisas vão melhorar. Afirma que a economia do Brasil crescerá 20% no próximo ano. Quando as previsões são confrontadas com a realidade, nota-se que a economia diminuiu. Sabem o que acontece com o autor das falácias? É convidado para consultor privilegiado do governo e colunista dos maiores jornais do país. Logo está dando novas entrevistas e escrevendo mais textos cultos para anunciar coisas que nunca acontecerão. Os jornalistas do setor acreditam e publicam, nos mínimos detalhes, exatamente o que diz o Merlin do momento.

Quase ministro

Em certa época eu era notívago e assistia aos programas que encerravam as transmissões de TV. Havia um em especial, chatíssimo, chamado Vamos sair da crise, no qual se discutia economia. Era um programa niilista, no título continha a proposta da auto-extinção. Se saíssemos da crise não haveria a necessidade de discuti-la, não é mesmo? Certa vez apareceu lá uma figura inédita. Era oriundo do Nordeste, bem falante e seguro de si. Repetia insistentemente uma frase de efeito. Fiquei impressionado pela loquacidade, embora não soubesse o significado da tal frase nem do resto que estava em pauta. Pelo desenrolar dos acontecimentos não fui o único a notá-lo. Tornou-se um sucesso, da noite para o dia. Virou guru, o que não é tarefa fácil.

Não me lembro do nome da figura, mas nas semanas que se seguiram à estréia esteve em todos os jornais, comentando coisas que, confesso, nunca entendi direito. Foi até contratado como professor, na prestigiosa Fundação Getúlio Vargas. A insistência em pedir empréstimos aos alunos acabou por denunciá-lo, era um vigarista comum, apenas articulado e versado na linguagem cifrada que se costumou chamar de economês. Foi desmascarado e preso.

Algumas correntes, adeptas do novo, cogitavam indicá-lo para o Ministério da Fazenda. O que teria acontecido? Estaríamos em situação pior?

(*) Jornalista