Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Beatriz Velloso

TV PAGA

“Novela da TV paga”, copyright Época, 11/03/03

“Não há mulheres apaixonadas ou beijos de vampiro que resistam na TV a cabo brasileira. Quem pode pagar por esse serviço – em média, R$ 70 por mês – renega os textos de Manoel Carlos e Gilberto Braga por programas importados, como Friends, Seinfeld, Família Soprano e Sex and the City. O gênero que sempre reinou absoluto nas emissoras americanas brilha agora nos canais pagos do Brasil – assim como nos do México e da Argentina, outros países com tradição em folhetins.

O canal Sony dedica 24 horas de sua programação ao gênero. Warner e Fox misturam séries a filmes, mas têm nas primeiras o grande trunfo para garantir público no horário nobre. Exibem sucessos como Friends e E.R. (Warner) e Arquivo X ou 24 Hours (Fox). O Multishow também decidiu investir no filão e comprou os direitos para a comédia Sex and the City, cultuada no eixo Rio-São Paulo. Todos esses canais estão entre os dez mais vistos da TV paga brasileira, segundo ranking do Ibope. Seus telespectadores reproduzem um hábito americano: chegar em casa à noite para ver uma sitcom (comédia de situação) ou um drama. A diferença é que em vez de acompanhar seis capítulos de uma hora por semana, como ocorre nas novelas, o episódio de 30 minutos conta uma pequena história completa.

As características do público de TV a cabo – 29% são da classe A e 47% da classe B, alto nível de escolaridade, hábito de ir ao cinema e ouvir música americana – permitem que os nomes das séries permaneçam em inglês e que nada seja dublado. Esses telespectadores são capazes de se identificar com personagens que têm dinheiro para viver em Nova York ou Chicago, jovens que estudam em boas universidades e mulheres que vestem roupas caras e jantam em bons restaurantes.

?As séries fazem sucesso aqui porque são vistas por um público com alto poder aquisitivo, que está familiarizado com os Estados Unidos e tem vida mais próxima da que é retratada na tela?, analisa a professora Renata Palottini, do Núcleo de Pesquisa em Dramaturgia Audiovisual da USP. ?A baixa classe média não consegue se relacionar com aquilo.? Por uma lógica semelhante, a novela brasileira sempre tem personagens mais simples, gente que anda de ônibus e trabalha como motorista de táxi ou secretária.

De fato, as tentativas de exibir séries americanas na TV aberta brasileira foram frustradas. Os chamados ?enlatados?, como Dawson?s Creek, Beverly Hills 90210 (que em português ganhou o nome de Barrados no Baile) e E.R. (Plantão Médico), chegaram a entrar na grade da Globo. Mas nunca deixaram horários pouco ilustres como meio-dia de domingo. São conhecidos como enlatados porque funcionam com risadas gravadas (canned laughter, o riso dentro da lata). Funcionavam como tapa-buracos e eram tirados do ar sempre que aparecia um produto de maior audiência para substituí-los. Na TV paga, o gênero encontrou o público perfeito. A atual campanha publicitária do canal HBO usa uma série, a Família Soprano, como chamariz da programação. O canal AXN entrou para o time: comprou a série de ação Alias – uma das maiores audiências nos EUA no momento.

O que ocorre em canais por assinatura aqui é regra nas grandes redes americanas, abertas e fechadas. Nos EUA, as séries são produto de massa. O primeiro episódio de Friends deste ano, por exemplo, foi visto por 33 milhões de americanos – apenas 8 milhões a menos que a última entrega do Oscar. O formato é líder desde que os primeiros aparelhos de TV começaram a entrar em lares de classe média. I Love Lucy, maior clássico das séries, foi exibido entre 1951 e 1957. Gerações de americanos foram criadas assistindo a séries. ?Minhas melhores lembranças da infância são da família reunida em casa à noite para ver séries?, recordou a ÉPOCA Bonnie Hunt, protagonista de Life with Bonnie, que está sendo exibido no Sony. O poder desse produto em atrair anunciantes pode ser medido pelo salário das estrelas. Os protagonistas de Friends ganham US$ 1 milhão – cada um – para gravar apenas um episódio.

A produção de séries de TV é uma indústria paralela à do cinema. Só a Disney Buena Vista tem em Los Angeles sete imensos estúdios onde pode gravar várias atrações ao mesmo tempo. No caso das séries, são poucos cenários, construídos diante de arquibancadas para 200 pessoas. É ali que fica a claque – as risadas que o telespectador ouve depois de cada piada. Legiões de fãs aguardam meses para conseguir um lugar nessa platéia.

Já séries de drama ou ação, como Alias, têm produção caprichada. São filmadas em película, e para fazer apenas um programa trabalha-se durante oito dias (com jornadas de até 16 horas) e as filmagens ocorrem em locações variadas. ?É como se produzíssemos uma hora de cinema toda semana?, diz Jennifer Garner, estrela de Alias, a Elektra Natchios do filme O Demolidor. O grande desafio do gênero nos últimos tempos tem sido driblar a onda politicamente correta. Nas piadas, todo cuidado é pouco para não ofender ninguém. ?Executivos das emissoras e anunciantes estão receosos quanto ao conteúdo dos roteiros?, diz Bill Lawrence, criador da série Scrubs, espécie de Plantão Médico mais jovem. ?É uma pena, porque o público adora brincadeiras incorretas.? A patrulha criou ?guetos? de humor: só negros fazem piadas de negros, judeus fazem graça de judeus. ?Era bem mais fácil ser engraçado há 20 anos?, admite o comediante Jim Belushi, ator do incorretíssimo Saturday Night Live da década de 80 e hoje no bem mais comportado According to Jim.

Há quem acredite que, a médio prazo, as séries devam substituir a novela brasileira. ?Os folhetins de 200 capítulos vão acabar?, profetiza Renata Palottini, da USP. ?O futuro da ficção televisiva é de séries e seriados. Os jovens autores estão preferindo esse formato.? Será uma longa batalha por audiência, e esta é uma novela que está apenas começando.

IGUAL NA FORMA, DIFERENTE NO CONTEÚDO

Seriados nacionais inspiram-se no modelo criado e preferido pelos americanos, mas adaptam o humor e as histórias para o Brasil

Apesar da tradição de novelas, a TV aberta brasileira namora o formato das séries. Os Normais, A Grande Família e Turma do Gueto, produções nacionais, vêm dando ótimos resultados. Mesmo indo ao ar tarde (sempre depois das 22 horas), têm excelente audiência: Os Normais registra média de 24 pontos no Ibope, A Grande Família marca 21 e Turma do Gueto 8 – pontuação alta para a Rede Record, que exibe a atração. ?O programa mais curto é tendência mundial?, afirma Alexandre Machado, roteirista de Os Normais.

A série com Fernanda Torres e Luiz Fernando Guimarães é uma espécie de Mad About You à brasileira: ambas fazem graça da rotina de um jovem casal morador de cidade grande. Fã assumido dos enlatados americanos, Machado entende por que o gênero tem êxito. ?Com apenas meia hora de duração, a história fica mais enxuta e a densidade de piadas aumenta?, diz. ?As novas gerações não têm paciência para capítulos grandes.? Além disso, a independência de um episódio para outro não deixa o espectador escravo do programa. Mesmo assim, o objetivo é o mesmo da novela: garantir a fidelidade da platéia.

O tradicional filão das séries cujos protagonistas são pai, mãe e filhos – como Married with Children ou Life with Bonnie – tem versão brasileira em A Grande Família, lançado originalmente em 1973. O programa nacional copia apenas o formato, e não o conteúdo, dos americanos. ?A vida da classe média americana é diferente da brasileira?, diz Renata Palottini, da USP. ?A imagem da casa bonitinha de subúrbio, sem cerca, a do sujeito que chega em casa e larga a janela do carro aberta não colam no Brasil.? Não é à toa que dinheiro (ou a falta dele) é tema mais constante aqui do que lá. Outras diferenças nos seriados nacionais são a ausência da claque e o tom das piadas. ?O humor americano não funciona com nosso público. Somos mais malandros?, diz Mauro Mendonça Filho, diretor de A Grande Família.

A TV Record exibe a primeira experiência brasileira de série com elenco predominantemente negro: Turma do Gueto, estrelada pelo pagodeiro Netinho. A idéia desse tipo de programa surgiu nos EUA para driblar a predominância de brancos nos elencos e para atender telespectadores afro-descendentes. A comédia My Wife and Kids, exibida no Brasil pelo Sony, é um exemplo dessa proposta: retrata o cotidiano do grande número de famílias negras de classe média, que tem um padrão de vida semelhante ao dos brancos. No Brasil, isso soaria falso. A Turma da Record vive na periferia de São Paulo, lida com as mazelas do ensino público e da violência. ?As séries americanas são descoladas da realidade brasileira?, diz a roteirista Laura Malin. ?Eu me inspirei em notícias de jornal e casos verídicos.?

Mesmo tendo conteúdo diferente e sabor bastante brasileiro, todas essas séries usam um modelo importado. ?O formato do seriado é originalmente americano, mas no Brasil a receita é usada há muitos anos?, explica Mauro Alencar, especialista em teledramaturgia. Bons exemplos são A Família Trapo (que estreou em 1965 na Record) e Vigilante Rodoviário (de 1961, na TVTupi).”

 

SBT

“Os altos e baixos do jornalismo do SBT”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 7/03/03

“Sílvio Santos é um dos mais importantes personagens da história contemporânea do Brasil. E também um dos mais polêmicos. Seu SBT, conquistado com persistência e habilidade junto ao governo militar, é hoje uma rede consolidada, forte, influente, mas intensamente dependente de seus humores e repentes. Do mesmo modo que ele aborta um quadro de seu programa dominical ele põe fim a projetos, diretorias, núcleos e o que mais o esteja desassogando por alguma razão. Assim tem sido desde que o SBT nasceu, em meados dos anos 70, e provavelmente assim será enquanto ele tiver saúde e conduzir pessoalmente os destinos da emissora.

Sílvio já deu provas suficientes de que não rasga dinheiro e de que é um exímio jogador. Perde agora, se preciso for, para ganhar na frente, mas detesta perder. Tem se metido em algumas ações controvertidas, como a de assumir, anos atrás, os Diários Associados em São Paulo, com o compromisso de acertar todo o passivo, sobretudo o trabalhista. Como as coisas não se deram como o esperado, o episódio acabou deixando marcas profundas num significativo grupo de profissionais, que por não receber o que era devido não o perdoa até hoje.

É nesse contexto que o jornalismo do SBT tem de ser entendido e analisado, em termos de passado, presente e futuro.

Quando não tinha nenhuma tradição nesse campo, instigado a buscar qualificação para a emissora – qualificação que lhe ajudaria a atrair os chamados anunciantes classe A -, ele não titubeou. São dessa época Marcos Wilson, Luiz Fernando Emediato, Boris Casoy, Lillian Wite Fibe e mesmo Jô Soares. Foram anos investindo em projetos e programas dirigidos a um público seletivo e formador de opinião, sem perder o viés popular. Deu certo e o SBT cresceu em conceito, em penetração, em repercussão, em influência nos meios políticos etc.

Depois disso e já com o prestígio da emissora até certo ponto garantido, reduziu os investimentos em jornalismo. Foi um gradual e lento esvaziamento, que começou com as saídas de Boris, Lillian e Jô, e também de Guilherme Stoliar (que voltou há pouco mais de um ano para lá) e de Luciano Callegari, diretores que de certo modo bancavam os investimentos no jornalismo. Como, ao contrário de Roberto Marinho, Sílvio não tem sua origem no jornalismo, foi muito mais fácil tomar decisões nesta direção.

Está certo que nesse período também nasceu o SBT Repórter, Marília Gabriela chegou, Hermano Henning manteve-se como âncora principal, entre outros investimentos realizados. Até uma parceria com a Rede CBS, dos EUA, foi tentada, com a participação do Casal 20 Eliakim Araújo e Leila Cordeiro, que acabou durando pouco tempo. Foi, aliás, a partir desta experiência que ele descobriu que a madrugada era uma ?ótima companheira para o jornalismo?. E ali concentrou boa parte dos horários que, por lei, deveria dedicar ao noticiário (sempre com um brutal reaproveitamento e repetição de matérias exibidas nos telejornais). Ou seja, desde então efetivamente a programação jornalística encolheu, do mesmo modo que o Departamento de Jornalismo da emissora.

Sílvio na verdade, até prova em contrário, não tem nada contra o jornalismo. O problema principal é que ele também não tem nada a favor. Se vislumbrar retorno no eventual investimento a ser feito, não há dúvidas de que o fará. Se o contrário ocorrer, nada o moverá nesta direção.

Há algumas semanas ele praticamente jogou uma pá de cal sobre o jornalismo da casa, decretando o fim de todos os programas jornalísticos, à exceção do Jornal do SBT, que continuou a existir, porém com tempo menor. E demitiu mais de 90% da equipe, mantendo apenas seis ou sete profissionais, exatamente para poder colocar no ar o Jornal do SBT. E tome reprises madrugada adentro.

Decisão sem volta? Certamente que não. E o primeiro sintoma de que do mesmo modo que acabou pode voltar foi o convite para que Odilon Coutinho assumisse a Direção de Jornalismo da emissora na última semana, ocupando um cargo que há anos não era preenchido, ao menos com esse status. Odilon conhece bem a casa, diretor que foi do SBT Repórter. E foi surpreendido com o convite, dias depois do corte anunciado, que atingiu também o SBT Repórter. Entre curtir uma aposentadoria precoce e aceitar o desafio de reestruturar o jornalismo da casa, ficou com o segundo e sabe que tem pela frente uma difícil missão. Difícil mas não impossível, até porque no esporte os investimentos já estão acontecendo. Estão aí o Campeonato Paulista, a Copa Sul-Americana e a própria contratação de Luciano do Valle, mostrando que no SBT nada é impossível. Nem mesmo novos investimentos em jornalismo.

De resto, no plano da cidadania, temos efetivamente de exigir compromissos sérios das empresas que auferem lucros com uma concessão pública, como é o caso do SBT (e de todas as outras emissoras do País), sobretudo em relação à sua programação. E uma programação sem jornalismo sério, independente, criativo e permanente não cumpre na plenitude sua missão e nem suas responsabilidades elementares.

Boa sorte ao Odilon e aos colegas que batalham por manter viva a chama do jornalismo no SBT, entre eles a editora-chefe Vanessa Kalil e o chefe de reportagem Raul Varassin. Mais do que nunca o mercado está precisando de boas novas.”

“SBT compra novos seriados da Warner”, copyright Folha de S. Paulo, 7/03/03

“Estréias do ano passado na TV norte-americana e do canal pago Warner, em novembro, as bem-sucedidas séries ?Everwood? e ?Fastlane? devem ser exibidas ainda em 2003 pelo SBT.Os dois seriados acabam de ser comprados pela emissora. O pacote inclui ?Presidio Med? (já cancelado nos Estados Unidos), ?Family Affair? (ainda inédita na TV paga brasileira), ?Good Morning Miami? e ?What I Like About You?. Fazem parte também da negociação com os estúdios Warner as séries ?Oz? (último ano), ?Parceiros da Vida? (quarta temporada) e ?Smallville?, já exibidas pelo SBT, além do primeiro ano de ?Friends?.

O SBT ainda não definiu as datas e horários de exibição das novas séries, mas é provável que isso só ocorra no segundo semestre.

A dramática ?Everwood?, que aumentou em 140% a audiência do Warner Channel em seu horário (quintas, 21h), conta a história de um renomado neurocirurgião de Nova York que, após a morte da mulher, se muda com os dois filhos para um povoado do Colorado. Lá, se defronta com uma sociedade com hábitos rurais, que preza mais a tradição do que a fama e a família do que a ciência.

Já a policial ?Fastlane?, do mesmo diretor de ?As Panteras? (McG), é protagonizada por dois jovens policiais de Los Angeles que, em seus disfarces, usam roupas e objetos de um depósito de bens confiscados pela polícia.”