MÍDIA NA AMÉRICA LATINA
Antônio Brasil (*)
A cobertura internacional está com a atenção voltada para a Venezuela. É, sem dúvida, um país importante. Quinto maior produtor de petróleo do mundo e um dos principais fornecedores dos Estados Unidos, em preparativos em ritmo acelerado para mais uma guerra. Após um mês de greve geral e negociações que não levam a nada, manifestações se sucedem diariamente em Caracas contra e a favor do presidente Chávez. Uma confusão de imagens e informações. O noticiário tem mostrado muita gente na rua, bandeiras tremulando, ódio estampado nos rostos e o inevitável clímax televisivo com direito a nuvens de fumaça e cenas de mais um tremendo quebra-pau entre polícia e manifestantes, de ambos os lados, tanto faz. Mais uma triste e recorrente história latino-americana. As imagens não mudam, são sempre as mesmas e os jornalistas não conseguem resistir ao velho clichê: "E a Venezuela está à beira de uma guerra civil"! Guerra civil na América Latina? Será mesmo?
E o que teria acontecido com aquela crise tão dramática na Argentina há alguns meses? Segundo alguns jornalistas, a guerra civil também parecia inevitável. Nada aconteceu. Pelo menos alguém ainda se lembra da crise dos nossos vizinhos? Apesar da modesta cobertura jornalística, vimos vários presidentes em poucas semanas, manifestações ruidosas nas ruas, repressão violenta da polícia, aviões lotados deixando Buenos Aires… com muitos dólares, mas nenhuma guerra civil. E hoje? Como está a Argentina? Não sabemos. Foi novamente relegada ao esquecimento da mídia e de todos nós. Parece ter voltado ao mesmo marasmo ou desinteresse de sempre. Nenhum conflito, poucas explicações, nenhuma cobertura jornalística e, principalmente, nenhuma solução. Na América Latina nada acontece, tudo se repete.
Na violenta Colômbia, a história não é muito diferente mas, infelizmente, tem causado mais vítimas. A cobertura internacional ? das agências internacionais, é claro ? tem nos mostrado muitas chacinas que já consideramos perigosamente rotineiras, previsíveis e inevitáveis. Tão comuns como as dramáticas declarações de tantos seqüestrados que ainda gritam por socorro frente a improvisadas câmeras de um jornalismo guerrilheiro após meses ou anos de cativeiro. Eles também aguardam uma solução urgente para o continente e para suas vidas.
Por aqui, num Brasil em meio a muitas comemorações, muita esperança e novo presidente, convivemos perigosamente com índices crescentes de violência urbana. No Rio de Janeiro, cidade de Deus, dos traficantes, o clichê dos jornalistas de TV também parece ser inevitável: vivemos num "verdadeiro" clima de guerra civil. Certamente, é muito mais fácil para os jornalistas recorrerem ao velho clichê do que tentarem explicar os fatos. Afinal, o que define ou estabelece uma "verdadeira" guerra civil? Quais são os critérios? O assunto é ainda mais difícil de entender para uma televisão que há muitos anos abandonou as explicações e despreza a cobertura internacional do seu próprio continente. Tudo se justifica facilmente, em poucas palavras e ainda menos segundos, pelas determinações irrefutáveis e tão convenientes da ditadura da audiência. Jornalismo de TV passa a utilizar os mesmos perigosos critérios de mercado: mostramos o que o público quer ver e gosta!
Mitos e clichês
Todas essas notícias, tão desprestigiadas, consideradas até mesmo "desimportantes", têm nos custado um preço alto. Segundo o último relatório dos Repórteres Sem Fronteiras, cerca de 25 jornalistas perderam a vida em todo o mundo em 2002. Só na Colômbia foram três assassinatos. Eles também estavam tentando nos sensibilizar com notícias sobre mais um país latino-americano à beira de guerra civil. [ver matéria completa na seção Monitor da Imprensa].
Agora, a pergunta fica no ar para pensarmos. Valeu a pena? Seria esse o verdadeiro e inevitável padrão continental? A cobertura internacional é assim mesmo? E no nosso jornalismo de TV, em busca de prestígio, reconhecimento, benesses de um novo governo e audiência a qualquer custo, também é assim mesmo? Não deveríamos "perder" ou ganhar nosso precioso tempo com notícias sobre o nosso próprio continente? Segundo alguns editores e com auxílio de outros velhos clichês, é assim mesmo, "ninguém se interessa pelo que acontece com nossos vizinhos" (sic). Quem disse? Quem analisou, pesquisou e apresentou provas ou dados concretos sobre o público? A nossa TV, infelizmente, ainda é refém de mitos e de algumas pesquisas apressadas do Ibope.
Com seus velhos conflitos e desgastados mitos ou clichês, a América Latina garante cada vez mais um papel secundário e altamente previsível no cenário jornalístico internacional. Afinal, como insistem alguns analistas ou fatalistas: "Não tem jeito mesmo. De onde menos se espera é daí que não sai nada mesmo."
(*) Jornalista