Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

"Berlusconi é um Jader multiplicado por mil", copyright Folha de S. Paulo, 13/05/01

MONITOR DA IMPRENSA


ASPAS

O FENÔMENO BERLUSCONI

"Depois de todas as acusações levantadas contra ele, Jader Barbalho (PMDB-PA), presidente do Senado brasileiro, teria alguma chance de eleger-se presidente da República no ano que vem?

A resposta mais lógica é não. Mas, se Jader fosse italiano, talvez chegasse ao comando do governo, como premiê, a julgar pelo favoritismo de que goza nas eleições de hoje o empresário Silvio Berlusconi, que é uma espécie de Jader multiplicado por mil.

Exagero? É só fazer as contas: os problemas de Jader começaram quando a revista ?Veja? puxou para a sua capa uma reportagem em que se acusava o senador de ser um homem de R$ 30 milhões de posses.

Ninguém sabe ao certo qual é a fortuna de Berlusconi. Sabe-se apenas que é o homem mais rico da Itália. Mas o número mais usado na mídia européia é o de US$ 14 bilhões, o que dá R$ 30 bilhões ou mil vezes mais que Jader.

Tanto quanto a fortuna do presidente do Senado brasileiro, a fortuna de Berlusconi é fonte de desconfianças desde a sua remota origem.

Um livro (?L’Odore dei Soldi? -o cheiro do dinheiro), uma espécie de biografia não autorizada, conta que seus investimentos no projeto residencial Milano Due, com o qual começou a ficar rico, foram financiados pela máfia.

Nem o senador Antonio Carlos Magalhães, o arqui-rival de Jader, chegou a acusá-lo de tal crime. Jader tampouco foi julgado e condenado, ao contrário do que aconteceu com Berlusconi, pelo menos em primeira instância

O candidato favorito na Itália foi condenado a 28 meses de prisão pelo financiamento ilegal da campanha do Partido Socialista Italiano; a 33 meses por suposto suborno a fiscais do equivalente da Receita Federal; e a 16 meses, por falsificação de números na compra da produtora e distribuidora cinematográfica ?Medusa?. Dá, portanto, quase seis anos e meio de cadeia.

Em todos os casos, recorreu, o que levou à prescrição dos dois primeiros supostos delitos e à anulação da sentença no terceiro.

Ainda assim, há outros seis processos ainda em andamento, sem contar um caso internacional, o de irregularidades na Tele 5 espanhola, da qual Berlusconi tem 40% do capital.

Não é à toa, portanto, que a mídia européia tenha feito o que a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher descreveu como ?campanha orquestrada? contra ?Il Cavaliere?, como Berlusconi é chamado.

Se a campanha é ou não orquestrada, impossível saber. Mas não há dúvida de que a gritaria foi generalizada, tal como certamente ocorreria no Brasil se Jader se candidatasse à Presidência. Incluiu desde uma revista de impecáveis credenciais liberais, como a britânica ?The Economist?, até o jornal de centro-esquerda italiano ?La Repubblica?.

Mas o alarido não se dá só pelos processos que Berlusconi enfrenta ou enfrentou. Há um ?sério? conflito de interesses, como define Tom Arbuthnott, pesquisador do Programa Europa do Foreign Policy Center do Reino Unido.

É uma alusão ao fato de que Berlusconi comanda, de um lado, um grupo de empresas com interesses os mais variados, sobre os quais incidirá a sua ação como primeiro-ministro, se eleito. De outro lado, é dono de 3 das 6 emissoras de TV da Itália (as outras três são do Estado).

Como primeiro-ministro, controlaria portanto todos os canais da principal fonte de informação ao público, como é a TV no mundo todo. Estariam, em tese, criadas as condições para ?uma desmontagem democrática da democracia?, como ironiza o sociólogo espanhol Ignacio Sotelo, em artigo para o jornal ?El País?.

Mas o problema não termina nas fronteiras italianas. ?Em termos internacionais, daria ao ?big business? um assento no Conselho de Ministros (da União Européia)?, como diz Arbuthnott.

O Conselho Europeu é a instância suprema da União Européia, formado pelos chefes de governo de cada um dos 15 países-membros do conglomerado.

Consequência, sempre segundo Arbuthnott: Berlusconi passaria a ter poder de veto ?ou, ao menos, uma grande porção de uma minoria capaz de bloquear iniciativas da União Européia no campo de assuntos sociais?.

Como foi que uma personalidade tão cheia de pontos negativos chegou à iminência de chefiar (pela segunda vez, aliás) o governo da quinta potência mundial, posição que disputa com o Reino Unido?

Talvez a melhor resposta seja a do ensaísta Umberto Eco, que remete, de novo, para comparações com a política brasileira. Eco acha que Berlusconi conseguiu vender a tese de que é rico demais para roubar uma vez instalado no governo.

No Brasil, também, há muito político cercado de acusações que, não obstante, é bem votado a partir do pressuposto de que já tem dinheiro suficiente para dispensar o assalto aos cofres públicos."

"A quatro dias das eleições gerais italianas, o líder das pesquisas de opinião, o magnata Silvio Berlusconi, declarou ontem que não tem nenhuma intenção de se desfazer de seu império das comunicações. A Fininvest, holding do magnata, detém 48,3% das ações do grupo Mediaset – que controla as três principais redes privadas de TV do país -, o complexo editorial Mondadori, o Banco Mediolanum, empresas de seguro, a distribuidora e produtora de filmes Medusa, o clube de futebol Milan, sites na Internet e a rede de lojas de vídeo Blockbuster Itália.

Segundo a legislação italiana, nenhum cidadão pode controlar a maioria dos meios de comunicação do país. Berlusconi, que parecia incliado a vender seus canais de TV, voltou atrás. ?Vou resolver esse problema após a eleição, com a elaboração de uma nova lei?, disse ele, certo da vitória.

Seu principal rival, Francesco Rutelli, candidato da coalisão de centro-esquerda no poder, retrucou lembrando que o magnata fez essa mesma promessa quando ocupou a chefia do governo em 1994 e não a cumpriu.

Berlusconi divulgou seu programa de governo, de 64 páginas, pela Internet. Nele, ele fixa as metas de um plano econômico que, segundo diz, vai ?melhorar consideravelmente a vida dos italianos?."

"No edifício reformado do século 18 que é seu quartel-general em Roma, Silvio Berlusconi aparece fotografado em seu habitual terno azul escuro, feito sob medida, com camisa azul pastel. Sapatos e meias perfeitos, nem um fio de cabelo sequer fora do lugar.

É a imagem que o homem mais rico da Itália quer mostrar aos eleitores: um candidato a primeiro-ministro elegante, bem vestido e disposto a reduzir os impostos, combater a criminalidade, eliminar a burocracia e criar novos postos de trabalho se vencer a eleição do próximo dia 13.

Acompanhado por dois assessores de imprensa, Berlusconi, megaempresário de mídia e dono do poderoso clube de futebol Milan, ouve as perguntas com atenção e responde energicamente, de vez em quando inclinando-se para enfatizar uma opinião.

Pergunta – Já foi dito que sua aliança com Umberto Bossi, presidente da Liga Norte, que é contra a imigração, representa um perigo para a democracia italiana.

Silvio Berlusconi – É a esquerda que se queixa, mas nem todos os seus integrantes -apenas uma parte. É a força do desespero. Eles sabem que nossa margem de vitória será grande e estão tentando nos denegrir.

Você sabe quantos italianos confiam em mim como líder? São 73% -o dobro dos que optam por meu adversário [Francesco Rutelli, da coalizão de centro-esquerda?.

Pergunta – Bossi o ajudou a ganhar em 1994, mas também o derrubou. Qual é o preço que o sr. terá de pagar agora por seu apoio?

Berlusconi – Existe um programa em torno do qual se puseram de acordo todos os líderes de minha coalizão, a Aliança pela Liberdade. Ele vai se ater a esse programa. Nem sequer colocamos a possibilidade de falar em federalismo ou questões fiscais. Bossi tem sido muito razoável.

Pergunta – O acordo fechado pela Aliança pela Liberdade na Sicília com candidatos do Chama Tricolor, herdeiro de agremiações fascistas, causou grande comoção.

Berlusconi – É uma coisa risível. A esquerda ajudou essa gente a juntar assinaturas para que as pudessem utilizar contra nós. Algumas pessoas da esquerda reconhecem esse fato.

Não existe acordo político. Há um acordo local firmado, por razões práticas, com um candidato que já esteve no Parlamento. É ridículo, a acreditar em nossos adversários. Faz tempo que eles vêm estabelecendo acordos estratégicos com os comunistas.

Pergunta – Por que sua campanha produziu um livro de elogios ao sr., ?Una Storia Italiana??

Berlusconi – Era uma forma de combater os libelos escritos contra mim. Nós enviaremos o livro aos eleitores de alguns dos distritos eleitorais indecisos.

Pergunta – Já faz tempo que o senhor tem problemas com os juízes italianos, tanto fora como dentro dos tribunais. Por quê?

Berlusconi – A esquerda se infiltrou nas magistraturas, e os magistrados utilizam suas investigações para fins políticos. Apenas 10 em cada 100 italianos confiam nos magistrados, mas mais de 70 em cada 100 confiam em Silvio Berlusconi. Dá para acreditar que já me acusaram até de ordenar assassinatos da máfia?

Pergunta – O sr. afirma que a esquerda deixou deliberadamente de aprovar uma lei sobre conflito de interesses para que pudesse utilizar contra o sr. seus interesses empresariais na campanha, como, aliás, já vem fazendo. O governo de Berlusconi faria uma legislação para evitar esse conflito de interesses?

Berlusconi – Vamos criar a lei e nos guiar por ela. Apesar disso, é bom lembrar que o primeiro-ministro não é muito forte na Itália. Esta é uma República parlamentar. Podemos emitir um decreto, mas, se o Parlamento não o ratificar, ele não entrará em vigor.

Pergunta – Muitos italianos admiram suas habilidades de empresário, mas outros se perguntam como o sr. enriqueceu tanto em tão pouco tempo.

Berlusconi – Minha evolução sempre foi transparente. O que fiz é visível para todos. O que fiz no futebol também. É sangue, suor e lágrimas em campo."


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