FOLHA DE S. PAULO
"Tempestade no pós-Blair", copyright Folha de S. Paulo, 8/6/03
"O instituto Gallup divulgou nos EUA, dia 30, sua mais recente pesquisa sobre a credibilidade da mídia, a primeira depois do caso Jayson Blair.
Nada saiu por aqui, a não ser um registro no ?Globo?, mas os dados são explosivos: 62% dos norte-americanos acham que a imprensa traz informações inexatas, contra apenas 36% para os quais os fatos são relatados de forma apropriada.
É o segundo maior índice negativo desde o início da pesquisa, em 1985 (as taxas, então, eram quase o inverso: 34% e 55%, com 11% ?sem opinião?). Só perde para 2000, quando da confusão na apuração de votos na eleição de George W. Bush (descrença de 65%, 32% de confiança).
Seria parcial, porém, atribuir o crescimento da rejeição apenas ao caso Blair. A mesma pesquisa revela, curiosamente, que 39% do público simplesmente ignora o ocorrido com o repórter-inventor do ?New York Times?.
Além disso, trata-se do primeiro levantamento desde a ocupação do Iraque, período pouco glorioso para a tradicionalmente independente mídia dos EUA.
As sequelas do caso Blair, no entanto, continuam a fazer estrago e produziram, na quinta, a maior bomba no meio jornalístico internacional em décadas: a demissão dos dois chefões do ?Times?, o editor-executivo, Howell Raines, e o secretário de Redação, Gerald M. Boyd.
São os cabeças do mais prestigiado diário do mundo, abaixo apenas, no expediente, do publisher, Arthur Ochs Sulzberger Jr. -que semanas atrás negara publicamente a possibilidade de queda desses subordinados.
O fato é que, à demissão de Blair (início de maio), seguiram-se a criação de uma comissão para rever os procedimentos da Redação, a demissão de um repórter que assinou um texto apurado na verdade por um free-lancer e, nas palavras de um editor-chefe de um grande jornal dos EUA citado pelo ?Financial Times?, a revelação, para Sulzberger, de uma série de fatos até então por ele ignorados sobre o estilo de administração de Raines.
Bombardeado há semanas com ironia e ferocidade pela concorrência, o ?Times? recebeu na sexta a mais dura e direta das críticas, em editorial do sisudo ?The Wall Street Journal?.
Para o poderoso diário financeiro, a era Raines-Boyd privilegiou um jornalismo tendencioso, que mistura opinião com notícia, pondo em questão a sua tradicional credibilidade. Blair não seria mais do que um sintoma desse problema mais amplo.
O editorial acusa o ?Times? de pregar um jornalismo imparcial e objetivo e de praticar o contrário, criando uma confusão nos leitores e em jovens repórteres susceptíveis como Blair.
Além dessas, destacadas pelo ?Journal?, a turbulência no ?Times? gera outras questões:
Até quando pode um jornal sustentar em suas páginas com credibilidade tantas informações em ?off? (sem menção à fonte), como tem feito o ?Times??
Faz sentido que uma política que considera critérios étnicos no recrutamento e ascensão de carreira se desfigure em leniência para com erros graves de um profissional (Blair, no caso, que é negro) ao longo de meses e anos?
Vale a pena arriscar uma tradição de seriedade em nome de citações ou fatos espetaculosos, sacrificando, na pressa do fechamento, a exatidão?
Mas a onda de más notícias para o jornalismo não parou aí na semana passada.
Na segunda (entre a pesquisa Gallup e o corte no ?Times?), a Comissão Federal de Comunicações, controlada pelo Partido Republicano, aprovou desregulamentação que permite megafusões e aquisições, propiciando uma concentração ainda maior da propriedade da mídia.
Num evidente retrocesso para a liberdade de expressão, ela abre portas para se reduzir ainda mais a diversidade de conteúdos de TV, jornais e internet.
O ?Estado de S.Paulo? publicou na quarta uma tabela com exemplos de prováveis fusões envolvendo o próprio ?Times?, Disney, AOL Time Warner, Gannett, NBC etc.
Cai sobre a mídia dos EUA uma tempestade sombria, cuja intensidade está por ser medida e cujas consequências em outros países -Brasil inclusive- são inevitáveis. Pior: a capacidade que ela terá de sair bem dessa crise é uma grande incógnita."
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"Amostra perigosa", copyright Folha de S. Paulo, 8/6/03
"É comum um rosto conhecido ocupar simultaneamente capas de diferentes revistas femininas ou de ?celebridades?.
Muito raramente, porém, isso acontece com revistas semanais de informação -a não ser em casos ?quentes? que envolvam autoridades. Pois aconteceu, na semana passada, com a ?Época? e a ?Veja São Paulo?.
Como mostra o quadro ao lado, ambas reservaram a capa para reportagem sobre segurança pessoal e a ilustraram com a cantora Wanessa Camargo. Mera coincidência? Nem tanto.
Além de ?celebridade?, Wanessa é de uma família que já sofreu com a violência (o caso de um tio, irmão de seu pai, Zezé di Camargo) e vive, ela própria, numa espécie de gaiola móvel.
Sua escolha tem lógica, mas não explica a coincidência.
Ao tentar entender como as duas revistas saíram tão parecidas, apurei que a iniciativa da pauta (o tema segurança) não teria sido da assessoria da cantora, mas sim das próprias revistas (?Veja-SP? em primeiro lugar).
A assessoria aceitou o pedido da primeira e depois topou o da segunda, embora calculando que as duas reportagens seriam publicadas em datas diferentes.
É fácil supor, no entanto, que uma das publicações, sabendo da pauta da outra, não admitiria sair com a sua, quase igual, uma semana depois.
Quaisquer que sejam os detalhes desses ?bastidores?, porém, o problema de fundo é que o jornalismo, aqui, foi vitimado.
A opção simultânea das duas publicações por Wanessa corresponde a um fenômeno muito mais amplo: a pressão crescente e competente da indústria do entretenimento sobre a pauta da imprensa (com a aquiescência desta), para torná-la veículo de promoção sem pagar por isso.
Trata-se de uma ?celebridade? -e, comercialmente, um novo produto- em ascensão.
A rara coincidência dessas capas reflete o avanço de um namoro (jornalismo e entretenimento) do qual nem sempre a notícia é o combustível principal."