Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Bernardo Ajzenberg

FOLHA DE S. PAULO

"Engodo", copyright Folha de S. Paulo, 19/10/03

"Elogio de leitor ao jornal por intermédio do ombudsman é coisa, naturalmente, rara. O e-mail de um estudante de jornalismo do dia 8 passado, porém, trouxe o seguinte comentário:
?Achei muito interessante a Folha de sexta-feira (3/10) sair com a capa de anos atrás. Ainda mais no momento em que estou fazendo um trabalho sobre a história do jornal no Brasil.?

Ele se referia à ?sobrecapa? da edição daquele dia, que reproduziu, supostamente, a capa original da Folha de 3/10/1953, com uma notícia sobre a inauguração da Petrobras.

Cabe, hoje, dizer a esse estudante: esqueça, não use essa página no seu trabalho, pois, ao contrário do que você pensa -você e a quase totalidade dos leitores da Folha-, ela não é a da edição de meio século atrás.

Uma comparação entre a verdadeira capa daquela data e essa ?sobrecapa? (um anúncio da Petrobras) deixa isso claro.

No quadro ao lado, o leitor pode comparar e verificar quão numerosas (bem mais do que num jogo de 7 erros) são as diferenças.

Destaco alguns exemplos:

1. a página verdadeira é composta por oito colunas verticais de texto (como se usava à época), enquanto a da propaganda possui apenas seis colunas;

2. a fotografia realçada no canto superior direito do original foi reduzida e derrubada para a parte inferior da página;

3. a manchete, na nova versão, ocupa todo o alto, o que não ocorria na realidade;

4. um anúncio do Moinho São Jorge, destacado em três colunas ao pé da página, praticamente desapareceu na ?reprodução?;

5. a notinha sobre a inauguração da Petrobras, de um pequeno quadro com somente uma coluna (dentre as oito existentes) no meio da página, virou um texto bem mais destacado, ocupando duas das seis colunas da nova página.

Adulteração

Quem me chamou a atenção para essa manipulação foi um outro leitor, de Belo Horizonte, após notar a diferença num anúncio comemorativo publicado na capa de Dinheiro do sábado (4/10) justamente pelo Moinho São Jorge. Esse anúncio também reproduzia a página da Folha de 3/10/53, mas com fidelidade à edição original.

Diz o leitor: ?Uma das primeiras páginas não retrata a verdade. Qual delas? Se for a usada na propaganda (do Moinho), como é que a Folha aceita uma manipulação desta, uma adulteração, podemos dizer, de sua capa??.

Depois de constatar em pesquisa no arquivo do jornal o embuste da peça da Petrobras, registrei o problema numa crítica interna: ?Para a publicidade, em tese, pode até ser OK; não sei. Para o jornal e seu registro histórico, é no mínimo muito esquisito?.

Consultada sobre o tema para esta coluna, a Secretaria de Redação observou que ?a Redação não tem responsabilidade sobre anúncio publicitário? e transmitiu o comentário do diretor executivo comercial da empresa, Antonio Carlos Moura:

?A ampliação da nota sobre o lançamento da Petrobras foi feita pela agência de publicidade e, como se tratava de um anúncio, é um recurso natural de comunicação?.

Respeito essa visão, mas, na minha opinião, só há sentido em aceitar as ?licenças poéticas? da criação publicitária ou em ver como inevitáveis eventuais concessões que a ela se façam até o ponto em que não se ludibrie o leitor nem se fira, como ocorreu aqui abertamente, a própria memória do jornal.

Transparência

A questão, porém, não pára aí. O mesmo estudante de jornalismo que imaginou ser a ?sobrecapa? útil para o seu trabalho disse ter-se decepcionado ao saber, depois, que ela era um anúncio pago. Achava que isso deveria ter sido informado pelo jornal no mesmo dia (3) e não apenas numa ?nota? que fora publicada no dia anterior.

A queixa procede, mas o problema maior é outro -e aqui entra uma responsabilidade direta da Redação.

A ?nota? a que ele se refere foi o seguinte ?Aviso? dado pelo jornal na Primeira Página de 2/10: ?A Folha circula amanhã com a Primeira Página coberta por anúncio publicitário que reproduz edição do jornal de 1953?.

Pergunto: tratou-se, mesmo, de uma reprodução da edição de 1953? De modo algum: o original foi nitidamente distorcido, para favorecer o anunciante.

Assim, a mesma -louvável- transparência adotada pelo jornal ao alertar um dia antes os seus leitores para algo que poderia confundi-los na edição seguinte deveria ser aplicada, agora, sob a forma, no mínimo, de um ?Erramos?: o tal anúncio foi, na verdade, uma réplica artificialmente deformada, e não a fiel ?reprodução de uma edição do jornal de 1953?.

Uma postura por parte da Redação na linha de simplesmente ?lavar as mãos? não me parece, tanto mais neste caso específico, um bom sinal."

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"Para especialistas", copyright Folha de S. Paulo, 19/10/03

"Um dos pontos de apoio do jornalismo da Folha é a idéia de que se deve poupar tempo e trabalho ao leitor, evitar que, da leitura, sobrem dúvidas no ar.

Alguns exemplos da última semana mostram, porém, a dificuldade que o jornal encontra para aplicar esse princípio.

Na segunda-feira, ao noticiar mais uma vitória do Cruzeiro no campeonato Brasileiro, texto em Esporte mencionava que um atleta sofrera uma ?fratura do malar?, sem explicar o que isso significa (vi depois, no dicionário, que se tratava de algo relacionado à maçã do rosto).
No dia seguinte, Dinheiro informava que o governo submeteria a partir daquele dia o seu projeto de Parceria Público-Privada (PPP) à consulta pública. O que vem a ser essa consulta? Como ela funciona? Não havia nenhuma explicação.

O tratamento dado à cobertura sobre esse projeto, aliás, deixou a desejar nos dias seguintes. Na quarta, o jornal o destacou na manchete e trouxe, internamente, detalhes sobre como ele deve funcionar.

Apesar de todo esse destaque, porém, o assunto -repleto de pontos obscuros, polêmicas e complexidades- simplesmente desapareceu das páginas do jornal na quinta e na sexta.

Ainda na terça-feira, a Ilustrada exibiria um indesejável hermetismo em sua linguagem. Foi ao apresentar o trabalho de uma ?ciberartista? de São Paulo em três painéis eletrônicos interativos, que registram mensagens das pessoas e ?cuja proposta é transformar cada mensagem -de até no máximo 60 caracteres- enviada em um texto escrito com fontes não-fonéticas, o que criaria um novo significado ao texto inicial?.

Como escrevi na crítica interna daquele dia, ?sinceramente, aqui eu boiei?.

A mesma sensação sobreveio numa reportagem da quarta, em Brasil, segundo a qual ?o limite de endividamento de São Paulo (…) foi fixado em 120% do valor da receita corrente líquida para o montante da dívida consolidada líquida?. Você entendeu?

Último exemplo, de sexta-feira: um interessante texto, em Cotidiano, com dados sobre a presença dos portadores de deficiência física ou mental em relação ao conjunto da população de cada Estado não trazia nenhuma definição desse conceito, ou seja, quem é considerado deficiente para efeito de pesquisa formal ou oficial.

Entendo que, nesses casos, o jornal, em vez de facilitar a vida do leitor, encheu-lhe a cabeça de interrogações.

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Errei: o total de manifestações de leitores ao ombudsman de janeiro a setembro de 2002 foi 5.992, e não 5.922, como publicado no quadro do texto ?Números do atendimento? na coluna do último dia 5.

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Foi redesenhada a página do ombudsman na Folha Online.

Ela está com uma concepção visual mais leve e uma navegação bem mais ágil. O endereço é www.uol.com.br/folha/ombudsman."