FOLHA DE S.PAULO
"Procuram-se bússolas", copyright Folha de S.Paulo, 21/10/01
"Um desafio à imprensa desde 11 de setembro, dentre tantos outros, tem sido avaliar o peso a ser reservado para outros assuntos, fora da guerra.
O ?mundo parou? nos dias subsequentes aos atentados. Tudo pareceu se apequenar diante das suas dimensões e das incertezas criadas. Notícias que meses antes seriam manchete de primeira página obtiveram, no máximo, títulos de destaque em páginas internas.
Na Folha, apenas uma das 38 edições publicadas entre 11 de setembro e 19 de outubro trouxe um outro tema como manchete (?Jader renuncia para evitar cassação?, em 5/10).
Que a ?nova guerra? tenha ocupado o topo das prioridades, é compreensível. E é saudável, até, que tenha feito refletir sobre eventuais exageros cometidos em coberturas anteriores.
Basta imaginar o quanto se teria gasto a menos de papel com a crise do painel eletrônico do Senado, por exemplo, caso as torres gêmeas e o Pentágono tivessem sido atacados em abril.
Pouco a pouco, porém, alguns fatos começaram a cobrar mais espaço, e, no tratamento dessa demanda, vários deslizes se cometeram.
Em 27 de setembro, um homem invadiu o Parlamento num cantão suíço, matou catorze pessoas e cometeu suicídio.
No mesmo dia, um C-130 Hércules da FAB se chocou contra uma serra; morreram todos os nove tripulantes.
A explosão de um avião russo e sua queda no mar Negro, na Ucrânia, causaram a morte de 77 pessoas no dia 4.
No dia 8, o choque entre um avião da SAS e uma pequena aeronave matou 118 num aeroporto de Milão (Itália).
Nenhum desses casos recebeu na Folha mais do que meia página. Algo ridículo em ?tempos normais?. Clara subestimação no pós-11 de setembro -ainda mais se comparado com as três páginas dedicadas à morte do economista Roberto Campos, em 10 de outubro.
Além disso, nesse período, a Folha perdeu a dianteira no caso Jersey (sobre as supostas contas do ex-prefeito Paulo Maluf no exterior) e teve de correr atrás na reativação surgida em outro caso originalmente por ela levantado: o do eventual desvio de verbas pelo deputado Luiz Antônio de Medeiros quando da criação da Força Sindical.
Greves como as do Judiciário paulista, das universidades federais e dos funcionários do INSS receberam cobertura pífia se comparada à repercussão política e de dia-a-dia desses movimentos.
Até mesmo o ressurgimento público do músico Herbert Vianna, tocando, em cenas surpreendentes, foi menosprezado.
O confronto Washington-Cabul, com o adendo do bioterrorismo, é sem dúvida o assunto número um. Mas a guerra, como tudo indica, será longa, e está mais do que na hora de o jornal considerar que o mundo, hoje, não se resume a ela.
A tabela acima, de pesquisa do DataFolha com assinantes do jornal em São Paulo, traz pelo menos dois dados muito curiosos.
Caem de 91% para 78% os que dizem acompanhar a cobertura dos atentados pela Folha. Redução natural, passado mais de um mês dos eventos, mas que nem por isso dispensa uma reflexão: não estaria na hora de o jornal reequilibrar prioridades?
O segundo dado diz respeito à inclinação política da cobertura. Subiram de 34% para 46% do total os que consideram que ela está favorável aos EUA (pergunta 2), embora os números tenham permanecido estáveis quando a pergunta (4) se refere aos países islâmicos.
A direção do jornal considera que a Folha tem conseguido, na média, manter o pluralismo, a equidistância.
Discorda, assim, da avaliação de boa parte do leitorado -e, nesse sentido, não pode ser acusada, portanto, de ceder à pressão do marketing.
Não se deve subestimar, nessa discussão, o peso que as manchetes possuem na apreciação do leitor. É fator consistente.
No período do primeiro levantamento (22 a 25/9), as manchetes foram todas desfavoráveis aos EUA (com destaque, por exemplo, para o dia 23: ?79% dos brasileiros rejeitam represália militar americana?).
Já no último levantamento (17 a 19/10) se deu o inverso: foi a semana do bioterrorismo.
De fato, de algumas semanas para cá, o noticiário do jornal ficou mais equilibrado (esta coluna, em 30 de setembro, alertava: ?se a Folha não tomar cuidado, poderá ser interpretada como pró-Taleban ou anti-Bush?).
Não é de estranhar que, para muitos leitores, esse reencaixe possa aparecer como um ?desvio? pró-Washington.
A adoção da palavra antraz no noticiário gerou reclamações de leitores, em particular após a publicação do artigo de um especialista quinta-feira, no qual se afirma que o seu uso está equivocado em língua portuguesa.
Em crítica interna, observei que ?está mais do que na hora de o jornal abrir com transparência a discussão sobre o nome antraz?. Em Nota da Redação no Painel do Leitor ontem, o jornal procura justificar sua opção. A polêmica, no entanto, é grande. E provavelmente vai continuar.
Mas esta não é, claro, a principal questão gerada pelas reportagens relativas à bactéria.
A Folha, como toda a imprensa, entrou na onda da suposta disseminação de pó branco no Brasil, contribuindo para estimular a sensação de pânico generalizado.
Foi no mínimo duvidosa, a esse respeito, a publicação do quadro ?Como fazer uma arma viva?, na sexta-feira, indicando como produzir os esporos capazes de atacar o corpo humano.
É preciso rever essa posição urgentemente. Primeiro porque o carbúnculo (ou será antraz?), dizem estudiosos, não é tudo aquilo que se deu a entender em termos de periculosidade.
Depois porque, ao menos até quando redijo este texto (madrugada de sábado), o que predominou no Brasil foram trotes e brincadeiras de mau gosto.
Mais complexa e de resolução a ser cautelosamente depurada, a segunda questão deriva de que, até o momento, não houve comprovação de que os envios de antraz (carbúnculo?) tenham relação com Bin Laden e aliados.
Ao inverso, crescia nos últimos dias -paralelamente ao início do avanço das tropas terrestres norte-americanas no Afeganistão- a hipótese de que sejam atentados ?domésticos?.
Se assim for, como ficará a cobertura da imprensa? Fará sentido mantê-la conectada com a do confronto diretamente militar? Certamente, não. A não ser que se assuma de vez a definição criada pelo jornal francês ?Le Monde? para o atual momento: ?nova desordem mundial?.
Aí, caberia misturar tudo: do avião da SAS a Jader Barbalho, passando pelo mar Negro, Washington e Cabul.
Mais do que George W. Bush, nesse assunto (bioterrorismo) a mídia –Folha inclusive- caminha às cegas, arriscando-se a misturar alhos com bugalhos.
O resultado, na hipótese de bioterrorismo doméstico, será uma amplificação das incertezas e do risco de estrondosos vexames jornalísticos.
Figueirense, Verdy
Um ziguezague marcou o noticiário da Folha, nesta semana, sobre o destino do atacante Edmundo após sua demissão do Cruzeiro (MG).
Depois de duas notas especulativas no Painel FC da segunda-feira, o jornal cravou no dia seguinte, em título de quatro linhas num alto de página: ?Fora da elite, Edmundo irá disputar a ?segundona’?.
O texto era sem rodeios, taxativo. Para quem gosta de futebol, notícia curiosa.
Na edição seguinte, a confirmação: ?O último empecilho para que o atacante Edmundo possa se transferir ao Figueirense (SC) foi resolvido?, começava a reportagem.
Na quinta, porém, não era bem assim. Discreta nota no Painel FC, minúscula em relação ao alarde precedente, anunciava que o jogador ?acertou sua transferência para o Verdy, de Tóquio?. Na sexta, nada.
O Lance! e o Jornal do Brasil também haviam dado na segunda a possível ida do ?animal? ao time catarinense. Mas a Folha foi a que bancou mais alto a notícia não efetivamente confirmada -e a que, portanto, caiu mais forte."