Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Bernardo Ajzenberg

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A VOZ DOS OUVIDORES



FOLHA DE S. PAULO

"Entre quatro paredes", copyright Folha de S. Paulo, 27/5/01

"O jornalismo impresso, em especial as publicações diárias, tem sido vítima, nos últimos anos, de bombardeios ameaçadores.

Desde a recessão imposta pelo Plano Collor, no início dos anos 90, as Redações passaram por diversos processos de enxugamento de seu efetivo e de ?reengenharia? em sua organização.

Recentemente, a proliferação de sites noticiosos, inclusive nas próprias empresas de comunicação tradicionais, no mínimo congelou as equipes ?off line?.

Combinada com o aperto e a consequente sobrecarga, cresceu a oferta de informações via internet, multiplicando-se, ao mesmo tempo, o trabalho de assessorias ou departamentos de comunicação das instituições ou empresas de maneira geral.

Esses fenômenos constituem um quadro propício a um ineficiente ?jornalismo de gabinete?. Ou seja: cada vez menos repórteres saem para a rua a fim de apurar fatos.

Em substituição ao contato real com os acontecimentos e seus protagonistas, predomina o uso do telefone e da internet.

Perde-se a capacidade de medir a temperatura ambiente e, portanto, de trazer informações ?quentes? e mais completas, com rapidez, para o leitor. Reduz-se a sensibilidade para avaliar o que ocorre fora dos corredores do Congresso e das salas palacianas, fora dos saguões empresariais ou dos salões de festa. Tamanho distanciamento, que é também isolamento, tem um preço -jornalístico e político.

A Folha, por exemplo, não tem conferido a alguns eventos recentes as devidas dimensões.
Nas últimas duas semanas, milhares de jovens e estudantes saíram às ruas em capitais ou cidades importantes do país, vociferando contra a corrupção e pedindo a cassação de líderes parlamentares, entre outros pontos.

A exemplo do que ocorre há anos na Europa, introduziram entre suas formas de atuação o recurso de exibir os traseiros nus; entraram em espelhos d’água; escalaram monumentos.

Quinta-feira passada [24/5], enquanto os detalhes da reunião do Conselho de Ética do Senado que deliberou sobre os destinos dos senadores Antonio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda dominavam as páginas de política, um espaço proporcionalmente reduzido era reservado aos atos públicos realizados em pelo menos cinco capitais.

Os relatos, espremidos, não permitiam perceber como ocorriam as ações, quem as organizava, seu grau de espontaneidade, o que traziam de mais relevante. Curiosidade legítima, já que desde o movimento pelo impeachment de Collor (92) não se via tal excitação. Nem mesmo a foto de manifestação na capa do jornal compensou as lacunas.

Quem soube refletir melhor o momento, ao menos a esse respeito, foi o jornal ?O Globo?, que no dia seguinte mostrou fotos das ?inovações? dos estudantes, em especial a exibição de nádegas -goste-se ou não. Alguns os chamam de neo caras-pintadas.

Algo semelhante houve na cobertura do protesto contra a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), organizado no dia 20 de abril na avenida Paulista.

O jornal registrou o ato e os confrontos entre os cerca de 600 manifestantes e a Polícia Militar. Noticiou um saldo de 12 feridos (dois policiais e dez manifestantes). Até aí, tudo bem.

Lendo nestes dias a edição de maio da revista ?Caros Amigos?, porém, me dei conta de que o relato trazido pela Folha sobre o que de fato se passou ali foi, no mínimo, limitado. A revista publica cinco depoimentos de pessoas que participaram do evento, e eles são estarrecedores. Um deles chegou a ser enviado para a própria Ouvidoria da Polícia Militar. A PM nega, mas os detalhes de maus-tratos, inclusive torturas, descritos fazem lembrar os métodos de repressão a passeatas usados na época do regime militar.

A Folha -e, de resto, todos os órgãos da chamada grande imprensa- deixou a desejar quanto ao epísódio. Ficou na superfície, para depois esquecê-lo.

Na última segunda-feira [21/5], cerca de 300 pessoas saquearam o estoque de um supermercado de Nossa Senhora da Glória, no sertão sergipano. E foi uma ação organizada. A notícia, contudo, ficou confinada a uma nota ?Panorâmica? no jornal dois dias depois do evento.

Pergunto: será que movimentações como essa não estão pipocando aqui e ali, e o público leitor simplesmente fica sem saber?

Não há no país, ao que tudo indica, mobilização semelhante à ocorrida na campanha pelas ?Diretas já?, tampouco às manifestações pelo impeachment de Collor. Além disso, como sempre, muito do que se agita é manipulado por lideranças artificiais.

Não se deve ceder à ingenuidade. A imprensa não pode cair em armadilhas ou ?aquecer? fatos.

Mas isso não significa ignorar ou subestimar o que se passa fora das paredes da Redação. É sempre perigoso, e jornalisticamente suicida, deixar de ouvir a velha e boa ?voz das ruas? -de preferência ao vivo, não por telefone.

A Folha teve uma boa idéia para mostrar que a população antecipa a redução de consumo de energia: fotografar uma vista de São Paulo e dias depois, no mesmo horário, repetir a dose.

O resultado saiu na capa da quarta-feira (23). São as duas fotos reproduzidas à direita. O contraste é evidente. Tão evidente que gerou e-mails ao ombudsman, em especial de fotógrafos desconfiados de que algum truque fora feito para ?justificar? a pauta. ?Quem entende um pouco de fotografia?, diz o leitor Valter Yoshida Jr., ?sabe que a luminosidade apresentada na primeira foto não decorre exatamente do número de luzes acesas mas do tempo de exposição da foto?.

O editor-adjunto de Fotografia do jornal, Eder Chiodetto, depois de relatar detalhadamente como elas foram realizadas, afirma que a autenticidade das fotos é ?inquestionável?. Segundo ele, ?a relação matemática entre velocidade e diafragma nas duas fotos é a mesma?.

Sem entrar no mérito técnico, e a despeito de rechaçar convictamente a hipótese de trucagem, sou levado a considerar que o tratamento dado às fotos e a impressão delas no papel -que costuma clarear mais o que já é claro e escurecer mais o que já é escuro- resultaram mal, propiciando, no mínimo, dúvida.

O mesmo não se pode dizer da alteração executada pelo jornal ?Diário Popular? em foto de sua capa de sexta-feira (veja ao lado). O jornal simplesmente limou a figura que havia atrás de Antonio Carlos Magalhães na foto, adquirida da ?Folha Imagem?. Eis um belo ?apagão?."


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