Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Bernardo Ajzenberg

FOLHA DE S. PAULO

"Ou vai ou racha", copyright Folha de S. Paulo, 3/6/01

"O circo montado pelos meios de comunicação em torno da renúncia do senador Antonio Carlos Magalhães tomou conta da semana.

Satisfação a anseios mórbidos do público? Concessão inebriada ao talento midiático do político baiano? Carência de diversão? Ingenuidade generalizada expressa na expectativa de que um discurso fosse detonar bombas atômicas capazes de estragos superiores a qualquer apagão? Talvez a mistura disso tudo, além da notícia propriamente dita.

Mas a montanha pariu um rato, como muitos analistas acreditam. E cabe agora à imprensa, justamente, tentar repor as coisas nos seus devidos lugares.

O fogaréu ?carlista? tende a refluir, a perder oxigênio. Não que ACM esteja politicamente morto, mas, em termos de mídia, até 2002 nada indica que ele fará jus a muita ribalta. Já foi o bastante.

Tanto o foi que, na mesma semana passada, três casos de extrema gravidade e importância passaram quase sufocados pelo tornado midiático ?carlista?.

Na edição de terça-feira, a Folha publicava que a Justiça Federal em São Paulo havia negado no dia anterior pedido do Ministério Público Federal de quebra de sigilos telefônico, bancário e fiscal do ex-secretário-geral da Presidência da República Eduardo Jorge Caldas Pereira.

A mesma reportagem informava que, atendendo a parecer do senador Bello Parga (PFL-MA), o Senado arquivou dois pedidos de informações sobre movimentações financeiras de EJ.

A Folha não publicou, mas, segundo o ?Estado de S.Paulo?, o juiz que indeferiu a solicitação da quebra dos sigilos o fez porque o rastreamento de contas do Banco Central ?não apurou até o momento qualquer dado que possa de uma forma ou de outra incriminar? Eduardo Jorge.

No mesmo dia, na página ao lado, na Folha, noticiava-se a condenação, nos EUA, de José Maria Teixeira Ferraz, um dos suspeitos de idealizar e comercializar o famoso dossiê Caribe.

Este ?affaire?, envolvendo nomes dentre os mais elevados (vivos e mortos) da cúpula tucana, foi retomado na quarta-feira, véspera da renúncia de ACM, quando o jornal publicou na capa, abaixo da dobra, a seguinte chamada: ?Para FBI, Motta não dirigia firma no Caribe?.

Dentro, a reportagem informava que, segundo a polícia federal norte-americana, a firma CH, J & T Inc., com sede nas Bahamas, não tinha o ministro das Comunicações Sérgio Motta (morto em 98) como sócio.

Ainda de acordo com o texto, ?o FBI e a PF suspeitam que o criador tenha falsificado o papel do dossiê que apontava Motta como diretor e que o ministro pode não ter tido nem conexão indireta com a empresa?.

Uma chamada pequena, de uma coluna, ao pé da Primeira Página da sexta-feira trazia o seguinte título: ?Malan repete que não sabia de ajuda ao Marka?.

Resumia, assim, o que de mais importante fora dito pelo ministro da Fazenda no dia anterior em depoimento de quase sete horas na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.

Como se recorda, o caso Marka/FonteCindam foi reativado por uma reportagem da revista ?Veja?, há duas semanas, cujo teor, a rigor, pouco acrescentava ao que já se sabia antes.

Esses três casos -EJ, dossiê Caribe e Marka/FonteCindam- têm, cada um separadamente, maior potencial explosivo real do que todas as páginas de discurso reunidas nos últimos meses por aquele que pretende voltar aos palcos por cima, no ano que vem, usando mais uma vez a Bahia como trampolim.

Mais do que isso -e eis o que interessa destacar aqui-, são casos malparados, que se arrastam já excessivamente e, por isso, estão a merecer solução, para um lado ou para o outro.

A imprensa tem aqui papel primordial. Não o de absolver ou condenar -isso cabe à Justiça-, mas o de esclarecer até o fim, à custa de investigação e revelação da verdade, sem preconceitos, o que aconteceu.

São três pendências bem concretas, que os leitores contabilizam entre aquelas que os jornais ou as revistas não souberam ainda resolver. E cobram satisfação.

Em especial as últimas notícias referentes ao caso EJ e ao dossiê Caribe, aqui apenas resumidas, depõem, em tese, a favor dos supostos candidatos ao cadafalso. Ampliam, assim, o desafio para os repórteres, ao mesmo tempo em que, de alguma forma, contribuem para tornar mais próxima a hora do desfecho.

O dossiê Caribe, goste-se ou não, está por um fio. As supostas provas de que EJ teria agido de modo criminoso em diversas frentes, também.

O mesmo vale até o momento para o caso Marka/FonteCindam, em especial quanto ao envolvimento supostamente condenatório do ex-diretor do Banco Central Francisco Lopes -e subordinados seus- nas operações de auxílio às duas pequenas instituições em janeiro de 99.

O ombudsman não tem a intenção de sugerir a inocência ou a culpabilidade dos protagonistas desses episódios. Ao contrário: até com certa inquietação, prega que o jornalismo autenticamente investigativo, mais do que nunca, não os abandone.

Mas a pergunta é inevitável: em que momento, com qual autoridade, alguém poderá decretar a necessária solução, ainda que não simultânea, de pendências tão graves como essas?
O ?trombone? de ACM -de modo paradoxal- mais atrapalhava do que ajudava na resolução de tais eventos. Manipulava cabeças. Embaralhava cartas, em tom superficialmente acusador. Queria ter tudo nas mãos.

De certa forma, sua retirada de cena, conquanto momentânea, pode significar a suspensão de alguns obstáculos e indiretamente tornar menos difícil o aprofundamento das apurações.
Nesse novo momento -no qual, aliás, muito se tem falado e escrito contra o ?denuncismo? da imprensa-, os leitores esperam dos jornais algo adicional, de preferência definitivo, para esses casos.

Afinal, muitas reputações estão em jogo -não nos enganemos-, sob diversas miras, em todos os lados do grande balcão."

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"Título mentiroso", copyright Folha de S. Paulo, 3/6/01

"Os títulos das reportagens estão dentre os elementos mais importantes do jornal. Como diz o ?Manual da Redação? da Folha, eles ?devem ser, ao mesmo tempo, capazes de tornar claro, em poucas palavras e em ordem lógica, o objeto da notícia e de atrair o leitor, incitando seu interesse?. ?O fato de dispor de pouco espaço para a formulação dos títulos?, diz o texto, ?não deve ser desculpa para eventual imprecisão?.

Acrescento, aqui, algo ainda mais elementar: os títulos devem ser fiéis aos fatos noticiados ou às declarações reproduzidas.

Nos últimos dias, pelo menos um caso chamou a atenção negativamente, na Folha, a respeito desse item. Aconteceu na edição do dia 24.

??Falta de ACM não é grave?, diz Ciro? -eis o título, em três colunas, na página A7.

Na reportagem, o pré-candidato do PPS à Presidência se referia ao papel do político baiano na violação do painel de votação do Senado. Sua declaração, no entanto, afirmava explicitamente o contrário. Leia:

?No caso desse julgamento, é flagrante que há um clima de histeria e que há desproporcional interesse de setores da mídia e da política e do governo de distrair a opinião pública com um fato que, sendo grave (o destaque é meu), não é o mais grave?, declarou Ciro Gomes ao jornal.

Comentei o erro na minha crítica interna daquele dia. A editoria de Brasil e a Secretaria de Redação do jornal, porém, não se sensibilizaram.

Trata-se de um caso menor, é certo. Mas pouco importa. Há que se levar qualquer título a sério. Senão, imagine o que poderá acontecer ao longo das eleições de 2002, com o inevitável tiroteio verbal entre candidatos."

    
    
              

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