FOLHA DE S.PAULO
"Furo natimorto", copyright Folha de S.Paulo, 1/6/03
"Eis um caso raro e curioso.
Na quarta-feira, a Ilustrada publicou em sua capa uma reportagem que exibia, com exclusividade, os inéditos números de medição de audiência de televisão de um novo instituto, o Datanexus, fruto de uma parceria entre o SBT e a empresa de um cientista político. Fato histórico: pela primeira vez em décadas, uma aferição ampla surgia para se contrapor ao tradicional domínio do Ibope nesse setor.
O texto, intitulado ?Ibope do SBT coloca em xeque audiência da Globo?, comparava números dos institutos e anunciava, logo de cara: ?Financiado pelo SBT, o Datanexus, novo instituto de pesquisa de audiência de televisão, será lançado hoje…?.
No mesmo dia, em outro caderno, Cotidiano, saía uma reportagem com o seguinte título: ?Impasse cancela novo medidor de audiência?.
Ela revelava que a tal parceria implodira devido a negociações frustradas entre as partes e que o lançamento do Datanexus, anunciado pela Ilustrada páginas adiante, fora cancelado.
Até aí, tudo muito esquisito, mas não necessariamente absurdo: a informação do cancelamento só chegou ao jornal no começo da noite de terça (18h40), quando a Ilustrada, que ?fecha? no início da tarde, já não podia sofrer alteração.
Nesse caso, os jornalistas, que tanto reclamam -com razão- das dificuldades por vezes impostas pelos prazos da operação industrial do jornal, acabaram usufruindo deles para tentar remediar, na mesma edição, um erro que já estava impresso.
Com efeito, melhor anunciar a atualização do tema em outro caderno do que deixar para fazê-lo apenas na própria Ilustrada do dia seguinte.
A iniciativa correta, porém, não deve ocultar a ocorrência de dois problemas sérios.
O primeiro é que leitores que, por algum motivo, não lêem ou não leram naquele dia o Cotidiano receberam da Folha, via Ilustrada, a informação de um lançamento, dada de modo taxativo, que simplesmente evaporou. Como comentei em crítica interna, faltou uma menção ao caso na Primeira Página e até mesmo um ?Erramos? que esclarecesse o imbróglio. Tais medidas ajudariam a atenuar a confusão criada
Mas há outra lição, de fundo, a ser tirada do episódio.
Ocorre que a reportagem original da Ilustrada se baseou apenas num lado da parceria, o cientista político Carlos Novaes, presidente do Datanexus.
O SBT, parceiro que bancara todo o projeto, investindo nele R$ 4 milhões, não fora ouvido para confirmar o lançamento -bem o SBT, comandado por um empresário, Silvio Santos, que, reconhecidamente, para o bem ou para o mal, tem o hábito de fazer mudanças bruscas na direção de sua emissora sem avisar ninguém.
À leitura da reportagem de Cotidiano, que procurou desvendar a crise, descobre-se, no entanto, que uma sucessão de desavenças, atiçadas por propostas que o SBT fazia e que Novaes recusava, havia eclodido entre as partes ainda na tarde de segunda-feira (a Ilustrada ?fechou? às 13h40 de terça).
Subentende-se no texto que o SBT claramente procurava, já então, pretextos para limar o lançamento.
Esses impasses, mesmo tendo sido aparentemente superados de modo momentâneo, deveriam aparecer já na reportagem da Ilustrada -ou ao menos levá-la a anunciar o lançamento de modo condicional (deve ocorrer, está previsto etc).
Por que isso não foi feito?
Simplesmente porque o caderno não tinha sido informado a respeito dos atritos pela única fonte que ouviu -e aí está o problema.
Houve omissão deliberada ou manipulação do jornal por parte dessa fonte? Seria grave afirmá-lo sem provas.
O furo noticioso existiu? Sim, e é, evidentemente, meritório; foi batalhado pela reportagem; não caiu do céu.
Os dados da pesquisa de audiência do instituto que nasceu morto -independentemente da discussão, que não cabe aqui, sobre sua confiabilidade (ou não), posto que bancados sem auditagem por uma emissora- são úteis? Claro, mesmo em termos especulativos.
Mas isso tudo acabou manchado pelos fatos e pelo deslize de anunciar com exclusividade a suposta estréia de um material tão relevante e tão explosivo comendo (cru) das mãos de uma fonte só."
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"Incorreção, imprecisão, omissão", copyright Folha de S.Paulo, 1/6/03
"Exemplos mencionados a seguir revelam que a Folha teve dificuldades ao longo da semana com a correção e a precisão em relatos publicados.
O mais relevante se refere ao episódio da mulher que, driblando a segurança e o cerimonial, aproximou-se do presidente da República e fez um discurso a quase um metro dele em ato de lançamento da política nacional de saúde mental, quarta-feira, no Palácio do Planalto.
O jornal mencionou o fato em dois parágrafos enxertados no meio da reportagem sobre a cerimônia, optando por destacar, em imagens, dois atores que ali se pronunciaram.
Sobre o discurso da mulher, informou apenas que ?pregou o evangelho? e falou da importância de Cristo no tratamento de doentes mentais.
A concorrência, porém, não só publicou a foto dela cara-a-cara com um Lula visivelmente constrangido como também ressaltou que, em seu discurso, a mulher fizera uma aberta defesa do traficante Fernandinho Beira-Mar. Uma coisa e outra, aliás, haviam sido mostradas desde a noite de quarta-feira, no ?Jornal Nacional?.
Onde estavam, então, os repórteres da Folha, que teve de recuperar tudo na edição de sexta?
Em reportagem na terça-feira sob o título ?Primeira viagem de Kirchner deve ser ao Brasil?, o jornal informou que, na noite anterior, um grupo de estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires tinha realizado uma manifestação contra o ditador cubano Fidel Castro, cuja palestra, que seria feita ali, ?foi suspensa após os protestos?.
Um leitor e um conselheiro da embaixada de Cuba no Brasil enviaram e-mail ao ombudsman dizendo que a palestra ocorrera, sim, com ?milhares? de presentes -fato divulgado, inclusive, em alguns jornais.
A correspondente da Folha em Buenos Aires alega que o texto dizia que a palestra havia sido ?suspensa, não cancelada?. Relata também que ela seria às 18h e foi adiada por conta dos protestos, só começando às 22h30.
Tudo bem. Ainda assim, não dá para entender por que a informação de que o discurso, afinal, aconteceu não foi publicada pelo jornal, cuja edição mais tardia se encerra por volta das 23h (não há diferença de horário entre nós e a capital argentina).
Cuba, aliás, protagonizou um outro texto problemático -pequenino, mas cheio de lacunas.
Foi na edição de quinta, dentro do material sobre o relatório da Anistia Internacional referente aos direitos humanos em diversas partes do mundo.
Ele informava que o Senado brasileiro tinha aprovado uma moção contra a recente onda de repressão a dissidentes promovida por Havana.
Nada dizia, no entanto, sobre quando isso ocorrera nem como tinha sido a votação, ficando insatisfeita a curiosidade elementar de todo leitor interessado no assunto sobre, por exemplo, como teriam votado, aí, os parlamentares do PT.
O dólar não caiu nem subiu por causa dessas omissões, mas o jornal não deveria subestimá-las. Elas denotam desprezo pelos fatos, falta de vivacidade na reportagem e na edição, além de lapsos de sintonia com interesses básicos do leitor."