Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Bernardo Kucinski

TERROR & HORROR

"A vida continua", ins Cartas Ácidas copyright Agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br), 17/09/01

"Por motivos tanto trágicos quanto positivos, o PT foi o grande destaque nacional do fim de semana e desta segunda-feira. Talvez devido à tragédia do assassínio de Toninho, o prefeito de Campinas, houve um recuo do método manipulativo, que vinha retirando declarações de petistas sobre o terrorismo fora de seu contexto ou invertendo suas ênfases, para prejudicar a imagem do partido.

Época e IstoÉ fizeram reportagens tocantes sobre a morte de Toninho. Hoje os jornais abrem amplos e positivos espaços às eleições internas do PT para escolha do novo presidente. E pela primeira vez não se pode atribuir a manipulação da imprensa a expressão ?PT light?. Lula parece ter assumido essa expressão como própria e positiva.

Nota zero para a Folha

Foi a Folha que inventou a expressão ?PT light?. Talvez inconformada pelo fato de ter se tornado uma expressão positiva e incorporada por Lula, a Folha no domingo saiu-se com a lamentável e editorializada manchete: ?Desbotado, PT escolhe seu presidente em eleição direta?.

A geopolítica da intervenção

Todos os jornais deram manchete ao ultimato de três dias para a entrega de Bin Laden. Mas e se o Taleban não o entregar? A Folha saiu na frente hoje, explicando em página dupla os conflitos geopolíticos que tornam arriscada uma intervenção norte-americana no Afeganistão. O Paquistão usa o Taleban como instrumento de sua disputa contra Índia pelo controle da Cachemira. A China teme que a intervenção consolide um domínio americano na região. Os militares paquistaneses, que chegaram ao poder através de um golpe, temem uma reação das massas muçulmanas. As três principais potências da região, Índia, China e Paquistão, tem armas nucleares. Os norte-americanos precisam costurar a ?grande aliança? de apoio a uma intervenção.

Guerra suja e terrorismo

Duas expressões que designam o mesmo método: usado pelos norte-americanos é ?guerra suja?; usado por Bin Laden é terrorismo. A ?guerra suja? foi proposta ontem pelo próprio vice-presidente dos Estados Unidos, Dick Cheney, e está em todos os jornais. Já é uma palavra feia, o que aponta para o desespero que ainda domina os gestos dos norte-americanos. Ele nunca deveria usar essa palavra. Significa que o governo dos EUA vai pedir a revogação de uma lei de 1976 que limitava a autonomia da CIA para contratar assassinatos e outros atos de terrorismo. Nenhum jornal lembrou-se de fazer a clássica matéria de pesquisa sobre os atos de guerra suja dos norte-americanos que levaram o presidente Ford a propor as restrições, por pressão da opinião pública do país, depois do escândalo Irã-Contras.Tudo o que leve à exegese das relações pecaminosas dos norte-americanos com criminosos está sendo tratado discretamente, nos interstícios do noticiário, porque de outra forma quebraria o discurso dominante.

Um mundo mais vigiado

Época abre sua edição da guerra com a frase forte: ?O mundo se tornará um lugar mais vigiado?. O terrorismo, assim, se incorpora á totalidade de nossas vidas, mudando as condições em que todos vivemos, e não apenas as condições das regiões em que ele se abriga ou que ele ataca. No JB de hoje, uma pequena matéria de Robin Toner, reproduzida do New York Times, discute as preocupações dos norte-americanos com a preservação de suas liberdades civis. A idéia é de que nenhuma restrição seja adotada precipitadamente. Na prática, já foram restringidas as informações e já foram feitas dezenas de prisões. Na política externa norte-americana, o critério ?anti-terrorismo? vai ocupar lugar de destaque em toda negociação ou operação.

A questão palestina

O critério do anti-terrorismo já começou a valer nas relações com Arafat, segundo interessante reportagem de Lourival Santana, nas edições do Estadão de ontem e de hoje. No meio do avalanche de matérias repetitivas e retóricas da cobertura nacional, Lourival dá informações preciosas sobre contatos entre Arafat e líderes ocidentais. Diz que Arafat está consciente de que tem informações insubstituíveis sobre os terroristas e vê uma oportunidade de barganhar esse serviço com o Ocidente, para compensar a sinuca de bico em que ficou. No noticiário noturno, a BBC diz que Putin também ofereceu os estoques de informações dos russos, ?que no passado tinham muitos contatos com esses grupos?, para ajudar os norte-americanos a desmantelar as redes de terrorismo.

Terror e anti-americanismo

O ataque terrorista despertou no Brasil uma visão autônoma em relação ao discurso dominante na mídia Ocidental. Uma visão mais terceiro-mundista. Todos condenam com veemência o terrorismo. Mas a concordância para aí. Com a exceção do Estadão, jornalistas brasileiros em sua maioria não apóiam o alinhamento automático com os norte-americanos. Acusam os EUA de arrogância, por exemplo, ao retirarem sua adesão ao protocolo de Kyoto. Ouvintes que intervêm nos programas de rádio também se opõe a um alinhamento automático. ?A solidariedade com o povo americano deve ser total… mas não parece conveniente embarcar na ânsia de vingança, diz a Folha no seu editorial do sábado. E no domingo advertiu contra ?o crescimento do ódio ao diferente?. Mino Carta, em sua revista Carta Capital, diz que ?o que se viu foi a transferência para o plano global da injustiça outrora reservada aos cenários nacionais. Ricos cada vez mais ricos, pobres cada vez mais pobres.?

FHC pisou na bola?

O deputado federal Vittorio Mediolli, do partido do governo, o PSDB, escreveu na Folha que a operação de eliminação dos fanáticos deve ser limitada aos seus quartéis de treinamento e acompanhada de uma vasta operação diplomática de aproximação com os árabes. FHC, que tentou tirar proveito da situação, convocando a espetacular reunião ampliada, inclusive com líderes da oposição, vai ter de qualificar bem o apoio que der às ações americanas. Não há apoio da opinião pública à ações que sejam também terroristas ou que levem grande sofrimento a inocentes. Na enquete ?on line? do JB, quase 80% dos acessos até amanhã de hoje eram contrários ao apoio brasileiro a uma intervenção militar norte-americana.

Folha encontra sua vocação jornalística

Após 25 anos de um jornalismo de intervenção, mas basicamente adolescente, a Folha de S. Paulo deu um salto de qualidade em sua cobertura do ataque terrorista à Nova Iorque. Os cadernos especiais se caracterizam pelo conteúdo reflexivo e pela autonomia de enfoque. No caderno deste domingo, foram relacionados dez temas considerados importantes na configuração das tensões mundiais, e cada um deles tratado em profundidade por um articulista, a maioria deles brasileiros, em contraste com os especiais de outros jornais dominados pro artigos traduzidos. Entre os temas da Folha havia racismo, militarismo, desigualdade e meio ambiente. O ?ombdusman? informa que 200 jornalistas se mobilizaram na terça-feira para a cobertura.

As causas subjacentes do terrorismo

Há uma associação recorrente nos comentários da mídia brasileira entre o ataque terrorista e o que muitos chamam de ?arrogância norte-americana?. O comentário mais ameno e diplomático foi feito por Lula, que disse que por serem a nação mais poderosa do mundo, os EUA fazem muitos amigos e muitos inimigos. Luciano Coutinho, na Folha de domingo, relaciona os ataques à desordem geral que marca esta etapa da globalização e reclama a necessidade de solução de conflitos crônicos, como o palestino, e de criação de foros que regulem em alguma medida o capitalismo global.

A opinião dos especialistas

Especialistas de todo o mundo, em especial ingleses e norte-americanos, ocupam o espaço da mídia para discutir o significado do ataque terrorista.Christopher Coker, no Estadão de domingo, diz que se trata de um novo tipo de terrorismo, e o equipara a outros problema atuais de caráter global, como o efeito estufa ou a aids.

Em Carta Capital, Michael Clarke, especialista do King?s College de Londres, e Alan Brinkley, da Universidade de Columbia, dizem, em textos separados, que a inteligência de Bush é pouca para o tamanho do problema.Willian Greider, autor de ?Fortress América?, livro de referência para o estudo do poder militar norte-americano, lembra que os EUA se acostumaram a bombardear países que não estavam em guerra, uma postura de ?valentão?. Acha que isso será feito de novo. Também acusa o governo Bush de ter tido um início muito arrogante, e o advertiu de que o ataque terrorista deve servir de alerta contra arrogância. No Estadão, Sarah Baxter, do Sunday Times, traz em página inteira a crítica (e a auto-crítica) do próprio Kissinger à política externa norte-americana.

E a intervenção dos intelectuais

No Estadão de domingo, Mário Vargas Llosa, cuja pátria está destroçada por terrorismo, guerrilhas e narcotráfico, chama o terrorismo de ?hidra de mil cabeças?, e sustenta que a única forma de extirpá-lo é acabar com todas as ditaduras. Noam Chomsky, no JB de domingo, lamenta que a reação de seu povo seja de fervor nacionalista. Diz que o momento pede reflexão e reavaliação, inclusive dos motivos pelos quais há ressentimentos contra os norte-americanos em certas regiões do mundo.

João Ubaldo Ribeiro ironiza o sociólogo norte-americano Francis Fukuyama, que havia prognosticado o fim da história. ?A história começou?, é o título de seu comentário no Estadão. E Carlos Heitor Cony arrisca uma comparação delicada, dos terroristas com os cristãos primitivos. Os primeiros cristãos primitivos também se viam como mártires que, ao morrer, iriam para o reino dos céus, além de também enfrentarem um império.

A guerra simbólica

Os motivos do ataque que não visou enfraquecer militarmente nem economicamente os EUA são amplamente discutidos pela mídia. Em O Globo de domingo, o filósofo Francês Paul Virilio lembra o texto de um ensaio que escreveu em 1993, após a tentativa abortada de explosão do World Trade Center, cujo título era ?O Delírio de New York?.

Virilio ressaltou o papel do WTC como símbolo do capitalismo e das telecomunicações, e interpretou o ataque terrorista como nova espécie de guerra, cujo objetivo é comunicar e impressionar, de preferência através da TV. É a guerra simbólica, em que os alvos não são o poder, e sim os seus símbolos. O terrorismo sempre foi marcado pelo objetivo de impressionar. Por isso os atos terroristas são especialmente brutais. Por esse raciocínio, os ataques ao WTC ou à danceteria de Tel-Aviv determinam o padrão da verdadeira guerra pós-moderna, a guerra simbólica, e não os ataques americanos ao Iraque, que, ao contrário, visavam efetivamente destruir o poder do Iraque, ocultando ao máximo a destruição.

Nas entrelinhas

Carta Capital diz que Bush caiu em estado catatônico nas primeiras horas. E quando se recuperou, não conseguiu falar nada que se comparasse á expressão ?dia da infâmia?, pronunciada por Roosevelt quando do ataque à Pearl Harbour. O Estadão revela que no julgamento dos acusados dos atentados às embaixadas norte-americanas, no Leste da África, estão detalhes valiosos das operações de Bin Laden e de seu status de amigo especial da CIA, nos tempos em que ajudava a combater os soviéticos. Todos os jornais noticiam que o governo norte-americano deu ordens para derrubar os aviões, mas nenhum teve a coragem de especular porque havia destroços do quarto avião a quilômetros do lugar onde caiu.

Retrato do Brasil

Pelo menos 3.100 crianças trabalham em atividades criminosas, como o narcotráfico e a prostituição, somente na cidade do Rio de Janeiro. Está em O Globo de hoje, ocupando toda a página 12. No Estado do Rio, mais de

23 mil crianças entre 7 e 14 anos trabalham, quando deveriam estar na escola. A maioria esmagadora são engraxates e catadores de lixo.

Não deixe de ler

Folha e Carta Capital tiveram a mesma idéia de publicar trechos do ensaio ainda inédito de José Luiz Fiori, ?Império e Pobreza?, em que ele analisa o ?Novo Sistema Mundial? e a velocidade e intensidade com que se deu a polarização da riqueza e da renda. Em Carta Capital (páginas 24 a 30), temos o que parece ser o preâmbulo do trabalho. Na Folha (páginas A2 e A3), temos um trecho mais quente que fala dos tempos atuais. Fiori sustenta que, com o colapso do comunismo, deu-se um retorno ?a crenças e políticas? da primeira era de ouro do capitalismo, a era do ?free-trade? britânico. Diz que as mudanças tecnológicas, militares e financeiras deram enorme capacidade de comando aos Estados Unidos, e que está em curso um novo projeto de dominação e organização imperial do poder mundial."

 

"Funcionário do FBI desmente informações da ?Newsweek?", copyright Último Segundo (www.ultimosegundo.com.br), 16/09/01

"O FBI desmentiu no sábado as informações da revista ?Newsweek? de que o orgão federal estaria investigando há duas semanas dois suspeitos de envolvimento no atentado contra o destróier USS Cole, no Iêmen, que teriam participado dos atentados na terça-feira passada.

?Estas informações estão erradas?, disse um funcionário do FBI, que pediu anonimato.

Segundo a ?Newsweek?, o FBI recebeu informações sobre Khalid Al-Midhar e Salem al-Hamzi, que participaram do ataque terrorista contra o prédio do Pentágono.

A revista, que cita fontes da inteligência norte-americana, afirma que Al-Midhar foi filmado por uma câmera de vigilância em Kuala Lumpur, na Malásia, em companhia de um homem envolvido no atentado contra o USS Cole e que está preso no Iêmen.

Al-Midhar estaria inclusive incluído na lista negra do Serviço Americano de Imigração (INS) por sugestão da CIA, devido a possíveis vínculos com uma organização terrorista.

Segundo a ?Newsweek?, o INS foi advertido em agosto passado e descobriu que Al-Midhar já estava nos Estados Unidos.

O funcionário do FBI disse que a câmera de vigilância em Kuala Lumpur filmou Al-Midhar ?antes do incidente do USS Cole?. O agente não explicou porque o FBI não se interessou por Al-Midhar, limitando-se a indicar que ?ele não foi assinalado como terrorista?.

O atentado suicida contra o USS Cole, no porto de Aden, matou 17 militares americanos em outubro de 2000."

"O Duelo", copyright Comunique-se (www.cumunique-se.com.br), 17/09/01

"Da poeira levantada pelas torres do World Trade Center vi surgir uma idéia em minha já algo confusa cabeça (ainda mais agora que estou há cinco dias com uma gripe horrível): com a excelente cobertura da tragédia, o jornal de papel mostrou que ainda não está morto, mas a demonstração da TV que pode contextualizar um fato político ao mesmo tempo em que ele se desenrola acabou por lançar mais um desafio ao tradicional e mais querido meio de comunicação.

Primeiro, às boas notícias para o nosso bom e velho jornal. Claro que os terroristas árabes foram muito gentis em botarem por terra as torres gêmeas pela manhã, facilitando a organização, mas a operação de cobertura foi realmente executada com brilhantismo: os principais jornais do eixo Rio-São Paulo foram devidamente distribuídos nos pontos-chaves das cidades a tempo de pegar a população tomando o rumo de casa. As edições, cheias de fotos como não poderia deixar de ser, conseguiram passar a confusão reinante (até porque era a mesma que deve ter tomado conta das redações), mas os textos deixaram um pouco a desejar na questão da análise do que ocorria (falando dos jornais que se propõem a isso, claro. Os populares estão fora).

?Ah! Mas assim, sem cima da hora, não dá pra fazer análise!?, dirá você. Bem, realmente é difícil, mas impossível não é, tanto que a Globonews fez algo que também me deixou muito feliz: pegou analistas formados pela universidade e os botou diante das câmeras para eles comentarem o que estava ocorrendo em cima do lance. Como sabe quem já estava acostumado a ler a coluna no tempo do Coleguinhas.jor.br, sempre defendi que a Academia é uma fonte praticamente inesgotável de pautas e de analistas para os veículos de comunicação. Talvez por desprezar teoria – ou por pura burrice mesmo -, os coleguinhas não costumam transformar em fontes os especialistas universitários, e, quando o fazem, por preguiça ficam nos mesmos para sempre (não posso admitir que David Zee seja o único oceanógrafo do Rio e o Mário Moscatelli o único biólogo…).

A equipe de produção da Globonews mostrou, porém, que tem habilidade e conhecimento suficientes para buscar gente – cientistas políticos, especialistas em relações internacionais, historiadores, estrategistas, peritos em aviação – que normalmente não aparecem na telinha (e que, por sinal, demonstraram uma desenvoltura surpreendente diante das câmeras). E isso sem deixar de mostrar aquelas imagens perfeitas, de quase todos os ângulos (só faltaram, na hora, os dos pilotos dos jatos…) que deixaram o Waltinho Moreira Salles morrendo de inveja.

Me parece que este desempenho da Globonews acaba por lançar um novo desafio aos jornais. Afinal, a idéia que todos tínhamos é que o caminho para os jornais sobreviverem no futuro seria a sua capacidade de analisar e contextualizar os fatos. Mas se a TV e a internet (que foi assim-assim dessa vez, mas que tende se recuperar a tempo de cobrir bem o atentado atômico ou biológico previsto para os próximos anos) puderem fazer isso ao mesmo tempo em que os tais fatos ocorrem? O que sobraria aos jornais de papel? Talvez, só se tornarem jornais on line…

Pois é. Talvez aquelas piadinhas dando conta das manchetes dos jornais a respeito do fim do mundo talvez devam ser repensadas: afinal pode ser que os jornais como os conhecemos durem ainda menos que a Humanidade por mais que isso pareça pouco provável neste momento…"

    
    
                     
Mande-nos seu comentário