CRÍTICA INTERNA
"Cartas Ácidas", copyright Agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br)
"6/05/02
Só falta a fotografia
Foi esse o comentário de Cony, na Folha de hoje, comparando as acusações contra Serra com o caso Lunus. A Folha dedica mais de 3 páginas ao novo escândalo, incluindo uma entrevista com o empresário Carlos Jereissati em que ele tenta explicar o dinheiro que deu à campanha de serra e que não aparece nos registros. Só que ele não combinou antes com Serra e o próprio Serra acha a explica&ccediccedil;ão difícil. Luiz Carlos Mendonça de Barros também promete jogar mais lenha na fogueira. No clima atual, em que os critérios dos eleitores são sobretudo morais, a candidatura Serra foi profundamente atingida, como propõe a manchete de hoje do JB: ? Escândalo pode tirar Serra da sucessão?. O Globo também anuncia na sua primeira página um acirramento ? da crise tucana.?
Por que VEJA se voltou contra Serra?
Ao construir um caso contra Serra de forma tão incisiva e estudada, a partir de fatos que já eram conhecidos, VEJA derruba as teorias que colocavam a revista, e o os meios convencionais de comunicação em geral, como fechados com a candidatura Serra. O que aconteceu? As teorias estavam erradas? . Ou o racha no bloco de poder é mais profundo do que se imaginava? Há pelo menos três explicações para a virada de VEJA, todas compatíveis entre si.
A hipótese da competição jornalística
A explicação mais inocente para a reportagem de VEJA contra Serra é da competição jornalística pura e simples. VEJA precisa disputar com ÉPOCA um mercado cada vez mais difícil, em que vem ocorrendo queda tanto de vendagem quanto de publicidade. Esse é o mecanismo virtuoso, da competição jornalística, que faz com que cada veículo queira superar o outro, com ?furos? de reportagem. O leitor e a democracia em tese saem ganhando.
Foi esse mecanismo de competição virtuosa que levou o Washington Post e o New York Times a perseguirem incessantemente o escândalo Watergate, até a derrubada de Nixon. O processo se reproduziu no Brasil, duas décadas depois, quando VEJA e ISTOÉ, competiram pela primazia do ?furo?, na devassa do governo Collor, que finalmente levou também á seu impeachement.
Esta semana, ÉPOCA também saiu com uma informação nova sobre o escândalo das privatizações, reforçando a hipótese de que , mesmo havendo outros motivos, as duas revistas entraram em regime de competição virtuosa pelo ?furo?.
A hipótese patrimonialista
Mas o ?furo? de VEJA foi forçado: uma cozinha de coisas já sabidas. Uma segunda hipótese, que não exclui a primeira, é a de que os Civita decidiram atacar o esquema Serra por considerarem que é também o esquema Globo. Na campanha de 1994 houve uma guerra de religiões subjacente à guerra política. Nesta campanha pode estar havendo uma guerra entre grupos de comunicação, subjacente á disputa eleitoral. Tanto assim que Silvio Santos foi descartado como solução do PFL, porque empurraria a Globo para outros candidatos, talvez até para Lula. A crise do setor de comunicações é profunda e generalizada, fazendo com que cada empresa se sinta ameaçada pelas demais. E cada uma tenta cobrir os prejuízos operacionais mamando patrimônio nas tetas do Estado: empréstimos e concessões de bandas de rádio, TV e Tv a cabo.
A gota d?água, para a Abril, seria o empréstimo de US$ 500 milhões que a Globo acaba de receber do BNDES. A Globo é hoje a grande predadora do mercado da Abril, justamente através do lançamento de ÉPOCA . VEJA é a grande máquina de fazer dinheiro dos Civita. A semanal da Globo não tirou inicialmente muitos leitores de VEJA, mas tornou impossível o crescimento dessa revista e ainda abocanhou parte de sua publicidade , além de levar parte de seus quadros jornalísticos. O próximo ataque da Globo contra a Abril é o lançamento da Vejinha da Época?, a partir do diagnóstico de que a VEJINHA é hoje o pilar de sustentação da VEJA.
A hipótese a rearticulação política
Essa é mais forte. A fritura de Serra teria sido uma decisão do grande empresariado, para permitir a recomposição do bloco de poder e assim zerar a campanha e derrotar Lula. bloco de poder. Vinicius Torres freire, na Folha de hoje,m fala em ?campanha da direita do governo para derrubar (Serra) ?.O próprio Serra ?acha que está sendo vítima de um complô articulado por setores políticos e empresariais interessados em trocar o candidato tucano…?, conforme reportagem da Folha de hoje. O Estadão de ontem diz que comando (do PFL) está sendo ? pressionado por empresários, banqueiros e investidores? para recomporem a aliança com o PSDB, temendo o cenário do turno único com Lula.
O sacrifício de Serra é necessário a essa recomposição, como Bornhausen não se cansa de dizer. VEJA pode ter tomado a iniciativa como parte dessa manobra. Mesmo considerando as outras hipóteses, a da competição jornalística e da competição patrimonialista, VEJA não teria estruturado sua reportagem para atingir Serra se isso não fosse compatível com algum tipo de articulação política dos elites dirigentes. E essa articulação só pode ter como objetivo, tentar impedir a vitória de Lula.
A hipótese da rearticulação do bloco de poder é reforçada pela participação ativa de tucanos na denúncia. Claro que todos eles magoados pela escolha de Serra, mas esse é o fator subjetivo da crise. Já há claramente uma ala de tucanos que propõe tirar Serra para reconstruir o bloco de poder.O risco da operação é o envolvimento do governo FHC, por improbidade ou prevaricação. Por isso a reportagem de VEJA é cuidadosa e faz questão de isentar o presidente.
A guerra dos Estados Unidos contra o mundo
Foi esse o tom de diversos editoriais deste fim de semana, após a decisão do Congresso do Estados Unidos de destinar US$ 180 bilhões a subsídios agrícolas nos próximos dez anos, prejudicando diretamente os produtores brasileiros .? Estados Unidos declaram nova guerra protecionista global.? Comentário forte e conciso de Gilson Schwartz, na página B2 da Folha de domingo. Ele sustenta que ao fechar ainda mais os mercados aos produtos dos países periféricos endividados, o governo norte- americano torna esses países ainda mais dependentes do FMI e do Banco Mundial.
O Estadão, sempre americanófilo, dessa vez atacou os Estados Unidos: ?Um golpe contra o comércio agrícola?, é o título de seu editorial principal do domingo, que termina criticando o servilismo do governo FHC: ? O Brasil pode acionar os Estados Unidos na OMC, mas o governo, embora com pareceres favoráveis, ainda não iniciou o processso. O que está esperando??
ÉPOCA dedicou um editorial sobre o que chama de ?antiamericanismo?, em que seu editor Paulo Moreira Leite critica duramente a política externa norte-americana, dizendo que : ?Bush tornou- se incapaz de distinguir parceiros de adversários.?
Não deixe de ler:
A declaração de princípios de André Singer, que assume o cargo de porta-voz da campanha de Lula. Ocupa a íntegra da página 46 de ÉPOCA desta semana. Singer explica que aceitou o convite como um duplo privilegio, o de manter o compromisso com a verdade, transmitindo de modo correta, veraz as opiniões e propostas da candidatura, e o de protagonizar as transformações que o Brasil exige, um sonho da sua geração.
A reportagem das páginas 32 e 33 de ÉPOCA, revelando que o vice de Garotinho, o jurista Costa Leite, trabalhou durante mais de dez anos para o SNI durante a ditadura.
3/05/02
Especulação à brasileira
A espetacular queda da bolsa na quinta-feira (2) e o pessimismo geral do mercado financeiro são o melhor exemplo daquilo que os economistas chamam de ?profecia que se auto-realiza?. De tanto preverem uma fuga de investidores do Brasil por causa de Lula e outras causas, acabaram provocando mesmo um início de turbulência.
Mas não pensem que é um caso de auto-engano. É pura manipulação de mercado. A suspeita de alguns jornalistas mais espertos (ou mais bem informados) é que o mercado foi induzido ao pânico pelo próprio governo, para criar medo na população e empurrá-la à candidatura Serra. Seria a grande contribuição brasileira à prática da especulação: especulação financeira para fazer política partidária.
Manchetes terroristas
São claramente terroristas as manchetes de Estadão, O Globo e JB desta sexta-feira (3). A do Estadão ocupa todo o topo da primeira página, um verdadeiro pôster anti-Lula: ?Efeito Lula faz mercados desabarem?. As de JB e O Globo, menos destacadas , tem o mesmo tom: ?Favoritismo de Lula faz banco alertar investidor?, diz o JB. ?Mais um banco vê risco na eleição e derruba a bolsa?, diz O Globo.
Essas manchetes são terroristas porque (a) ignoraram todos os outros fatores mencionados pelos próprios bancos e corretoras ao rebaixarem a avaliação de papéis do Brasil, fixando-se apenas no fator Lula. Além disso, (b) noticiaram como fato uma mera suposição, já que essa é a natureza da maioria esmagadora das explicações e chutes dos jornalistas sobre quedas e altas das bolsas, e (c) cunharam a expressão ?efeito Lula?, com evidente propósito ideológico.
Bancos especulam, mídia faz terrorismo
Desde a véspera do feriado, Folha e O Globo vinham explorando de modo sensacionalista e com objetivos político-eleitorais um fato menor, de significado estritamente localizado. O Globo deu manchete de oito colunas na primeira página, fazendo dela um pôster terrorista anti-Lula: ?Malan critica agências que vêem risco na eleição de Lula?. A Folha deu manchete menor, mas igualmente terrorista e na primeira página: ?Bancos dos EUA vêem risco maior com a subida de Lula?. O Estadão foi ainda mais grosseiro na afirmação de uma relação da causalidade. ?Bancos rebaixam os papeis da dívida por causa de Lula?.
A teoria da conspiração
Tereza Cruvinel, na sua coluna em O Globo, endossa a grave acusação de Mercadante, no Estadão, de que tem dedo do governo nessa turbulência. Lembra que ?(…) o último programa de Serra faz clara referência ao risco e à situação da Argentina…? e conclui que ?(…) operar com a insegurança pode ser novamente a opção do PSDB, embora os tucanos por ora façam conveniente silêncio ante o alarido das prognósticos…?
Para arrematar, ainda lembra esta frase de FHC: ?Em 1994 fui eleito pela esperança, em 1998 fui reeleito pela insegurança diante da crise externa…?
As causas objetivas da turbulência
Luiz Nassif, na Folha desta sexta-feira, sustenta que ?a deterioração das expectativas econômicas? começou há um mês. A economia não reagiu da forma como se previa no começo do ano. Atribui a essa deterioração à crise Argentina, a debilidade de nossas exportações, o grande aumento da inadimplência e do desemprego.
Sonia Racy, no Estadão, também sustenta, com base na análise de outra empresa, a MB Associados (do Mendonça de Barros), que fatores objetivos justificam o pessimismo do mercado, entre eles: rebaixamentos da expectativa de crescimento econômico, de 2,5% para 2,3%, e do crescimento das exportações, de 4,7% para 3,7%; queda significativa , de 2%, no rendimento da população devido à crise energética e, principalmente, o fato de o Banco Central, na sua última reunião, interromper a trajetória tão esperada de queda gradativa da taxa de juros
A cobertura correta da Gazeta Mercantil
A Gazeta Mercantil, único jornal que informa sobre o assunto sem fazer terrorismo, cita parte do relatório da Merill Lynch: ?Enquanto notamos recente movimento de venda, em parte influenciado por investidores transitórios, vemos mais possibilidade de risco de baixa no curto prazo?. Vejam bem, no curto prazo. E ainda acrescentou que há potencial uma volta da tendência de alta logo em seguida.
E algumas das causas do mercado
A decisão simultânea de duas grandes empresas, Eletrobrás e Petrobrás, de suspenderem o lançamento de bônus no exterior, num total de US$ 650 milhões, e mais o anúncio de que a Ambev terá de ir ao mercado de dólar para pagar boa parte dos US$ 643 milhões pela compra de uma cervejaria Argentina, são causas muito mais diretas e prováveis de um aumento do dólar no mercado do que um suposto Efeito Lula. E os lançamentos foram suspensos principalmente por problemas no mercado americano, especificamente o rebaixamento das empresas WorldCom e Xerox.
Da mesma forma, o boato de que o Vox Populi traria Lula com 42% das intenções de voto, que começou a ser espalhado na bolsa desde a manhã, pode ter sido a causa mais provável da queda do índice, conforme relata a Gazeta Mercantil. Foi o boato e não Lula que derrubou a bolsa, porque esse Vox Populi nem existiu. O episódio mostra o componente altamente especulativo da turbulência.
Como funciona a especulação
Esses boatos e informes de corretoras fazem parte do universo especulativo, que tem vida própria. Mesmo quando informam, esse objetivo é condicionado ao posicionamento da corretora nesse mercado. As corretoras e bancos que desde a segunda-feira (29), estão recomendando menos investimentos em títulos da divida brasileira já venderam seus títulos dias antes, como foi revelado por Celso Pinto, na Folha de 25 de abril, portanto quatro dias antes da primeira avaliação negativa, da Merril Lynch e da Morgan Stanley, na terça (30). ?Nos últimos dias o indicador de risco Brasil, o Embi, que tinha despencado para 700 pontos no dia 15 de março, fazendo muita gente ganhar dinheiro (…) parece caminhar para algo mais perto de 800?.
E como funcionam os boatos e as previsões
Primeiro as corretoras venderam, depois começaram a espalhar que as coisas não iam bem no Brasil. Hoje podem recomprar a mesma quantidade de títulos a preço bem menor, embolsando uma boa diferença. Isso se chama especulação. Na próxima rodada, vão espalhar que as coisas melhoraram, o valor dos títulos sobem, eles vendem, ganhando mais uma vez. Ganham na ida e ganham na volta.
Os títulos da dívida externa brasileira são os papéis ideais para os investidores que gostam de jogar pesado, arriscando muito. E porque eles se prestam ao cassino financeiro? Porque já foram emitidos com um grande desconto do valor de face, por representarem a mais critica situação brasileira da dívida externa. Às vezes, parece que vai tudo bem e, no fim, o governo vai pagar. Às vezes se vê que vai tudo mal e que, no fim, terá de haver nova reestruturação da dívida. Em cima dessa incerteza objetiva da situação e do endividamento dos países periféricos, os especuladores e os espertinhos de todos os tipos fazem suas jogadas especulativas.
Um país ou uma curva?
O que é o índice Embi mencionado inicialmente por Celso Pinto e nesta sexta-feira por todos os jornais? É uma aferição feita por um banco, o JP Morgan, de quanto estão rendendo de juros os títulos da dívida externa brasileira a cada momento. Índice 700 significa que esses títulos foram comprados com um tal desconto sobre o seu valor de face que, na data do vencimento, renderiam ao seu portador 7 pontos percentuais de juros acima dos juros do título do tesouro americano de prazo equivalente. Como os títulos ficam mudando de mão o tempo todo no mercado financeiro internacional, o ganho dos investidores não vem desse remoto pagamento dos juros, e sim dos lucros obtidos com o preço de compra e o preço de venda desses papéis, que mudam o tempo todo.
Mídia substitui país por índice
Começa a acontecer conosco o que aconteceu com os argentinos quando surgiram as primeiras ameaças de uma moratória da dívida externa do país, ou mesmo da simples suspensão de alguns pagamentos por falta de dólares: a imprensa começou a dar manchetes dia após dia a um tal de ?risco Argentina?. Risco Argentina subiu, risco Argentina caiu, risco Argentina bateu novo recorde. Lembram dessas manchetes? Assim, por um passe de mágica, o noticiário não era mais sobre um país chamado Argentina, com seu povo, suas agruras e sonhos, e sim sobre um indicador chamado ?risco Argentina?. O país Argentina foi substituído por um índice. Hoje, mal se fala em risco Argentina por dois motivos: porque os bancos já tiraram todo o dinheiro que podiam tirar do país e porque o povo tomou as ruas, mostrando que a crise é da Argentina e não de um indicador.
Retrato do Brasil:
Nas capitais brasileiras, 43% das mortes de jovens de 18 a 24 anos são causadas por homicídios. A taxa de assassinatos de jovens quase dobrou nos últimos 20 anos: subiu de 30 em cada 100 mil, em 1980, para 52,1, em 2000. Os dados estão no Mapa da Violência, compilado pelo Ministério da Justiça, e foram adiantados pelo Painel da Folha desta sexta.
29/04/02
Manipulação digital
É esse o nome da grosseira montagem fotográfica de Época desta semana, mostrando Lula abraçado a Maluf, de um lado e a Antonio Carlos Magalhães, do outro. A tecnologia digital permite manipular fotografias irrestritamente, mas a ética jornalística restringe essa manipulação à necessidade de retoque ou restauração apenas, para preservar a qualidade documental da fotografia no jornalismo. Sabendo que estava agindo mal, Época deixou sinais ostensivos de que se tratava de foto-montagem, mas não tão ostensivos que prejudicassem o efeito desejado que era o de efetivamente desgastar Lula.
Jornalismo de imaginação
O objetivo de maltratar a imagem de Lula já estava claro no corpo da matéria, que faz ilações pesadas em cima de informações levianas. Diz o olho da matéria: ?nos subterrâneos da campanha, petistas discutem com uma ação comum para alvejar Serra?. Sem informações o repórter escreve: ?..o que se imagina é um triângulo: informações recolhidas pelo velho cacique do PFL (sobre Ricardo Sérgio) são levadas ao PT que encaminha ao Ministério Público..? .Quem imagina? Só se for o repórter. Mas repórter não imagina, repórter investiga e relata fatos. E a matéria não tem fatos.
Quando a imprensa inverte papéis
E a ilação do repórter não faz sentido porque os lances principais da história do empresário Ricardo Sérgio já foram revelados pela imprensa e são do conhecimento do Ministério Público. Não cabe e nem há necessidade do PT se meter nisso. O repórter esqueceu convenientemente que o PT sempre se recusou a fazer política de dossiês. Recusou o dossiê Cayman, e todos os outros casos. Esqueceu que foi um tucano o articulador do último lance de dossiês, quando tentaram fazer com que Garotinho denunciasse Roseana, e Garotinho tirou o corpo fora e ainda denunciou a trama.
O imbróglio da alíquota de 50%
Os jornais obviamente deitaram e rolaram em cima de declaração de Lula. O JB foi o mais cínico, dizendo em manchete de página inteira que ?A proposta de Lula confunde?, quando quem confundiu foram os jornais, especialmente o próprio JB. A Folha foi a mais eficaz na exploração do episódio para desgastar Lula, apoiando-se de avaliações e falas de líderes do partido: Diz o parágrafo de abertura que Lula …?cometeu seu maior erro de campanha até aqui ao falar sobre aumento das alíquotas do Imposto de Renda (IR) avaliam reservadamente líderes do partido…?.
Tereza Cruvinel diz em sua coluna O Globo do sábado: ?Lula tropeçou feio ao propor alíquota de 5% a 50%. Assustou a classe média e os ricos. Ele tentou consertar depois em Garanhuns, mas já se ferira e o estrago será bem explorado pelos adversários?. A Folha comparou o estrago da fala de Lula em apoio às tarifas com que os franceses protegem sua agricultura. Mas teria sido mesmo um grande erro?
Os efeitos da fala de Lula no eleitorado
Vamos analisar o episódio de modo organizado, começando por discutir os efeitos de uma fala dessas na massa do eleitorado, pessoas pobres e remediadas, com renda até R$ 800,00 por mês. Já verificamos desde o episódio da taxa extra de 5% em restaurantes de luxo para ajudar a acabar com a fome, e casos parecidos, que as propostas e idéias do PT só dominam a agenda dos jornais pelo viés de algum defeito real ou imaginário. Mas o fato é que nesses casos dominam, acabam sendo intensamente discutidas e que o povo acaba fazendo sua própria leitura, nem sempre aquela desejada pela imprensa oligárquica.
O povo não vai a restaurantes de luxo e, portanto pode até ter gostado da idéia da taxa extra. O povo nem tem renda para pagar imposto de renda e, portanto pode, de novo gostar da idéia das alíquotas maiores para quem ganha mais. Na enquête rápida do portal Globo.com. já no sábado, 48,43% apoiavam a fala de Lula e apenas 31,1% não apoiavam. Isso para um público de alta renda, que acessa portais, e para uma formulação das opções em nada simpática a Lula.
E os efeitos nos formadores de opinião
Os ricos sabem muito bem o que Lula está falando e não se deixam iludir. A classe média sim pode se deixar manipular e assustar um pouco. Ela não tem muito voto, mas junto com jornalistas e colunistas e artistas, pode ajudar a criar uma onda negativa. Serra não perdeu tempo para atacar Lula e Garotinho foi ainda mais agressivo. Nesse caso, criada a situação, teria sido importante ter nosso esboço de proposta à mão, explicar de que salários estão se falando, e todos deveriam dar a mesma explicação.
A oportuna intervenção de Ciro Gomes
Um dos poucos que defendeu bem Lula foi o ex-secretário da receita federal Ozires Silva. Ele disse, no JB, que ?Lula pegou no ponto fundamental porque hoje não há progressividade?. Mais importante, no sentido de quebrar uma possível onda, foi a surpreendente e correta declaração de Ciro Gomes de que ?Lula tem uma percepção correta a respeito do Imposto de Renda e sobre a injustiça do sistema tributário no Brasil?, e de que ao referir a uma progressão de ?5% a 50 % ele não estava fazendo uma proposta e sim usando uma força de expressão?. A fala de Ciro é um apoio importante à acusação de Lula de que os jornais agiram de má-fé.
Retrato do Brasil
Época traz um estudo do OIT mostrado que das 3,8 milhões de crianças entre 5 e 17 anos que trabalham no Brasil, 560 mil são empregadas domésticas. Cerca de 4% delas não recebem nenhuma remuneração. Época dá esses números gerais e parte diretamente para histórias de vida de crianças, evita algumas contas e a conclusão óbvia: 22.400 crianças no Brasil vivem em regime de trabalho escravo disfarçado.
Istoé também fala da miséria brasileira, entrevistando Peter Bell, dirigente da maior ONG de combate à pobreza no mundo, a Care Foundation. Peter está tão impressionado com a persistência da pobreza no Brasil que veio instalar alguns projetos aqui. Bell diz que ?até China a Índia avançaram mais do que o Brasil na redução da miséria?. Ele, que é amigo do peito de FHC, e ajudou a fundar o Cebrap, confirma na entrevista o que Lula tem denunciado no seu projeto Fome Zero: ?Cerca de 53 milhões de brasileiros vivem na pobreza. Destes, 22 milhões estão na extrema pobreza?.
Não deixe de ler
Vários trabalhos saíram neste fim de semana sobre o avanço da extrema direita em toda o mundo. Em Carta Capital, Luiz M. C. Costa faz um balanço do fenômeno e pergunta: ?Será que o Virus Le Pen chega até aqui?? No Estadão, Vargas Llosa ocupa toda a página A23 do domingo com a pergunta, ?Será que chegou a hora do fascismo??
Mais conciso e duro Carlos Heitor Cony na sua coluna do sábado na Folha, ?O vento da história?, diz que a vitória de Le Pen assustou quem já deveria estar assustado. Mostra que iniciamos um século com Bush, Sharon, Berlusconi. E diz: ?Enquanto isso a esquerda parece fatigada de lutar?. O raciocínio de Cony permite concluir, o que ele não faz, que uma vitória do o PT, como partido de esquerda, teria uma importância que transcende o espaço nacional."