SUCESSÃO PRESIDENCIAL
José Antonio Palhano
Que país está em melhor situação hoje ou, se assim parecer sintoma de ufanismo disfarçado, está menos ruim: Brasil ou Argentina? Pode-se também formular a pergunta de modo a evitar suspeitas bairristas devido à proximidade geográfica. Sai a Argentina e entra a Turquia. Malgrado a mixórdia do social velho de guerra, há quanto tempo não exibíamos os atuais indicadores econômicos? Nada a ver com uma candente defesa do atual governo. Trata-se apenas de uma leitura da tese empinada por Elio Gaspari ("Uma boa notícia: Itamar no páreo", Folha de S.Paulo / O Globo, 7/3/01).
Na qual o autor se deu ao exercício de estabelecer critérios de qualificação para as nossas disputas presidenciais a partir dos seus respectivos candidatos. Assim, 1994 (FHC x Lula) pegou algo aí como um AAA-3, no jargão modernoso, ou pelo menos parecido, das tais agências internacionais de classificação, entidades cujos humores motivam e preocupam a nação bem mais que os pepinos que o presidente do Senado, Jader Barbalho, tem com a Justiça. Já as eleições de 1998 não contam "porque nela um candidato qualificado cavalgou o embuste do populismo cambial". A entrada do governador de Minas no próximo páreo seria um prenúncio de um contundente coice de qualidade no processo sucessório, que já têm alinhados no partido Lula, Ciro Gomes, Tasso Jereissati e José Serra.
Sem querer atropelar o sacrossanto direito de Itamar Franco entrar na peleja, desqualificar as últimas eleições, mesmo que retórica ou virtualmente, cavalgando o raciocínio pelo qual houve nelas apenas um embuste é um pouco demais. Não faz tanto tempo assim, assistíamos a coisinhas bem piores no reinado da mãe de todos os embustes denominada Colégio Eleitoral. O que houve ali foi efetivamente um erro descomunal, que entre suas causas primárias teve fraqueza, insegurança, incompetência, irresponsabilidade, falta de autoridade do presidente da República e, vá lá, medos e paúras (e interesses) do fenômeno sucessório, do qual está para se ver presidente no exercício do cargo que dele tenha mantido segura distância (José Sarney configura uma exceção: caso não ficasse na dele, Ulysses Guimarães o exilaria em Curupu pelo resto dos seus dias).
Motivos fúteis
De qualquer modo, por sorte ou por mudanças de rota tocadas em prazo útil, o Brasil se recuperou muitíssimo antes do que previam economistas, analistas, oráculos, especuladores a as tais agências dos números e das letras.
Mas não é isso que importa. Satanizar Fernando Henrique por uma cavalgadura eleitoral do câmbio é tão incongruente quanto manter o real supervalorizado. Primeiro, por se tratar de uma mania nacional que apenas embaralha a patuléia na exata avaliação dos nossos homens públicos, elevados, por bem ou por mal, a instâncias superiores à condição humana. Segundo, Jader Barbalho, só para ficar num exemplo apenas, teria larga precedência sobre o presidente em questões relativas ao inferno e nem por isso sua recente escalada no Senado deixou de representar a mais vergonhosa renúncia cívica da sociedade brasileira de que se tem notícia na nossa História. Mesmo assim, nem ele mesmo merecia (por mais que tenha se esforçado a vida inteira) ser comparado ao demônio. Bastava que fosse tratado à luz do seu gordo e terreno prontuário e já estaria bom demais.
E, terceiro, em razão de a satanização presidencial desembocar numa portentosa e grosseira falsificação em contraponto, qual seja a sacralização de Itamar Franco. Fosse só por FHC, não haveria motivos nem para remorsos nem para constrangimentos. Afinal, foi o próprio Gaspari quem chamou a atenção, ainda outro dia, para as maiores virtudes do presidente, exatamente seu apreço à tolerância e sua irrestrita obediência aos ritos da democracia. O problema reside em Itamar Franco. Ora, se o negócio é levantar sua bola de maneira assim tão derramada, por que compará-lo tanto a Fernando Henrique, o cavaleiro dos embustes cambiais e eleitorais? Se este é ruim a ponto de manipular uma eleição, aquele certamente está a merecer referenciais e comparativos que não o rebaixem tanto. Como o governador mineiro é dado a agredir jornalistas em público (entre outras idiossincrasias que tanto encantam parte da mídia), pode vir a ter mais um dos seus célebres chiliques. Bastaria que uma daquelas suas vivandeiras neuróticas lideradas pelo inimitável Hergreaves, que de forma alguma fariam feio no papel de beatas dessas novelas da Globo que garimpam a cultura nordestina, cochichasse que ele está sendo queimado com semelhante paralelo.
Enfim, pregar a beatificação de Itamar Franco partindo do raciocínio segundo o qual ele é um injustiçado em razão de que "tudo o que faz de certo deixa a impressão de ter sido errado", é uma mistificação perigosa num país onde a choldra já tem sérias dificuldades em entender o mundo real. No qual os únicos mártires que estão a merecer respeito são os milhões de compatriotas que padecem de fome, doença, miséria e apartação, confinados no andar de baixo. O Brasil precisa de um bom presidente, não de uma mascote temperamental. A candidatura de Itamar não é uma boa notícia até porque já não é notícia há muito tempo, tal a obsessão da criatura pelo cargo, revelada no seu antidemocrático inconformismo ao governo que o sucedeu desde o primeiro instante deste. Adjetivá-la como boa, além de impróprio, é suprimir ao eleitor a opção de achá-la má, ruim ou péssima. Ele pode assim agir levado até por motivos fúteis tais como "não vou com a cara desse sujeito". Ou convencido por razões mais consistentes, entre elas sua desmedida e patológica ambição que ora o faz ajoelhar-se perante o partido que impiedosamente o humilhou em público há menos de três anos. E cujo ínclito presidente declarou, na mesma ocasião, que ele prefere ser chamado de Shirley na intimidade.
Melhor deixar que o eleitor decida.
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