Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Bob Fernandes

GOVERNO LULA

“Por Uma Nova Classe Dirigente”, copyright Carta Capital, 20/05/03

“Na quarta-feira 28 de maio, em são paulo, se dá a instalação de algo que Tarso Genro, o ministro da Secretaria Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, chama de concertação social. Nas palavras de Genro, o que se vai discutir são ?os fundamentos econômicos e sociais de um novo contrato social, leia-se um pacto político e social, para dar sustentabilidade ao governo, às reformas e, sobretudo, ao desenho de um modelo socioeconômico novo para o País?.

Com 102 conselheiros, os debates da concertação se darão, simultaneamente, em duas cidades, São Paulo e Rio de Janeiro, além de audiências regionais. O ministro indica os temas para o início da discussão: primeiro, um modelo de desenvolvimento que dobre as taxas de crescimento do País, no mínimo. Segundo, que gere crescimento e, concomitantemente, distribuição de renda. Terceiro, que democratize, cada vez mais, as decisões públicas. E, quarto, que integre o Brasil de forma soberana e cooperativa no mundo.

Para compor o Conselho da Concertação, líderes de centrais sindicais e entidades de trabalhadores e empresários, ONGs e representantes do que se convencionou chamar de sociedade civil e de intelectuais. Em resumo, e pelo que anuncia Tarso Genro, o que se busca é ?uma nova classe dirigente?.

Se tal concertação ganhará espaço e fôlego ou será atropelada pelos eventos, o tempo dirá. Enquanto os fatos não se impõem, salta aos olhos que esta é uma vereda criada por Genro – mas seguramente monitorada pelo presidente Lula – para a sedimentação de um projeto de poder. Projeto ambicioso, se percebe até mesmo pelo calendário.

Em junho de 2004 ocorre o Primeiro Congresso Brasileiro de Concertação, com os resultados e consensos – e também dissensos – na busca por um acordo amplo. Para junho de 2005 – já ultrapassada a metade do mandato de Lula – se terá o segundo congresso.

Como tudo na política, pode dar em nada e o ministro e sua concertação ficarem pelo caminho. Mas se der no que imaginam os que o conceberam, se terá sedimentado um projeto de poder com olhos postos mais adiante. Bem mais adiante.

CartaCapital: Se percebo, o que se pretende é a sedimentação do real projeto político e econômico do governo eleito, inclusive de longo curso?

Tarso Genro: Durante a campanha o então candidato Lula afirmou que o Brasil precisava construir um novo contrato social. Isso significa a formação de um novo bloco dirigente para o País, que busque pontos comuns, embora com interesses estratégicos e históricos diferentes. Todos já sabem quais são os pontos em comum, o problema é como chegar a eles.

CC: O que significa um novo bloco dirigente?

TG: Pode-se presumir que no Brasil o grande condomínio de poder, durante um período, se deu entre setores modernizantes, mas conservadores; as velhas oligarquias tradicionais, que vêm dirigindo o Brasil há muitos e muitos anos, que não foram retiradas do poder nem na época do golpe militar e que, ao contrário, se serviram dele; e os setores mais especulativos do capital financeiro. Esse novo bloco dirigente tem de incluir vastos setores médios.

CC: O atual Conselho de Desenvolvimento é um embrião do que virá?

TG: O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social não foi muito bem entendido no começo. Primeiro, foi visto como um concorrente do Congresso, depois como uma espécie de instrumento da hegemonia sulista…

CC: Agora ele ganhou novos integrantes…

TG: Oito conselheiros, em acordo com o Congresso. Vamos nomear representantes do Norte para contemplar a importante questão da Amazônia. O conselho foi visto de maneira equivocada. Ele é um marco de negociação da sociedade civil organizada com o governo e é, sobretudo, um instrumento de ampliação política do governo.

CC: Quando o senhor se refere às classes dirigentes e a esse modelo imaginados, parece claro que é algo que não contempla todas as franjas da sociedade, e sim o que já está minimamente organizado. É isso?

TG: Uma proposta de transição sempre gera descontentes, se for uma proposta séria ela pode e deve gerar descontentes em todos os setores. Porque em todos os setores da sociedade existem nichos de privilégios…

CC: Ou de ausências de absolutamente qualquer poder, ou forma de organização…

TG: Ou de ausências que se reproduzem de maneira linear na sociedade. Vou dar um exemplo. Reformas serão feitas para qualificar o serviço público e dar previsibilidade e continuidade à estrutura pública do País, e pequenos setores do serviço público poderão sofrer algum tipo de redução de vantagens. Pequenos setores, pequeníssimos, quem sabe de 5% a 7% do serviço público. E do empresariado também: se optarmos por desenhar um modelo de desenvolvimento que seja fundado, vamos supor, em três elementos – qualificação tecnológica, fortalecimento da base exportadora do País e agroindústria para uma nova articulação cidade-campo. Esses três caminhos de desenvolvimento vão deixar outros em segundo lugar, portanto gerarão adversários.

CC: O setor financeiro, por exemplo.

TG: O setor financeiro, no Brasil, tem que sofrer uma reformulação completa, porque ele vive à custa do Estado e essa não é sua função. Percebe-se que dentro do próprio setor financeiro há mal-estar com relação a isso. Por quê? Porque um Estado que vive apenas de capitais de curto prazo e do jogo financeiro é um Estado quebrado, que amanhã ou depois não paga as suas dívidas, como ocorreu na Argentina. Não paga o próprio setor financeiro.

CC: Antes que venha um calote, a conversa.

TG: Exato. Que se negocie e pactue um novo modelo de desenvolvimento. Essa não é uma discussão que vai substituir o Ministério do Planejamento, que tem o dever de planejar um programa de governo, e nem vai incidir, alterar ou interferir nas decisões do Ministério da Fazenda, que tem o dever de proteger a moeda e de dar estabilidade e previsibilidade. O que vamos fazer é apresentar as linhas gerais de um acordo político e econômico que deverá, se o presidente aceitar, nortear o desenvolvimento do País a médio e longo prazo.

CC: Por que ?se o presidente aceitar?? Isso é algo que não passa por ele?

TG: O presidente não só acompanha como faz a pauta do conselho, como fez essa pauta por carta pessoal aos conselheiros. O ?se o presidente aceitar? é porque sabemos que as decisões presidenciais são fruto de um conjunto de relações e de um conjunto de contingências. O conselho vai apresentar propostas, costurando esse novo contrato social. Elas serão viabilizadas ou não pela ação política do governo. E quem comanda a ação política do governo é o presidente.

CC: Isso é um amplo projeto de poder ou estou enganado?

TG: Você não está enganado. É um projeto de poder. Mas não necessariamente um projeto de poder de um partido ou de uma coalizão partidária; é um projeto de poder no sentido de que procura atar relações de compromisso para um novo ciclo histórico do País. A partir de 1930 desenvolveu-se um projeto de poder, a partir da democratização do País houve outro, o regime militar produziu outro, centralizado burocraticamente, militarizado, não democrático. Depois houve um novo projeto de poder, com base na visão do Fernando Henrique.

CC: Um projeto que o País conheceu enquanto ele se dava…

TG: É. Se você pegar as grandes linhas gerais do projeto do Fernando Henrique, foi mais ou menos o seguinte: integrar um pequeno setor do Brasil na economia global, alimentá-lo dos privilégios dessa integração e abandonar o resto da nação à própria sorte.

CC: Transferir do Estado para meia dúzia e em grande parte com o capital do próprio Estado.

TG: Correto. Basta verificar como foram feitas as privatizações: elas foram bancadas pelo próprio Estado, financiadas pelo próprio Estado. A crise do setor elétrico está relacionada com essa visão e com esse modelo.

CC: Durante a busca da concertação certamente surgirão, por conta de interesses individuais ou coletivos, antagonismos com o próprio processo. Seus integrantes têm interesses específicos sejam de classe ou pessoais…

TG: Diria que esse é o risco objetivo permanente de um trabalho desse tipo, o de se ter posições completamente díspares. Mas há o interesse em manter essa agregação, porque o conselho é um marco normativo de regulação política superior. Dentro do conselho há várias posições políticas, tem centrais sindicais que não são do PT, que apóiam outros candidatos e que continuarão apoiando em eleições, mas os temas que forem levantados ajudarão a elevar esse diálogo para um novo patamar.

CC: Como é que o senhor enxerga a questão dos chamados radicais do PT? Durante a campanha dizia-se que tomariam o governo, assombrariam o País. Agora são vistos como vítimas do próprio governo, uma transmutação rapidíssima. Isso à parte, que papel terão esses grupos?

TG: O governo de qualquer partido que sai da condição de partido de movimento e de luta e se transforma em partido de governo promove as suas dissidências, às vezes mais à esquerda, às vezes mais à direita do espectro hegemônico do partido. Os companheiros que agora são apontados como dissidentes são reconhecidos pela grande imprensa como uma dissidência esquerdista do partido.

CC: Representam 14% ou 15%?

TG: Hoje a dissidência mesmo chega a 5%. Divergências, mesmo fortes, sempre existiram dentro do PT e continuarão existindo, mas outra coisa é quem faz uma rebelião dissidente e não obedece democraticamente às decisões da maioria. Isso é um problema estatutário que será resolvido pelo próprio partido, de acordo com as normas internas. Na base da discussão está uma questão, mais funda ainda, que é a própria concepção de esquerda hoje. A mim é muito difícil convencer que é de esquerda um grupo político ou uma liderança que subordina toda a sua visão a uma pequena parcela do servidor público. Nenhum deles comentou a reforma tributária, a proposta de renda mínima que está no projeto ou a elevação do teto do regime geral, de R$ 2.400, que favorece milhões de trabalhadores. Todos comentam os 10% dos servidores públicos que serão taxados.

CC: Bem, sua filha, a deputada federal Luciana Genro, é um dos dissidentes. Como é a discussão, do ponto de vista ideológico, e como o senhor se sente numa hora como esta?

TG: Me sinto perfeitamente à vontade, porque minha filha é uma pessoa de caráter e responsável, que sabe perfeitamente o que faz e as conseqüências do que faz. Sabe que está em um partido democrático que vai processar os seus mecanismos democráticos, independentemente da sua filiação.

CC: Filiação e ?afilhação?.

TG: É, filiação e afilhação. A nossa relação não passa pela política, mas pelo afeto de pai e filha. Já temos divergências políticas há muito tempo. Desde o momento em que nós, que éramos dirigentes do Partido Revolucionário Comunista (PRC), eu, o Genoino e tantos outros companheiros do partido, em 1988, demos por encerrada aquela experiência, constrangidos e convencidos, e compreendemos que a idéia generosa libertária, igualitária e fascinante da utopia comunista, tal qual estava sendo exercitada, era uma fraude. Tínhamos de repensar o mundo e repensar os nossos projetos. Não descartei nenhuma utopia da minha vida. Agora, acho que a utopia verdadeira para encaminhar as outras grandes questões da humanidade é a radicalização da utopia democrática. Isso me separou, só politicamente, da minha filha.

CC: Política de juros e valorização do real. Os grupos temáticos discutirão essas questões?

TG: Se chegarmos, no fim do ano, a um enunciado em que o conselho propõe ao presidente que a fonte primária de acumulação para construir um outro modelo seriam as exportações, isso obviamente tem influência na conduta do governo sobre que setores da atividade produtiva valorizar e também tem a ver com a questão da valorização do real. Na questão dos juros, obviamente isso daí também tem relação. Mas o conselho jamais vai decidir sobre os juros ou sobre a valorização do real. Vai é dizer coisas a respeito desse futuro modelo socioeconômico que levarão, ou não, o presidente a adotar políticas em relação a essas questões.

CC: Um ator fundamental para que as coisas caminhem parece ausente. A mídia, que por sinal está quase toda mal da pernas, terá assento, terá discutido o seu próprio papel numa sociedade democrática?

TG: A mídia é um elemento central da política, hoje mais do que em qualquer outra época. Por meio da mídia se socializam as idéias ou as idéias se deformam, é por ela que as relações políticas mais ou menos amplas se estabelecem e é pela mediação – o nome media está dizendo – é que se constituem possibilidades. A política que não levar a mídia em consideração é artesanal. Ainda na minha época de PRC eu dizia: ?Nós, com um mimeógrafo a álcool, nunca vamos derrotar a Rede Globo? (risos). Porque a formação, a cultura política da sociedade, passa por esse caminho. Nesse processo político de concertação a mídia vai jogar um papel fundamental.

CC: Ela terá presença nos debates com representação formal? Existe um projeto específico para discussão do papel da mídia? Essa é uma questão fundamental e nela quase não se toca, até parece não existir.

TG: Tive duas oportunidades de conversar sobre isso. Primeiro com uma pessoa da Federação dos Jornalistas, onde sugeri que se propusesse uma pauta específica para, no conselho, a questão ser discutida. A outra foi em um dos grandes jornais econômicos do País, onde fiz um debate também com seus dirigentes, com a sua diretoria. Em ambos os casos disse que a questão deve ser colocada, de maneira agrupada, por todos os setores da mídia, pelas suas instituições, para se transformar numa grande questão política para o governo. Acho, num tema paralelo a esse, que o governo não pode deixar a mídia quebrar. Não falo em socorro, que fique bem claro. Mas não devemos permitir que as estruturas de comunicação do País sejam subjugadas pelas grandes cadeias midiáticas internacionais e fiquemos sem comunicação. É necessário que se tenha um projeto para isso. Agora, não só um projeto financeiro, mas também, sobre o papel da mídia na sociedade. Vou emitir uma opinião pessoal porque já não é da minha seara, é o ministro Gushiken (Luiz, da Secretaria de Comunicação) que nos orienta sobre essas questões: não se constrói um projeto alternativo de País sem a democratização da mídia e a valorização do seu papel, o que não quer dizer nenhum tipo de intervencionismo na liberdade de opinião. Essa questão é essencial, inclusive para qualquer transição.”

“Lula passa 135 dias sem dar entrevista”, copyright Valor Econômico, 18/05/03

“Em quatro meses e meio de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não deu uma única entrevistas. Sua última entrevista coletiva formal ocorreu na primeira semana de outubro, logo depois do primeiro turno na eleição presidencial. Após sua vitória definitiva, concedeu duas entrevistas para a ?TV Globo? e uma para o jornal americano ?Washington Post?. Depois disto, é só o presidente que fala, sem interlocução. Fez 72 pronunciamentos. Só em maio, a média foi de um por dia. Essa é uma decisão estratégica: a política de comunicação de Lula está baseada em manifestações pessoais sem possibilidade de perguntas e contestações. O que ele tem a dizer – se precisa mandar um recado, dar uma explicação sobre medidas impopulares, como a alta dos juros, ou pedir apoio para as reformas – o meio é o discurso. Em um único dia, chega a discursar três vezes em cerimônias e mais cerimônias.

A Secretaria de Imprensa e Divulgação da Presidência da República garante que existe a recomendação para que Lula tenha contato com jornalistas, mas informa que a decisão de não dar entrevistas é exclusiva do presidente. ?Por enquanto está bom assim?, diz Lula quando perguntado sobre quando falará com a imprensa. O presidente sempre observa que o que ele poderia dizer numa entrevista o faz através dos pronunciamentos oficiais.

Enquanto isso, os pedidos de entrevista vão-se acumulando – já são aproximadamente 80, de rádios, TVs e jornais de todo o Brasil. E a pressão não parte só da mídia nacional. Dos veículos estrangeiros, foram registradas até agora 148 solicitações dos quatro cantos do mundo. Do ?New York Times?, passando pela rádio ?Cooperativa?, da Argentina, até a rede de televisão ?ERT? da Grécia.

Para as solenidades, Lula tem sempre pronto um discurso preparado com a colaboração do ministro Luiz Dulci, da Secretaria-Geral da Presidência. Mas, nos últimos tempos, o presidente tem preferido improvisar. Primeiro, ele escuta atentamente o que é dito pelos oradores que o antecedem, e se deixa influenciar pelo ambiente em que está. O Planalto avalia que ele se sai melhor justamente quando improvisa. O discurso é lido sem mudanças em casos de situações mais formais ou naquelas em que uma frase fora do lugar pode causar um estrago, como no lançamento do programa Fome Zero. Muitas vezes, Lula não só improvisa, como lê o discurso, e acaba fazendo dois discursos em um.

?O discurso do presidente tem audiência, desperta o interesse das pessoas porque não é uma coisa mecânica, para cumprir obrigação. O discurso dele é uma ponte entre o governo e a sociedade?, diz Dulci. ?O presidente é um grande orador popular, consegue dizer questões complexas de maneira simples?. O núcleo de comunicação do governo – formado pelo ministro da Secom, Luiz Gushiken, pelo porta-voz André Singer e pelo secretário de imprensa, Ricardo Kotscho – avalia que o presidente acaba sendo o ?melhor comunicador do governo?.

O presidente também tem tido contatos freqüentes com o povo – sempre que vê uma manifestação, um protesto na porta do Planalto ou um grupo reunido no Palácio da Alvorada – quer se aproximar. Aproveita para dar autógrafos, tirar fotografias e conversar. A explicação para o corpo-a-corpo é: Lula quer saber o que ?o povo está sentindo?. Os assessores explicam que o hábito vem desde a época do sindicalismo e vai continuar porque é uma ?coisa do Lula?, e que ele não pretende mudar. ?Em campanha ou fora de campanha, o Lula é assim?, dizem.

Ontem mesmo, ele deixou o gabinete e foi até a saída lateral do Palácio do Planalto para se encontrar com um grupo de mais de cem anistiados políticos que protestavam para conseguir o pagamento de suas indenizações. O grupo gostou de ver Lula e acabou cantando um jingle da campanha petista. Na estratégia de ir onde o povo está, sempre que pode, Lula também foge de Brasília. Dos 135 dias de presidente, 50 foram viajando, dos quais 39 a trabalho. Nessa peregrinação, já visitou quatro países, e 13 Estados. Até o fim do ano, quer percorrer os 27.

O que a imprensa diz sobre o que o governo faz é avaliado diariamente pelo núcleo de comunicação, o ministro da Casa Civil, José Dirceu, e o próprio presidente. O grupo decide ainda as medidas que precisam ser adotadas para os problemas levantados pelas reportagens. Assessores garantem que dificilmente Lula reclama do que saiu na imprensa, mas às vezes acha que o assunto poderia ter merecido mais destaque, como no caso da redução do preço dos combustíveis. O núcleo de comunicação também já percebeu que, com tantas cerimônias ao mesmo tempo, um assunto corre o risco de acabar anulando o outro, e estão tentando evitar isso. Como no dia em que o presidente foi à solenidade de aniversário da Embrapa, almoçou com a bancada do PT e ainda lançou um plano de turismo. Só a reunião com os petistas teve destaque na mídia. Mas com Lula viajando tanto, quando ele fica em Brasília, acumulam-se solenidades.

Até agora, as pesquisas de opinião mostram o bom resultado da estratégia – a popularidade continua em alta com quatro meses e meio de mandato. Marcos Coimbra, do instituto Vox Populi, faz a mesma avaliação do governo sobre o desempenho do presidente em termos de comunicação. ?Lula tem uma capacidade grande de comunicação. As pessoas mais simples confiam no Lula até por ele ter um trajetória parecida com a deles?, ressalta.

Questionado sobre quando terminaria essa lua-de-mel com o povo, Coimbra já se arrisca a apostar na reeleição: ?Francamente não vejo nenhum problema no horizonte de Lula nos próximos anos. O que ele precisa para atravessar o primeiro mandato ele já tem. A reeleição já está praticamente assegurada?. (Colaborou César Felício, de São Paulo)”

“A preocupante opção pelo monólogo”, copyright Valor Econômico, 18/05/03

“A escolha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva por se comunicar com a sociedade apenas por meio de discursos, encontros reservados com grupos de pessoas de setores específicos e contatos esporádicos com cidadãos comuns que o abordam em saídas pelas ruas do país e evitar ostensivamente o diálogo com jornalistas pode, ainda que não intencionalmente, revelar certa inclinação pouco democrática.

Nas grandes democracias contemporâneas, as entrevistas aos meios de comunicação de massa, em especial as coletivas de imprensa, se constituem a melhor oportunidade para os eleitores observarem como seus governantes pensam e defendem as políticas que praticam diante de dúvidas e argumentos expostos por quem fala em nome de interesses não corporativos, mas do conjunto da população.

O jornalista que trabalha para um veículo de grande consumo formula suas questões como representante de seu público, o qual – por natureza – &eaceacute; heterogêneo e pluralista. Sua formação e prática profissionais o obrigam a estar atualizado em relação à agenda nacional, a ser cético em relação a propostas de políticas públicas e a formular seu pensamento de modo articulado.

Evidentemente, nada há de ilegítimo no gosto retórico pelas longas dissertações nem no prazer de bater rápidos papos com homens e mulheres comuns que dele se acercam em busca de uma palavra do chefe do governo.

Essas ações devem até ser muito úteis ao país, que tem tido a oportunidade de conhecer a fundo o pensamento deste presidente graças a suas (cada vez mais) longas dissertações orais quase diárias sobre os mais diversos temas. Ele, ao mesmo tempo, graças aos seus contatos informais com gente simples, escapa do perigo de se isolar da realidade dos que o elegeram e pode manter atualizada em sua consciência a dura realidade brasileira que ele conhece tão bem.

Mas essas ações são, de fato, monólogos. Limitar-se a eles também pode afastar o presidente da compreensão dos conflitos que existem no Brasil que ele governa, além de impedir que os brasileiros entendam por que ele toma as decisões que toma e como responde a contestações legítimas que se possa ter em relação a tais decisões.

As entrevistas coletivas foram elevadas à condição de instituições informais em países como os Estados Unidos. São o principal meio pelo qual os cidadãos forçam a autoridade a explicar seu comportamento público.

A alternativa do monólogo remete ao conceito duvidoso de ?democracia direta?, em que o governante se comunica com a população sem intermediários e recebe dela a aprovação ou a recusa para suas deliberações por meio de instrumentos mais ou menos legítimos de aferição de sua vontade. É preocupante que Lula seja o primeiro presidente eleito do Brasil desde Jânio Quadros a passar tanto tempo no poder sem dar entrevistas.

Seu passado de defensor das liberdades democráticas não se coaduna com a opção por manter jornalistas longe de si nem com outras instruções de seu governo com o objetivo de impedir a circulação de informações. Ainda há tempo para corrigir-se.”