Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Boicote é equívoco (para não usar termo mais pesado)

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DIRET?RIO ACAD?MICO

PROVÃO

Victor Gentilli

Os estudantes brasileiros de um modo geral aderiram ao Provão. Os estudantes de Jornalismo ainda resistem. Os índices de boicote dos estudantes de Jornalismo crescem, enquanto o índice geral de boicote cai. No último Provão, quase 15% dos estudantes de Jornalismo boicotaram o Provão.

No que consiste o boicote?

O boicote consiste em comparecer ao local do exame, colar na prova um adesivo da campanha contra o Provão, intitulado "Colei no Provão", e entregar a prova em branco.

Como a nota do aluno é sigilosa, o aluno repassa à instituição que lhe deu conhecimentos a má fama decorrente de sua "rebeldia".

Nos tempos em que os jovens rebeldes rebelavam-se de verdade, eles corriam o risco de sua opção. Hoje, os estudantes não apenas não correm risco algum como repassam o baixo conceito que eles obtêm privadamente à instituição que lhes forneceu o diploma e que terá seu conceito divulgado publicamente.

Em debate na semana passada na Universidade Federal de Goiânia, tive a oportunidade de apresentar esses argumentos aos estudantes. Falei, com todo o respeito e a boa educação, que considerava a atitude deles covarde e irresponsável. Eis os termos que evitei usar no título.

Até agora, com raras exceções ? que já vêm pagando caro pela irresponsabilidade dos alunos ? quem boicota o Provão é de boas escolas (USP, UFRJ, Metodista, Cásper Líbero, entre outras), todas do Sudeste do Brasil. Evidente que elas saem manchadas com um conceito "E" no provão de Jornalismo. Mas elas têm uma imagem sólida e consolidada na comunidade, de forma que tal efeito é minimizado. No caso da USP e de algumas outras, há até apoio docente ostensivo ao boicote.

Mas quando o boicote atinge escolas cujo prestígio não é tão sólido, o efeito é um desastre e uma tragédia. Por mais que os alunos ignorem ou finjam ignorar. Na Universidade Federal do Espírito Santo, por exemplo, o reitor afirma que não apóia o curso enquanto este não melhorar seu conceito. O próprio reitor chegou a falar em fechar o curso, em manifestação divulgada pela imprensa.

Ora, se os estudantes desejam protestar que não compareçam ao provão. Que os mais radicais façam piquetes na frente das instituições que sediarão o exame.

Se o estudante não comparece, aí sim, ele coloca no colo do MEC a responsabilidade do cumprimento da promessa de não entregar o diploma.

Se os estudantes coletivamente optarem por não comparecer criarão constrangimento ao MEC, que terá de explicar, quando da divulgação dos resultados, por que não há resultado em Jornalismo: ninguém (ou um número inexpressivo de alunos) fez a prova. Movimento coletivo é isso.

Os próceres estudantis têm razão em algumas críticas que fazem ao Provão, e se equivocam em outras. Vejamos a relação de argumentos das lideranças do movimento, extraídas de um documento oficial da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação, distribuído durante o Fórum Nacional de Professores de Jornalismo:

1) A avaliação é punitiva: pune as escolas que tiram notas baixas.

O que desejavam? Que as escolas fossem premiadas? Que o governo fosse conivente com as fábricas de diplomas? Na realidade, até agora o governo já levou ao CNE a decisão de fechar três cursos de Administração e Direito que se recusam a aceitar melhorar o nível de ensino oferecido. O CNE concedeu maior prazo. Aliás, em outros momentos, os estudantes cobram que o MEC não tem coragem de fechar escolas. Ora, eles querem ou não querem punição?

2) A avaliação estabelece a noção competitiva na configuração de um ranking. As notas não seguem um parâmetro mas, sim, uma comparação entre escolas,

Eis um argumento forte e consistente. Pode-se discordar ou concordar com ele, mas não há como negar que se sustenta. Mas é um argumento que justifica ajustes nos critérios do Provão, não que justifique um boicote.

3) Fortalecimento de um modelo único de curso, guiado pelo programa da prova, incompatível com a LDB, que dá autonomia curricular a cursos e regionalidades.

O argumento simplesmente é falso. Vale até lembrar que o documento de Campinas ? hoje, histórico ? incorporou competências e habilidades formuladas pela Comissão do Provão; e que, nos documentos posteriores, as diretrizes sempre seguiram aquelas do MEC. Com isso, a Comissão do Provão se legitimou diante dos mais de 300 professores que se reuniram em Campinas em abril de 1999. Reconhecer regionalidades seria admitir que temos profissionais de 1a e 2a categoria? Um jornalista tem que ter as mesmas habilidades e competências, e dominar os mesmos conteúdos, trabalhe ele em O Popular, de Goiás, na Veja, no Povo do Ceará, num jornal sindical ou de bairro ou no New York Times.

4) Imposição ao aluno que, após ter cursado quatro anos de faculdade, só recebe o diploma se fizer a prova.

Esta é uma decisão legal, aprovada no Congresso Nacional. Decorreu de um acordo com as lideranças estudantis, na época representadas pelo deputado Lindenbergh Farias, ex-presidente da UNE. Admitamos, no entanto: é uma crítica consistente, mas que mais uma vez não justifica um boicote. Repito: como o movimento dos estudantes é um movimento coletivo, o MEC ficaria em palpos de aranha se tivesse que negar o diploma a todos os formandos que, em protesto, deixaram de comparecer ao exame. O fato de ser uma imposição ? inegável que isso é contestável na perspectiva institucional ? faz com que o boicote, como formulado pelos estudantes, jogue os efeitos todos na instituição de ensino. Eis o efeito perverso da proposta de boicote com entrega de provas em branco.

5) Partir do pressuposto de que pesquisa e extensão não fazem parte da formação do aluno, uma vez que não é possível mensurar estes elementos numa prova.

Se o Provão fosse o único instrumento de avaliação do MEC, o argumento seria válido. Mesmo assim, uma crítica, não justificativa de boicote. O fato é que o Provão faz parte de um sistema de avaliação que inclui a Avaliação das Condições de Oferta e o Plano de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras. Nestes, pesquisa e extensão são levadas em conta.

6) Não leva em conta o processo, só atua no fim do curso, avaliando apenas o "resultado final".

Novamente, um argumento razoável, a ser levado em conta se fosse verdadeiro. Não é. Além disso, não se configura como justificativa para o boicote. O MEC avalia as intenções futuras quando cuida de autorização de curso; avalia o conjunto passado do curso, quando do reconhecimento e da renovação do reconhecimento. Avalia o que o curso oferece para o futuro quando da Avaliação das condições de Oferta. E no Provão avalia o "resultado final". Podemos criticar os critérios, os parâmetros destas avaliações. Mas negar lógica no processo global é tergiversar.

7) O perfil das últimas provas só contempla a formação para grandes meios, não levando em conta meios alternativos e comunitários.

Argumento falso. As competências e habilidades aferidas pelo Provão são as mesmas para os grandes meios e para os veículos alternativos. Uma análise sensata das provas já realizadas mostra que se busca, nas condições possíveis, checar os conhecimentos do aluno do modo mais amplo possível. Aliás, na prova de 1999, uma das questões que os alunos mais confundiram tratou dos "pasquins" que combateram o 2? Império. Boa parte dos respondentes referiu-se ao Pasquim, jornal alternativo de humor que circulou de 1969 até meados dos anos 80.

8) Perfil de um profissional voltado exclusivamente para o mercado.

Curioso o argumento. Quando os estudantes criticam a "abertura indiscriminada de cursos" ignoram a existência de critérios bastante exigentes para a criação de novos cursos, mas pensam exclusivamente no mercado. A quantidade de cidadãos que não têm acesso à informação pública de qualidade sobre sua cidade, seu bairro, sua realidade é enorme, o que mais do que justifica a necessidade dos cursos (se não pensarmos exclusivamente na realidade do mercado) como sugerem os líderes estudantis.

Forçoso afirmar que novamente estamos diante de um argumento falacioso. As habilidades e as competências avaliadas servem para qualquer profissional. Um jornalista é um jornalista, seja qual for o veículo em que trabalhe.

9) Não leva em consideração metade do currículo, com as disciplinas humanísticas (como Filosofia e Sociologia) e questões teóricas de Comunicação.

Opa, agora os estudantes estão se esquecendo de onde mais apanharam. Na prova de 1998, a questão sobre o gatekeeper pegou a todos de calça curta. Teoria pura. Na prova de 1999, os alunos apanharam com a questão da "teoria do newsmaking". Esta teoria não é teoria? E na prova de 2000, quantos alunos deixaram em branco a questão sobre a teoria matemática da Comunicação, formulada por Shannon, C., e Weaver, W., quando bastaria que lessem com atenção o enunciado para responder com facilidade? Escrevo de memória, citando apenas os casos mais marcantes. Em todas as provas havia mais perguntas teóricas. O argumento continua de pé?

10) Os "resultados" são utilizados principalmente para efeitos midiáticos, e constituem avaliação que não aponta caminhos e soluções.

Afirmar que o Provão não aponta caminhos e soluções é desconhecer que a instituição recebe relatório com diagnóstico bem cuidado, cuja leitura leva necessariamente a novos caminhos e soluções. Os dois Seminários que o Inep promoveu com os coordenadores de cursos tiveram como objetivo exatamente trocar experiências sobre caminhos e soluções resultantes do aproveitamento dos resultados do Provão.

Aliás, fossem mais claros os caminhos e soluções lá viriam os diretores da Enecos novamente com o dedo em riste voltando a falar em modelo único. O que eles querem?

Qual o problema do efeito midiático? De todo modo, este é um problema muito mais da mídia do que do Provão. Não à toa, estamos tratando desse assunto aqui no Observatório da Imprensa.

11) Joga para o aluno o peso da avaliação de toda a escola.

O boicote, como formulado, não apenas incide no mesmo erro como o aceita como eticamente justo. Entregando a prova em branco, o aluno repassa "o peso da avaliação" à escola; se fizesse um protesto responsável devolveria este peso ao MEC.

Ora, se não considerassem este argumento justo e não condenável, os líderes não estariam sugerindo que os estudantes repassassem a bola à instituição que lhes deu formação e conhecimento, e está em vias de lhes fornecer um diploma.

O argumento é forte, consistente e justificaria movimentos coletivos de revolta e protesto. As lideranças estudantis seriam mais coerentes se usassem esse argumento para justificar um movimento coletivo de boicote à prova.

12) No caso das universidades públicas ameaçadas de fechamento, demonstra inversão de conceitos, pois quem ameaça fechar cursos é o próprio responsável por sua manutenção. Seria uma autocrítica do MEC?

Aqui, além de confundir Estado com governo, as lideranças se apóiam sobre erros do MEC para pedir mais erros, e não acertos. Quando este argumento estava sendo divulgado em documento, os coordenadores de cursos de escolas públicas federais estavam tratando do problema com o responsável pelo Provão, Tancredo Maia Filho. As tratativas resultaram na audiência que os coordenadores terão com o ministro no dia 5 de junho, para cuidar do assunto.

13) No caso das escolas particulares, o MEC repara um erro próprio: a abertura indiscriminada de cursos. A velha lógica de "primeiro a gente abre e depois a gente fecha": irresponsável com alunos que já ingressaram no mercado de trabalho. O MEC só toma providências após o terceiro conceito "insuficiente". Como fica a primeira turma formada?

Epa! Lá no item 1 os dirigentes estudantis criticaram o caráter punitivo do Provão. Agora, reclamam que o MEC demora a punir. Afinal, o que desejam? Diante das fábricas de diplomas ? das quais os estudantes são as maiores vítimas ?, o que querem as lideranças? Ora, o MEC faz recomendações e sugestões a cursos com muitos problemas, e dá um prazo para que melhorem. A escola será fechada apenas se se recusar a investir em melhoramentos. Os alunos terão seus diplomas reconhecidos normalmente.

14) Condições impróprias de exame. Como resumir quatro anos em quatro horas?

Vale ressaltar que quanto às condições impróprias, a própria Comissão de Jornalismo do Provão vem insistindo nesta questão e reivindicando melhores condições, além do uso de computador, desde a primeira reunião, ainda em 1997. Com o Provão do mês que vem, teremos quatro anos avaliados em 16 horas de prova. Quatro horas em cada um dos três Provões já realizados, mais quatro horas deste Provão. A maneira como a prova é formulada permite ? é certo que com restrições ? avaliação com bom grau de aproximação, numa prova de quatro horas. Penso que um jornalista sabe o que é amostragem. Uma sondagem de opinião consegue aferir o pensamento de milhões de pessoas, entrevistando apenas dezenas. É evidente que uma prova busca, no conjunto das questões, uma amostragem coerente das habilidades, das competências e dos conteúdos previstos.

15) Formação com perfil tecnicista.

Aqui, os dirigentes da Enecos precisam esclarecer melhor o que querem dizer. Parece que, sob uma suposta e falsa preocupação com a teoria ? já desmontada no item 9 ?, demonstram preconceito em relação à técnica e mostram ainda acreditar que a dualidade "teoria x prática" é impossível de ser quebrada. Ora, a prova avalia conteúdos, habilidades e competências. Nas diretrizes curriculares, na LDB, nos padrões de qualidade, as escolas têm que fornecer ao aluno conteúdos, habilidades e competências. A prova exige espírito crítico, criatividade e capacidade de aplicação das teorias. A prova é essencialmente técnica, sim. Por que isso seria um problema? A palavra "técnica" vem do grego techné, e seu sentido é grandioso. Tecnologia é aplicação técnica do conhecimento científico. Ora, se um pretendente a jornalista não conhece as tecnologias que obrigatoriamente terá que dominar, estamos diante de um problema grave.

16) A proliferação de cursos pré-Provão e de instituições que prometem premiar os alunos com os melhores resultados.

Aqui, lanço um desafio. Quero que me apontem um curso ? unzinho que seja ? que tenha realizado estas práticas e tenha obtido bom desempenho no Provão. Quem ofereceu prêmios no ano passado percebeu o mico em que se meteu, e já mudou de assunto. Cursinhos para final de curso continuam. Mas não há cursinho que dê jeito em curso ruim. É só esperar que essas experiências vão se mostrando ineficientes e sendo abandonadas.

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