Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Bons motivos para a TV na web

TELEJORNALISMO ONLINE

Tina Andrade(*)

Depois de um período de estiagem, volta a chover criatividade na sala-de-aula! Minha cabeça ainda está efervescendo por conta da participação no seminário que "setava" para o futuro do telejornal na internet ? promovido pelo Laboratório de Vídeo da Faculdade de Comunicação Social da Uerj e coordenado por Antonio Brasil.

Na verdade, foi um grande brainstorm (e muito bom que tenha sido assim) num universo que misturava gente que escreve no seu dia-a-dia a história do jornalismo brasileiro e bons "pitacos" de uma classe boquiaberta, tamanho volume e qualidade de informação colocada de forma dinâmica num meio mais-que-interativo, reunindo competência, propriedade, curiosidade e vontade de aprender.

Primeira a chegar, eu, década e meia de jornalismo e usuária de tecnologia desde o princípio da telecomutação por aqui, estava tão decepcionada pelos falsos anúncios acerca do "novo" quanto famélica e sedenta de conhecimento baseado, gerado e transmitido em alta tecnologia.

Assim, aconteceu. O primeiro grande impacto que sofri foi saber que já existe tecnologia capaz de inserir o repórter (ator) no contexto da história possibilitando remontá-la em ambiente virtual e ainda permitir que o espectador se manifeste, interfira, sinta na pele cada acontecimento; transformando a matéria num evento. Esta novidade é chamada de Jornalismo Local ? projeto apresentado pelo professor John Pavlik, diretor-executivo do Centro para Nova Mídia da Escola de Graduação em Jornalismo da Columbia University.

Pavlik nos inseriu numa espécie de túnel do tempo para o além do futuro. Em se tratando de tecnologia, o seu presente está tão distante do que eu poderia imaginar que cheguei a questioná-lo quanto ao seu próprio futuro. E eu já estava ali pensando como vai ser poder revisitar a Semana de Arte Moderna em pleno ano de 2015. Que fascínio!

Àquela altura, meus ombros me inclinavam para a frente enquanto a mão tamborilava o bloco "hiperescrito" ? tudo estava só começando.

Analfabetos digitais

A dupla Gabriel Priolli e Marcelo Tas decorou a "vitrine" com takes da televisão à internet (suas histórias, seus públicos, estatísticas e especificidades) ? "o futuro que aponta para a convergência de tecnologias de formas indistintas e indiferentes em sua recepção". Particularmente, gostaria de registrar o quanto admiro a forma inteligente como interagem ambas as mídias na confecção do Vitrine (programa da TV Cultura).

Olhando para o Tas, jornalista que é, imaginei como é para seu diretor lidar com alguém com tamanha autonomia e instigante desobediência. A resposta do apresentador revelou um segredo que está na sinergia e na confiança mútua: "sou como o Rubinho Barrichello, com o diferencial de que não ouço ninguém me pedir pAra tirar o pé do acelerador".

Enquanto falava do futuro do telejornalismo online, considerando um universo de 167 milhões de brasileiros na sua maioria analfabetos digitais, Gabriel Priolli induzia à reflexão ao dizer que "não importa se a tecnologia é x ou y, importa é que contribua para a inclusão".

Como estou apenas ilustrando a efetividade do evento, considerei motivadora a participação de um talento jovem como o de Leonardo Moura, que hoje atua na gestão de conteúdo para GNT e GNT Portugal.

"Desejo, necessidade, vontade"

Mas foi ato de ousadia e, na minha modestíssima opinião, bravura de Antonio Brasil "dividir" a mesa em dois intelectos: Sebastião Squirra e Nilson Lage. Não tem jeito: o pulso dispara diante destes titãs, tão contrapostos quanto complementares, tão proprietários da matéria, tão instigantes, intrigantes e intrigados com o incógnito telejornalismo ou "jornalismo à distância" que será certamente dragado pelo "grande buraco branco" que é a internet.

Por alguns instantes, a quase negação tomou de assalto o hemisfério da razão. Foi quando Squirra bateu seu martelo de "juiz" causando fissuras na minha linha de pensamento. Confesso que ficou um charme naquele disfarce de "eu-não-ligo", mas o fato é que ele pontuou em boa hora a crise vivida pelo jornalismo brasileiro: está em apuros, sem apreço, sem palavra e, agora, no desmazelo debaixo de uma avalanche devastadora que é a overloaded information (sobrecarga de informação). E perguntou (usando apenas uma interrogação no olhar): "Vão fazer o que, com a tal da tecnologia que vocês pensam conhecer?"

Ah, professor… Entre a percepção e a cognição está a imaginação ilimitada. Foi genial ficar de frente àquele realismo e seus acentos tônicos e suas sobrancelhas arqueadas enquanto se falava sobre a mudança no formato da comunicação promovida por uma internet de "muitos para muitos", como ele mesmo dizia, ao mesmo tempo que nos desafiava a transpor as barreiras culturais e técnicas utilizando tão-somente nosso fascínio pelas novas tecnologias.

De repente, o não menos espaçoso Lage se instala no hemisfério da emoção e, apesar da farta disponibilidade de equipamentos (o evento estava sendo transmitido em tempo real pela web), abusou da tecnologia da palavra na apresentação do seu mais novo desafio: um sistema de produção de TV, com qualidade DV ou superior (leitura digital), com padrões, linguagens e procedimentos possíveis em pequenas cidades e para populações carentes. Ele sugeria ? de uma forma assustadoramente simples ? colocar a internet-2 a serviço do social. Não há como não me remeter à "inovação tecnológica" propagada por Karl Popper, em seu método crítico: "O conhecimento científico difere das especulações, ou seja, a ciência evolui colocando suas teorias em risco de serem refutadas".

Diante do gigantismo de toda aquela informação, eu, que "só sei que nada sei" (para não perder a oportunidade de filosofar), estava ali sendo provocada sem saber para qual hemisfério minha cabeça pendia, maravilhosamente confusa; e, atrás de mim, um auditório silencioso e reverente.

E agora venho aqui não apenas para reportar o que vi, mas em tempo de satisfazer a vontade de responder à questão de Squirra: "Qual razão suficiente que justifique a migração da TV para a internet"?

Mestre, talvez seja a permissividade inerente ao meio. A mais remota possibilidade de poder experimentar, de assistir (em tempo real) àquilo que acontece quando se tem uma idéia na cabeça e uma câmera (digital) na mão é algo que só de pensar me satisfaz.

A acessibilidade, a autonomia, o "poder estar" num sítio sem fronteiras que é ao mesmo tempo lugar de todos e de ninguém; a praticidade, a desburocratização, a velocidade e a facilidade de publicar on the web não substitui, nem jamais substituirá, aquilo tudo o que está contido na televisão. No entanto, as reestruturações sócio-culturais, reengenharia do conhecimento e reformas conceituais impostas pela quarta mídia haverão de ser igualmente impactantes.

Não há dúvida de que dispomos do melhor laboratório para nossas experiências multimídiáticas de todos os tempos. E também da única mídia totalmente capaz de incorporar e integrar todas as outras ? e potencializá-las.

Concordo (em gênero, número e grau) que maior do que a questão da tecnologia propriamente dita precisamos discutir o processo da gestão da informação ? não apenas sob o ponto de vista estratégico, mas sobretudo com responsabilidade, comprometimento e visão.

E pode ser este o maior desafio: uma comunidade prática para elaborar a forma da notícia que vai estar sublocando espaço tipicamente de entretenimento. Faltam bons projetos, boas propostas, bons textos, boa performance; faltam recursos, conhecimento, relacionamento, ética, lei, profissionalismo… tanto que falta ainda. Mas na minha opinião de aprendiz, a única coisa que não pode faltar neste momento inicial do processo é "desejo, necessidade, vontade", como nos versos daqueles outros Titãs. Especialmente vontade política e políticas favoráveis aos nossos desejos, necessidades e vontades.

(*) Jornalista; e-mail <tinandrade@ig.com.br>; URL <www.tinandrade.hpg.com.br>