OLDEMÁRIO TOUGUINHÓ (1934-2003)
“O jornalista que vivia a notícia 24 horas por dia”, copyright Jornal do Brasil, 21/1/03
“No Hospital São Vicente de Paulo, Tijuca, onde estava havia 10 dias, morreu ontem, ao meio-dia, com 68 anos, o jornalista Oldemário Vieira Touguinhó.
– Com a morte do Touguinhó, o jornalismo brasileiro perdeu uma grande personalidade, tanto como profissional como figura humana – disse o também jornalista Carlos Lemos, o mesmo que em fins de 1958 o trouxe para o Jornal do Brasil, onde era editor de Esportes. – Foi o melhor repórter que já vi em toda a minha vida, cobria não apenas esportes como qualquer evento que surgisse no seu caminho.
Versátil – Com a mesma facilidade e competência com que cobria um jogo de futebol, Oldemário Touguinhó sabia apurar e descrever o lançamento de um foguete no Cabo Canaveral. Em 1960 cobriu com brilho a inauguração de Brasília. E em 1968 estava no México cobrindo os preparativos dos Jogos Olímpicos. De repente os estudantes saem à rua da capital para protestar contra a realização dos jogos. A polícia entra em choque e as balas não paravam, foram mais de 100 os mortos. Oldemário viu e apurou tudo dando aos leitores um relato do mais pungente realismo.
Quatro anos depois, nas Olimpíadas de Munique, novamente Oldemário mostra sua versatilidade ao descrever o atentado dos palestinos à delegação israelense. Foi o único repórter a entrar na Vila Olímpica onde estavam os israelenses. Vestiu um uniforme de atleta e ninguém lhe barrou o caminho. Correu pelos corredores do subterrâneo.
Sem férias – Nos 41 anos em que trabalhou no JB , Oldemário foi, acima de tudo e só, repórter. Não tinha hora de sair nem nunca tirou férias. Dizia que não as tirava porque as três coisas de que mais gostava eram a família, o jornalismo e o Rio de Janeiro.
Cobriu 10 Copas – desde a do Chile, em 1962, até a da França, em 1998 – além de várias Olimpíadas. Do alto da sua experiência, escreveu dois livros: As Copas que eu vi e Maracanã.
Entre os diversos prêmios, dois Esso. Presidiu duas vezes a Associação dos Cronistas Esportivos do Rio. Viajou muito. Quase não havia país para onde não tivesse se deslocado no desempenho da profissão. E por onde passou deixava amigos, tão agradável era sua conversação e tão prestativo ele se mostrava.
Era um obcecado pelo trabalho. Em cada jornada, bastavam-lhe cinco ou seis horas para descansar. Quando já tinha rodado o jornal e voltara para casa, muitas vezes um último telefonema para as suas fontes o obrigava a retornar e fazer nova edição só para manter os leitores bem informados.
Nada o dispensava do dever de informar. Mesmo quando foi pauteiro ou editor, nunca deixou de escrever. E ninguém como ele dominava o assunto bola. Fosse um jogo decisivo do campeonato nacional ou um treino de rotina do seu Botafogo, tendo porém o cuidado de não deixar perceber sua torcida. Lendo-o, ninguém desconfiava que foi um botafoguese exemplar. Sabia ser imparcial na hora de analisar a atuação dos jogadores. Com razão, todos eles, mesmo os maiores craques, tinham por Touguinhó a maior admiração. Alguns se tornaram até fiéis amigos.
Furos – Foi o caso de Pelé, que fez questão de comunicar ao mundo seu primeiro casamento através do amigo Touguinhó. Outro furo histórico foi a notícia da convocação de Romário, por Zagallo, num dia em que todos os jornais do país afirmavam o contrário. Ao chegar à redação, Oldemário foi aplaudido de pé pelos colegas.
Nem admira que ontem, ao saber da sua morte, o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, logo começasse a pensar na maneira de homenageá-lo. ”Touguinhó era o repórter com a cara da Seleção Brasileira”, proclamou.
O verdureiro – Oldemário Touguinhó nasceu em Campos, em 8/11/34, filho de Mário Gomes Touguinhó e Oldema Vieira Touguinhó. Seu pai era dono de um açougue, mas os negócios não iam bem. Mudou-se para o Rio e montou uma quitanda na Lapa, quando Oldemário tinha cinco anos. Filho único, Oldemário nem por isso foi poupado. Morava no Catumbi e ali aprendeu as primeiras letras, na Escola Municipal Estados Unidos. O secundário, pôde fazê-lo no Colégio Vera Cruz, na Tijuca. Mas logo aprendeu também o preço da vida de uma família malremediada. Nas férias e mesmo nas horas vagas ia para a quitanda ajudar a vender banana, laranja e verduras.
Mas de uma coisa o garoto e depois jovem Oldemário não abria mão: a bola, que jogava na rua com os amigos, e a leitura de jornais e de tudo que lhe falasse de futebol. Sem destino ainda, ele já fazia seu arquivo de recortes e fotos de seus ídolos. Foi então que seu vizinho de porta, o fotógrafo do JB , Antônio Andrade, falou dele, uma e muitas vezes ao editor de Esportes, Carlos Lemos. Assim entrou para o jornal de onde nunca mais sairia. Soube conquistar logo a confiança e amizade não só de chefes e simples colegas mas dos próprios diretores. Convidada para madrinha de casamento (setembro/1966), a condessa Pereira Carneiro não só disse sim como fez questão de colaborar generosamente para o brilho da festa. Como generoso seria sempre seu afilhado para com a empresa, dando-lhe o melhor de si. Generoso seria também para com os colegas de trabalho e amigos, que não tinham conta.
O samba – Além do futebol, Oldemário tinha outra paixão: o samba. Não perdia um desfile das escolas do Grupo Especial. Que o diga sua escola favorita: a Mangueira. Em público nunca vestiu sua camisa do Botafogo. Mas, na passarela, só ia com a verde-e-rosa.
Como bom campista, Oldemário era homem também de profundos sentimentos cristãos mas não dado a crenças fatalistas. No entanto, foi também num dia 20 de janeiro que há 20 anos morreu Mané Garrincha, seu grande amigo. E, quando, nos últimos tempos, o jogador que tinha pernas tortas bebia além da conta e passava mal, era para Oldemário que os amigos ligavam pedindo providências, o que ele nunca deixou de atender. Foi ainda Touguinhó um dos organizadores do Jogo da Gratidão com que, em setembro de 1973, os amigos de Garrincha promoveram uma partida de futebol no estádio do Maracanã para ajudar as finanças do jogador.
Era casado com Georgina (dona Gina) Martins Touguinhó – a quem conheceu no Clube Caçadores, no Catumbi – e tinha duas filhas – Hilda, empresária de uma academia de ginástica, e Sandra, professora – e quatro netos. O corpo do jornalista sendo velado na capela C do Cemitério São Francisco de Paula, no Catumbi, onde será enterrado hoje às 11h.”
***
“Logo o coração!”, copyright Jornal do Brasil, 21/1/03
“O coração levou Oldemário. Logo o coração! Quem conviveu com ele e recebe a notícia assim, custa a acreditar. Logo com ele, que parecia ter sete corações!
Ninguém usou o coração com mais ardor que o Oldemário. Na vida profissional ou na particular, era o coração que comandava o Oldemário. Era com o coração que ele corria atrás das notícias, dos furos – e como corria! Era com o coração que ele escrevia suas reportagens – e que reportagens! Seus companheiros e amigos sabem também como era grande aquele coração – que coração!
Oldemário respirava pelo coração. É difícil acreditar que logo o coração o tivesse tirado do convívio que ele mais amava depois da família – a redação. Era na redação que se realizava. Por isso, todas as redações mergulham num profundo silêncio para reverenciar sua ausência.”
***
“Aos 68, jornalista Touguinhó morre no Rio de Janeiro”, copyright Folha de S.Paulo, 21/1/03
“O jornalista Oldemário Touguinhó, 68, colunista do ?Jornal do Brasil?, morreu ontem no Rio vitimado por problemas cardíacos. Ele estava internado desde o início do mês no hospital São Francisco de Paula, na Tijuca (zona norte).
Touguinhó era um dos mais importantes jornalistas esportivos do país. Começou a trabalhar no final da década de 50, cobriu dez Copas -de 62 a 98- e lançou dois livros: ?As Copas que Eu Vi? e ?Maracanã?.
O corpo do jornalista será enterrado hoje no cemitério do Catumbi.”
***
“O jornalismo perde Oldemário Touguinhó”, copyright Jornal do Brasil, 21/1/03
“O jornalista Oldemário Vieira Touguinhó morreu ontem, aos 68 anos, vítima de parada cardiorrespiratória, no Hospital São Vicente de Paula, na Tijuca, onde estava internado havia dez dias. Como repórter e cronista do Jornal do Brasil, ele participou da cobertura de dez Copas do Mundo (de 1962 a 1998) e de dezenas de outras competições internacionais.
Foi colaborador do Estado e do Jornal da Tarde por 36 anos. O sepultamento está marcado para as 11 horas de hoje, no cemitério São Francisco de Paula, no Catumbi, zona norte.
A mulher de Touguinhó, Georgina, disse que ele estava ?enfraquecido? desde a cirurgia cardíaca a que foi submetido em abril de 1999. O problema foi detectado após exame de rotina. Em dezembro do mesmo ano, sofreu acidente vascular cerebral (AVC). ?Ele quase não falava mais de futebol, ficava muito deprimido porque não podia mais participar?, disse ela.
O repórter Geraldo Pedrosa, de 65 anos, hoje na Rádio Bandeirantes, contou que Touguinhó era padrinho de um dos filhos de Pelé. ?Éramos ‘inimigos’, porque eu trabalhava no jornal O Dia, mas sempre nos demos bem. Dificilmente vai aparecer outro igual. Suas principais características eram a versatilidade, honestidade e inteligência?, comentou.
?Ele sempre me dizia que as cinco coisas mais importantes de sua vida eram a família, os netos, o jornalismo, o Botafogo e a Mangueira. E vivia comprando presentes para os netos continuarem torcendo pelo Botafogo. Foi uma figura sensacional e, nos últimos anos, a maioria dos furos da seleção brasileira foi dele?, disse Israel Ginpel, de 69 anos, da Rádio Jovem Pan.
Touguinhó nasceu em Campos, norte fluminense. O sonho de ir à Copa do Mundo do Chile, em 1962, começou a se concretizar quando foi trabalhar na recém-criada editoria de esportes do Jornal do Brasil, em 1959, após rápida passagem pela editoria de política. Ganhou vários prêmios, entre eles os Esso de informação esportiva de 1981 e 1983. Teve artigos publicados no The New York Times, France Football e Number (Japão). É autor dos livros As Copas que eu vi (Relume Dumará, 1994) e Maracanã (1998), que narra a história do estádio, inaugurado em 1950. Tinha duas filhas e três netos.”
FRANÇOISE GIROUD (1916-2003)
“Françoise Giroud, jornalista e política pioneira na França”, copyright O Estado de S.Paulo, 21/1/03
“Uma das grandes jornalistas francesas, Françoise Giroud morreu aos 86 anos. Ainda na quinta-feira, foi à Ópera e, na saída, caiu. Três dias de coma. Até domingo à tarde. Sua vida foi magnífica.
Nasceu em Genebra, em 1916. Sem pai, saiu da escola aos 16 anos. Começou a vida em Paris como estenógrafa. Mas essa estenógrafa era inteligente e se tornou roteirista da obra-prima de Jean Renoir, A Grande Ilusão.
Resistente em 1940, foi para a prisão em Fresnes. Mas, desde a liberação, dedicou-se ao jornalismo. Dirigiu a revista Elle por sete anos. Tinha só 37, quando fundou e dirigiu a revista L’Express com Jean-Jacques Servan-Schreiber. Foi a única mulher a dirigir uma revista por 20 anos. E que revista! Tiragem de 700 mil exemplares. Um papel político crucial por seu engajamento de esquerda.
Mais tarde, uma pausa no jornalismo. Foi duas vezes secretária de Estado nos tempos de Giscard d’Estaing: da Condição Feminina e da Cultura. Era melhor não contrariá-la. Manejava as palavras à perfeição, ao escrever e às vezes pela sinceridade. Quando Simone de Beauvoir morreu, Françoise disse:
?Ela se vestia mal.?
Ela percebeu logo a força do feminismo. Devemos a ela uma das frases mais inteligentes sobre o assunto: ?O problema das mulheres será resolvido no dia em que conseguirmos ver uma mulher medíocre em um posto importante.?
O momento impressionante de sua trajetória é a terceira parte da carreira.
Em 1981, deixou para trás sua cumplicidade com a direita para se reaproximar de François Mitterrand, eleito presidente.
Voltou a ser jornalista, mas cronista e não diretora. Fazia maravilhas.
Criticou televisão na revista de esquerda Le Nouvel Observateur. E escreveu.
Os livros se sucediam. Coletâneas, notas nos guias Tout Paris, que ela conhecia como ninguém, romances, biografias.
Até o fim, viveu como jovem. Saía de noite, recebia. Encantava por sua vivacidade, sua gana de viver, de compreender, de conhecer, de amar e detestar. O grande dramaturgo francês Molière morreu em cena, no palco, interpretando a comédia O Doente Imaginário. Françoise morreu em dois grandes palcos. O do teatro (havia ido à Opera) e o grande palco da vida, que amou loucamente.”