Tuesday, 19 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Brazilianistas aderiram ao "embrulha e manda"

ARMAZÉM LITERÁRIO

Autores, idéias e tudo o que cabe num livro

PESQUISA DE ARAQUE

Alberto Dines

A partir de 1964 vieram ao Brasil algumas dezenas de acadêmicos americanos para estudar nossa história, economia, os militares, a situação política. Foram chamados de "brazilianistas" – especialistas em Brasil – e recebidos com o maior respeito e carinho pela seriedade dos trabalhos que produziram. Alguns, como o economista Albert Fishlow, produziram as primeiras contestações à mistificação designada como "Milagre Brasileiro". Hoje chefiam departamentos das mais importantes universidades americanas (caso de Alfred Stepan, Thomas Skidmore etc.)

Essa aura de respeitabilidade corre o risco de ficar comprometida com brazilianistas de última geração que, aparentemente, trocaram os rigorosos padrões da academia americana pelas práticas imperantes em nossas universidades.

Um acordo forçado – o consentimento da imprensa à censura no Brasil (Editora FGV, 262 pp.), de Ane-Marie Smith, não honra a tradição dos brazilianistas. O tema é fascinante, o título é enganador (misleading, em inglês). E o resto, a começar pelo subtítulo, precário.

Houve momentos durante o regime militar em que a grande imprensa brasileira aceitou o controle externo do noticiário e executou-o sem a ajuda de censores. Mas houve momentos em que alguns jornalões e revistões recusaram a autocensura e obrigaram os órgãos de segurança a exercer a seleção prévia do noticiário. Além disso, a pequena imprensa, assim como a imprensa alternativa, em nenhum momento compactuou com a autoflagelação. Esta resistência compõe as páginas mais bonitas da história da imprensa brasileira neste século e está retratada em farta bibliografia.

Portanto não houve o tal consentimento a que alude o subtítulo. E o acordo forçado em muitos casos não foi forçado: foi de bom grado, sem anestesia e, sobretudo, sem dor. O clima de cumplicidade que a autora pretendeu insinuar (mas infelizmente não conseguiu comprovar) deu-se em esferas e áreas específicas em que os empresários aceitaram a priori os pressupostos do regime militar. Como, aliás, em sua esmagadora maioria, sempre fizeram com os donos do poder.

A precariedade da pesquisa salta à vista quando se examina o retrato que faz do Jornal do Brasil, caso clássico de acordo nada forçado dos militares com a cúpula empresarial e do firme desacordo da redação a esta capitulação. A autora entrevistou o presidente da empresa (M.F. do Nascimento Brito, 5 citações), o diretor de redação colocado para acabar com a resistência da redação (Walter Fontoura, 10 citações) e o editor de economia que justificou funcionalmente a autocensura (Noênio Spinola, 3 citações). Não ouviu o editor-chefe punido por indisciplina porque conseguiu driblar em algumas ocasiões memoráveis as ordens censóreas (este Observador), nem muito menos o chefe de redação (Carlos Lemos) que no dia-a-dia cuidava de furar as imposições.

No caso deste Observador, das quatro citações nominais, duas referem-se a um trabalho histórico de sua autoria (Censorship of the press in Brazil, mimeo, Columbia University, Nova York, 1975) e outra foi mencionada por Boris Casoy, o agente do consentimento prazeroso na Folha de S. Paulo. A autora ignorou O papel do jornal, de autoria deste Observador (Summus, 1ª edição, 1974), onde aludiu-se pela primeira vez ao sistema de autocensura e examinou-se o teor das ordens das autoridades colecionadas no "Livro Negro" do Jornal do Brasil. Também passou ao largo da rubrica "Jornal dos Jornais" da Folha de S.Paulo que, desde o seu lançamento (julho de 1975), cobrava as omissões dos autocensurados.

Pode-se imaginar o grau de precariedade da investigação no tocante a outros veículos quando se compulsa o índice remissivo e encontra-se uma única citação a Hélio Fernandes, da Tribuna da Imprensa, e duas ao seu irmão, Millôr Fernandes.

Pior do que o livro foi a surpreendente resenha assinada por Joel Rufino dos Santos (Jornal do Brasil, Caderno Idéias, 21/10/00), brasileiro de quatro costados e não um brazilianista que caiu de pára-quedas, autor de vasta e apreciada obra com merecida reputação de combatente. Com uma página e meia à sua disposição, o ilustre acadêmico desfia uma série de platitudes sobre o período e sobre o assunto, sem dar-se ao trabalho de reparar nos gritantes erros metodológicos da pesquisa e nas incongruências que a autora produziu.

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