Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Briga esconde assalto ao erário

INSTITUIÇÕES PRIVADAS

Marcos Marques de Oliveira (*)

De repente, não mais que de repente, a mídia brasileira foi invadida pela briga entre os centros universitários e as universidades privadas, como se o problema do ensino superior fosse um simples caso de "comadres". Ora, o que está em questão é o futuro da educação brasileira, a possibilidade de sermos ou não uma sociedade mais justa e democrática e com capacidade de competição no campo tecnológico e científico.

Na Veja n? 1.804, em "Capitalismo de meia-tigela", o articulista Cláudio de Moura Castro afirma: "Algumas alas da esquerda, ainda ?de mal? com a iniciativa privada, querem um freio na expansão do ensino superior privado. Imaginem a alegria dos empresários já estabelecidos". Ora, a questão, com todo o respeito, não é essa. Eu me considero de esquerda e, ao contrário do que induz o articulista, sou a favor da expansão do ensino superior privado, desde que com recursos dos próprios investidores. O que não pode é continuar a evasão de recursos do Estado para bolsos privados. Falam que o Estado não tem dinheiro para abrir vagas nas instituições públicas, mas cobram do governo (e conseguem!) recursos para aumentar e ampliar o crédito educativo (o Fies).

Em outro artigo, na Folha de S.Paulo de 27/5, Luiz Gonzaga Bertelli faz bela defesa das instituições filantrópicas, mas não aborda questões que intrigam a sociedade. Ao contrário deste outro articulista, sou favorável ao fim das isenções às instituições filantrópicas. Toda atividade empresarial gera resultados sociais (não é este um dos princípios do liberalismo?), e não deveria haver discriminação. Na área educacional, por exemplo, entidades ditas filantrópicas são eficazes na formação dos filhos das elites, mas recebem benefícios fiscais sob a justificativa de uma assistência social que aparece apenas como migalha ou esmola ? quando aparece.

Enquanto isso, instituições educacionais empresariais pagam todos os impostos. Por isso, têm mais custos e são obrigadas a mensalidades maiores, o que denota concorrência desleal. E elas nem mesmo têm o benefício total do Simples (sistema que simplifica e reduz impostos e tributos para micro e pequenas empresas), o mesmo que permite ao bar da esquina vender cachaça com tratamento diferenciado.

Por que não transferir a comprovação da assistência ao Imposto de Renda, com a verificação do benefício social no fim do processo, e não antes, como suposição? Desta forma, todas as escolas (e não apenas um número reduzido) poderiam, se quisessem, concretizar a decantada "responsabilidade social". E fazer isso com seu próprio dinheiro, não com o "chapéu" alheio.

Sem tigela

Com isso, estariam garantidos os recursos de que o Estado tanto necessita para cumprir suas obrigações ? no caso, investir na escola pública de todos os níveis de ensino. Mas parece que a lógica da ideologia da moda (a do "terceiro setor") é dizer que o Estado não têm condições de cumprir com suas funções. No entanto, seus adeptos não cansam de exigir recursos para que as organizações não-governamentais (ou seriam neogovernamentais?) façam o serviço que seria, a priori, de direito público, e não de caridade privada.

Estamos, na verdade, voltando ao capitalismo pré-contratualista, quando os direitos básicos do cidadão dependiam do esforço de cada um, e não de um contrato social que garante, em tese e até em texto constitucional, a todos as oportunidades (educacional, médica e previdenciária) de participar do mundo do trabalho ? e, aí sim, receber os dividendos de acordo com seus méritos.

Se, talvez, já não podemos ser "bolcheviques", vamos deixar de ser "jacobinos"? Bem, então, viva a "Nova Idade Média", e fiquemos esperando as esmolas da "social-democracia cristã" que o governo petista parece querer implementar ? não muito diferente, portanto, da "social-democracia neoliberal" de FHC. Só nos resta dizer amém?

Como já havia afirmado outro articulista deste Observatório (Victor Gentilli, 20/5), "nada mais emblemático de nossa imprensa do que o noticiário sobre assuntos educacionais". O tratamento que a mídia dá à briga entre centros e universidades privadas é uma prova, já que registra majoritariamente opiniões de interessados diretos e indiretos, como é, respectivamente, o caso dos articulistas aqui citados (o primeiro trabalha para o Grupo Pitágoras, cujo dono é o atual ministro do Turismo; o segundo, além de diretor da Fiesp e da Associação Comercial de São Paulo, é presidente-executivo do Centro de Integração Empresa-Escola, Ciee).

Não estou defendendo que se deixe de ouvir os empresários da educação. Mas os jornalistas devem relacionar suas avaliações e propostas às necessidades reais do sistema educacional brasileiro, para assim compreender de que forma tais interesses podem colaborar ou bloquear a ação do Estado numa área que, repito, é de direito público, e não privado. O que solicito aos responsáveis pela pauta educacional é que procurem multiplicar suas fontes, recorrendo não só aos que têm interesse privado na área do ensino, mas, principalmente, aos que têm interesse público e, por isso, estudam a fundo a educação brasileira.

Afinal, se é para ter capitalismo que seja, ao menos, sem tigela, e não de tigela inteira ou de meia-tigela.

(*) Jornalista, mestre em Ciência Política, doutorando em Educação Brasileira e pesquisador do Coletivo de Estudos de Política Educacional do Programa de Pós-graduação em Educação da UFF