GOLIAS DETESTA CRÍTICAS
Alberto Dines
Os maus atores têm medo dos críticos e, quando famosos, os odeiam. A grande imprensa pode ser comparada aos canastrões convertidos em vedetes. Fica furiosa quando alguém desvenda suas falhas e falências. Acredita-se dona da verdade, aferra-se ao poder de julgar, não admite ser contestada.
A irritação do diretor de Redação de O Globo com os comentários deste Observador sobre o desempenho álgido e burocrático do seu jornal na cobertura do megagrampo de ACM é exemplo disso. O caso em si está sendo discutido em outra rubrica mas serve de gancho para reflexões mais amplas, “fenomenológicas” [para ler a troca de e-mails entre o diretor de redação do Globo e o editor responsável deste Observatório].
Na sua aguardada rentrée, o ouvidor da Folha de S.Paulo Bernardo Ajzenberg levantou um assunto, embora esquecido, de capital importância: os efeitos perniciosos da “brindomania” e da “brindodependência” que nos anos 90 levou os jornalões brasileiros aos píncaros de tiragem e, na década seguinte, ao desconforto das grandes ressacas.
Preocupado com aquela aberração que converteu os departamentos de marketing em donos do destino da imprensa brasileira, na época este Observatório manteve o assunto sob constante exame. Os jornais, na realidade, estavam sendo distribuídos de graça, subvertendo o sagrado princípio de que o leitor precisa pagar pela informação para poder respeitá-la. Veja abaixo as nossas principais matérias sobre o assunto desde 1996 ? momento culminante da loucura “brindomaníaca”. Importante registrar que mesmo antes do aparecimento do Observatório o assunto foi levantado na retranca “Circo da Notícia” da revista Imprensa.
Importa aqui lembrar a forma com que foram tratadas nossas advertências: a pior possível. Prestávamos um favor à imprensa diária e fomos tratados como “inimigos” e “derrotistas”. Procurávamos evitar uma débâcle e fomos classificados como subversivos. Agora, quase dez anos depois, o Folhão e o Globão ? jornais que mais abusaram da droga ? reconhecem que jogaram papel no lixo. Daquelas tiragens fantásticas não sobrou qualquer resíduo. A não ser os atuais endividamentos, apertos e agruras.
Quando este Observatório insurgiu-se contra o jornalismo fiteiro e o grampismo que corrompeu nosso jornalismo investigativo tanto no segmento de jornais como no de revistas, também fomos criticados, marginalizados, tratados com desdém e rancor. Agora escancara-se a promiscuidade entre políticos grampeadores e mídia grampofila, com resultados devastadores para uns e outra [veja remissões abaixo].
O rancor dos Golias quando recebem uma pequena pedrada daqui debaixo não se resume aos grandes temas. Em casos pontuais de falta de compostura, a irritação dos flagrados é idêntica.
Quando este Observador chamou a atenção ? em abril de 2002 ? para o carnaval que O Globo fez com a reforma gráfica adotada pelo Wall Street Journal, veio a indefectível reclamação contra a nossa “injustiça”. Mostramos que a fanfarra foi exagerada, uma mudança na fisionomia de um jornal americano não merecia uma elaborada matéria de página inteira. Sobretudo porque o escritório que realizou o redesenho tinha um associado no corpo de colaboradores regulares do jornal (Carlos Alberto Di Franco). Tudo indicava uma matéria “de favor” (reco, ou “recomendada”, no jargão da redação). Indicava, principalmente, que a reforma do WSJ foi supervalorizada como se a qualidade intrínseca de um órgão de imprensa dependesse exclusivamente da sua cosmética.
Em sua edição de 10/02, o New York Observer informa que a tal reforma na primeira página do WSJ, trombeteada como revolucionária não apenas pela direção do jornal como pelos consultores que a realizaram, foi desastrosa. Está criando grandes problemas. O WSJ, que sempre pretendeu ser um jornal “diferente”, tornou-se um jornal sem diferencial. E o pior: a reforma liquidou com as grandes matérias investigativas publicadas na primeira páginas e responsáveis pela maioria dos prêmios Pulitzer ganhos pelo jornal .
Foi para o brejo a mística do WSJ, com os aplausos do The Globe. E quem pagou foi o Observatório, que apenas cumpriu com o seu dever.
Leia também
Sobre as mudanças no Wall Street Journal
Artigos no OI sobre a síndrome da brindodependência