Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Burrice autofágica

MÍDIA ESPORTIVA

Jorge Luiz Verissimo (*)

Nos últimos dois anos estamos presenciando uma verdadeira guerra pelo controle do poder no esporte brasileiro, seja no futebol seja nos chamados esportes olímpicos. Esta guerra se trava principalmente no campo da informação e da contra-informação, porém com posições parciais por parte dos propagadores da informação, no caso a imprensa em geral.

Este fator vem causando preocupação nas pessoas que tentam se informar pelos jornais, rádios e TVs, pois sentem claramente a manipulação das informações.

Os representantes das antigas estruturas do esporte são os remanescentes de uma organização voluntarista, amadora e apaixonada. Este tipo de organização, embora permeada por contínuas oscilações de credibilidade, conseguiu especial sucesso no futebol, tendo muito menos conquistas importantes na área olímpica. Os defeitos deste tipo de organização sempre foram sentidos, porém eram esquecidos, em virtude das grandes conquistas que o futebol nacional proporcionava ? inclusive pela mídia, que agora os estampa impiedosamente e demoniza os dirigentes representantes destas estruturas. Os defeitos são colocados com agravamento geométrico e as qualidades são simplesmente ignoradas.

Esta estrutura amadora, do ponto de vista dos chamados esportes olímpicos, nunca conseguiu grandes resultados, a não ser em espasmos de competência de uma equipe ou de um ou outro dirigente iluminado. A diferença entre nossa organização e os demais países neste tocante era e é medida em anos-luz. A falta de participação governamental e da iniciativa privada eram e continuam sendo patentes. Não encontramos programas sérios a serem desenvolvidos, à exceção do vôlei nacional, e assim mesmo dentro de um modelo quase ditatorial, escorchante para os clubes e muito cômodo para a federação.

Os representantes do que se chama nova organização profissionalizada estão abrigados principalmente na mídia escrita, falada e televisada, e estão sendo abertamente beneficiados na colocação das notícias, fazendo com que o mais distraído leitor desconfie do que lhe é passado por esta imprensa.

Dois anos de tiroteio

No exterior já existem estudos apontando o mercado do entretenimento esportivo como o melhor negócio a ser desenvolvido no futuro pelas grandes redes de comunicação. A maior rede de TV do país, baseada nestes estudos, investiu alto para ter o que podemos classificar como a mais contundente reserva de mercado do mundo dos negócios esportivos deste planeta.

Para conseguir este objetivo, aliou-se ao governo para obter vantagens contra a outra banda, pelo surrado expediente de CPIs escandalosas (já se fazia isto nos EUA há mais ou menos 50 anos).

Para azar dos atingidos, por uma questão meramente de mercado, a apuração dos fatos nestas CPIs foi dirigida quase que tão somente para dois clubes do Rio de Janeiro, por sinal os dois de maior torcida no Brasil e “por acaso” os dois que poderiam bancar reações contrárias à tomada de poder pelos novos profissionais .

Esta questão de mercado reside no fato de que todas as redes de TV atualmente estão sediadas em São Paulo (a própria rede monopolista tem seu escritório de negócios lá) e portanto ser muito mais interessante meter o pau em clubes e dirigentes do Rio, fazendo com que a fatia de presença dos clubes paulistas aumente em suas programações.

Outra coincidência reside no fato de que os políticos ligados à presidência da República escalados para o Ministério dos Esportes estão baseados em São Paulo!

Longe de qualquer tendência bairrista dos anos 50, o que queremos demonstrar é que os clubes do Rio estão na atual situação em virtude deste tiroteio, que já dura dois anos e acabou por ter como conseqüência o afastamento dos principais patrocinadores das plagas cariocas.

Empregos ameaçados

Claro está que há defeitos nos dois lados da questão, ninguém é anjinho de primeira comunhão, porém o foco da imprensa sataniza um lado e endeusa o outro, rasgando todas as crenças de fidelidade à informação e adotando um estilo de formar opinião na marra, e não informar o leitor para que este desenvolva sua opinião própria.

Creio que nesta linha o esporte do Rio, já bastante prejudicado até agora, passará por graves problemas, pois os dois lados da contenda são absolutamente irreconciliáveis, e não estão enxergando que participam de um processo de autofagia. Este processo está agradando muito a todos aqueles que fabricam estatísticas, dando a clubes de outros estados parcelas crescentes de torcida, enquanto minguam (propositadamente) as parcelas dos cariocas. Escrevo isto porque, nas minhas andanças pelo Brasil, vejo que as grandes massas de torcidas ainda são dos clubes cariocas.

Enquanto esta briga pelo poder se mantiver teremos mais e mais escândalos colocados na imprensa, o que de certa forma democratiza um pouco o ambiente, pois no passado, quando foi apropriado, muitos das atuais vestais da comunicação na luta pela moralização do esporte eram fiéis aliados dos “diabos” descritos por eles atualmente.

Há cerca de quase 30 anos ouvi numa rádio esportiva uma coisa que agora ouso reproduzir o mais fielmente que minha memória possa conseguir. O repórter analisando por que os campos andavam vazios em São Paulo e cheios no Rio, embora o futebol paulista fosse muito melhor naquela época, disse que aqui no Rio a imprensa promovia o espetáculo de maneira eficiente e que a imprensa paulista, sempre de mau humor, só faltava mandar o torcedor não ir ao estádio; e que isso era uma burrice, pois se ninguém fosse ao jogo e ele perdesse a magia e a importância, em breve os jornalistas envolvidos perderiam também seus empregos, em virtude do desinteresse dos leitores pelas matérias.

Seis por meia dúzia

Qualquer semelhança com o que está acontecendo com o esporte no Rio não é mera coincidência. Trata-se, na verdade, de burrice autofágica. Na ânsia de galgar o poder e tirar forra dos seus desafetos estão matando a galinha dos ovos de ouro e breve estarão pedindo emprego em outro estado!

A imprensa caiu de loas para o calendário futebolístico imposto pela Globo e, agora, especialmente a imprensa carioca, começa a perceber a extrema incompetência deste calendário, e está sendo obrigada a ter de mudar bruscamente de opinião e realizar a cobertura do Campeonato Carioca de Futebol, apelidado pelos puxa-sacos da rede monopolista de Caixão 2002 ? ou ter como opção ficar transmitindo o São Paulo-São Paulo.

É realmente incrível que todas estas campanhas contra o esporte, com ênfase para o Rio de Janeiro, viraram um verdadeiro tiro no pé daqueles que engendraram toda esta montagem.

Certamente existem descalabros e atitudes a serem mudadas no esporte nacional da atualidade, mas não podemos acreditar que conseguiremos mudar para melhor percorrendo o caminho da informação parcial e das campanhas difamatórias. Se aceitarmos este caminho estaremos coonestando os passos do fascismo e trocando uma estrutura errada por outra com os pés de barro, enodoada pelos descaminhos do chamado quarto poder da mídia.