Tuesday, 19 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Calhambeques voadores

Gabriel Britto (*)

A notícia a seguir foi publicada em Zero Hora de 20 de julho de 2000, página 22.

"Relatório favorece Governo Olívio

Relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE) divulgado ontem pelo secretário estadual de desenvolvimento, Zeca Moraes, atenua a responsabilidade do governo Olívio Dutra pela saída da Ford do Rio Grande do Sul e critica o contrato feito pelo governo Antônio Britto.

Os auditores Paulo César Flores e Antônio Carlos Pinheiro concluem também que é impossível dimensionar o prejuízo econômico e social ao estado. Conforme o parecer, a CPI da Ford promovida pela Assembléia Legislativa ‘perdeu o seu objeto" no momento em que o governo entrou na Justiça para reaver os R$ 42 milhões que repassou à Ford e os R$ 93 milhões que a montadora obteve de isenção de ICMS.

O relatório foi acolhido pelos conselheiros do TCE e será considerado para exame das contas do governo referentes ao exercício de 1999."

Pouco antes dessa nota, na página 6, a editora de política do jornal, Rosane de Oliveira, dedicou um parágrafo de 11 linhas, em meio ao seu comentário, para tratar do mesmo assunto:

"(…) Na tentativa de neutralizar as críticas dos representantes do governo anterior, os petistas tiraram da manga um relatório de dois auditores do Tribunal de Contas, desqualificando a CPI que responsabilizou o governador Olívio Dutra pela transferência da Ford para a Bahia. Exultante, o secretário de Desenvolvimento, Zeca Moraes, destacou as partes do relatório que faziam objeções a pontos do contrato original firmado entre a Ford e o governo do estado."

De tão escondidas que estavam as notas – em contraponto ao escarcéu que foi o período de negociações Olívio/Ford, quando o assunto ocupava manchetes e reportagens especiais –, só fui tomar conhecimento do fato hoje, 24 de julho, pela coluna de Luis Fernando Verissimo:

"Bem-vinda

Se posso dar uma de ombundschen – ou ombudsman, ou como quer se chame – amador, acho que merecia mais do que uma referência na coluna da Rosane de Oliveira e uma notícia de canto de página a decisão do Tribunal de Contas do Estado a favor do governo no caso da Ford. Afinal, a responsabilidade do Olívio na desistência da Ford continua sendo debatida até hoje e o que o TC resolveu, na essência, é que o Olívio tinha razão. O que ninguém sabe ainda, e a CPI da Assembléia sobre o assunto não se interessou em saber, é a cronologia da decisão da Ford, a que feitiços baianos ela já tinha sucumbido quando não aceitou os novos termos – justos segundo o TC – para ficar. Nunca é demais lembrar a cena inédita do anúncio da ida da Ford para a ACMlândia feita no gabinete do presidente da República, quando a questão com o governo gaúcho ainda não estava resolvida. O tempo se encarregou de redimir o presidente, no entanto. Pelo que se sabe hoje, é provável que ele não tivesse a menor idéia do que estava participando, na ocasião.

A não ser pelo Olívio, ninguém se lembrou de falar no Antônio Britto na inauguração da GM em Gravataí. A direção da empresa lhe devia pelo menos um ‘muito obrigado’ público. Mas aos beneficiados com a nova fábrica não interessa se foi gasto e comprometido demais para trazê-la, os empregos estão aí e as vantagens para toda a área serão enormes e bem-vindas. A festa foi bonita, houve congraçamento, elegância, maturidade política – e salgadinhos! Pena que a Ford não quisesse ficar. Só não entendi muito bem se os robôs da linha de montagem da GM e suas famílias também são da região, mas isso também já é picuinha."

É isso aí. O que é bom, a gente mostra. O que é ruim, a gente esconde.

(*) Jornalista