CASO ABRAVANEL
"Imprensa, seqüestro e resseqüestro", copyright O Estado de São Paulo, 3/09/01
"Os meios de comunicação social, em sua grande maioria, sempre atenderam aos pedidos da polícia e das famílias das vítimas, quando estas, em atenção a circunstâncias especiais, entendiam que a divulgação de um seqüestro poderia agravar o risco de vida do seqüestrado. A opção pelo silêncio não foi contestada até o final dos anos 1980. Desde 1990, quando o Rio de Janeiro sofreu uma impressionante onda de seqüestros (o ponto alto foi o longo cativeiro do empresário Roberto Medina), a imprensa carioca passou a repensar sua orientação editorial. O Globo, então, anunciou sua disposição de noticiar seqüestros. O Jornal do Brasil, logo depois da libertação do empresário Roberto Medina, também manifestou a intenção de mudar sua política. ?Ao devassar a extensão da rede que se envolveu nele, o seqüestro de Medina serviu para mostrar que o Rio de Janeiro é refém do crime organizado e assim o Jornal do Brasil não está convencido de que o silêncio se justifique por razões humanitárias?, afirmava nota do JB.
O recente seqüestro da filha do empresário e apresentador Silvio Santos reacendeu o debate a respeito desse tipo de cobertura. Ao contrário do que aconteceu no passado, o comportamento da chamada grande imprensa não foi monolítico. Os veículos das Organizações Globo deram ampla cobertura ao episódio. A imprensa paulistana, com exceção do Diário Popular, optou pelo silêncio. O Estado atendeu ao apelo da família e não divulgou informação durante o seqüestro. Repórteres do jornal acompanharam o caso normalmente, para divulgar o noticiário completo quando o seqüestro terminou. Posição análoga foi adotada pela Folha de S. Paulo.
O câncer dos seqüestros tem disseminado suas metástases por todo o País. Por isso, renasce a argumentação contrária a qualquer tipo de silêncio.
Imagina-se que noticiar seqüestros pode ser uma forma de mobilizar a opinião pública e, ao mesmo tempo, denunciar a malha de cumplicidade que costuma envolver policiais e o crime organizado. Sou favorável ao embargo informativo. Embora a divulgação de notícias sobre um seqüestro possa ajudar no esclarecimento do caso e na localização do cativeiro, o risco assumido é muito grande. O suposto direito do leitor à informação não pode estar por cima da preservação da vida da vítima. Dá-se, freqüentemente, à liberdade de informação a qualidade de um direito absoluto, esquecendo que direito absoluto não significa direito ilimitado. Afirmar que um direito é absoluto indica que ele é inviolável nos limites que lhe são assinalados pelos motivos que justificam sua vigência e, sobretudo, que esses limites são marcados pelo respeito aos valores éticos. Entendo, por isso, que não se deve tratar o seqüestro como um fato jornalístico qualquer. A vida do seqüestrado é uma preocupação humanitária que não podemos perder de vista, mesmo que com isso deixemos de dar a notícia.
O jornalista não pode ser um mero transmissor. Deve ponderar a respeito das conseqüências imediatas e futuras da divulgação. A discussão, no entanto, não termina aqui. Será correto, por exemplo, noticiar detalhes a respeito das técnicas adotadas pelos seqüestradores? Não corremos o grave risco de transformar nossas matérias em manuais práticos, e aperfeiçoados a cada edição, da hedionda arte de seqüestrar? O valor do resgate, estampado sem recato, não servirá de emulação para novos delitos? São indagações que devem ser discutidas por todos os que manifestam sincera preocupação com a qualidade técnica e ética da informação.
Este artigo já estava escrito quando o apresentador Silvio Santos experimentou o drama do resseqüestro. O episódio, cinematográfico e inusitado, não deve ofuscar a reflexão proposta. Ao contrário, reforça a necessidade do debate. Afinal, o criminoso – amador, mas inteligente – buscou a presença do governador de São Paulo e o poder dos holofotes da mídia para salvar a própria pele. A cobertura foi correta, incontornável. O problema, insisto, não se limita à omissão ou divulgação da notícia, mas, sobretudo, ao sensato tratamento editorial. Uma história de seqüestro é sempre uma história policial forte e tentadora. Trata-se de uma cobertura desafiante e difícil. É preciso, por isso, tratá-la com extrema serenidade.
Importa, sobretudo, ter a coragem de não sucumbir ao apelo da grande manchete. (Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo para Editores e professor de Ética Jornalística, é representante da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra no Brasil E-mail:difranco@dialdata.com.br)"
"Entre leitores do ‘Estado’, desfecho divide opiniões", copyright O Estado de São Paulo, 1/09/01
"Muitos leitores enviaram fax e e-mails para o Estado criticando ou elogiando o governador Geraldo Alckmin por ter ido à casa de Silvio Santos para ajudar no desfecho do seqüestro do apresentador.
Na opinião da empresária Sonia Ferreira, de 55 anos, seria ruim para o governo se Silvio Santos morresse nas mãos de Fernando Dutra Pinto. ?Muita gente seria despedida?, disse. Segundo Sonia, é difícil criticar a atuação do governador porque o empresário é um ídolo, exemplo de vida. ?Meu protesto é contra o secretário de Segurança, que não tem pulso forte?, afirmou. ?Ele dá mais desculpas do que age.?
Sonia tem medo de seqüestros, principalmente por seus dois filhos. Ela conta que o caçula foi assaltado cinco vezes; o mais velho, duas. ?Tenho uma vida tranqüila, evito sair à noite e quando saio, vou de táxi.?
A pena de morte para o seqüestrador de Silvio Santos foi defendida pela dona de casa Rosa Capotorto, de 71 anos. ?Vivo trancada, tenho muito medo pelo meu filho?, disse Rosa. ?Fico apavorada até que ele chegue em casa, à noite.? Rosa gostou da atuação de Geraldo Alckmin. ?Ele mostrou que não tem medo, foi simples e ajudou no desfecho da tragédia.?
Salvador – ?Silvio Santos apareceu como salvador do bandido e o governador foi lá também garantir a vida do criminoso?, afirmou o aposentado Iwan Thomas Halasz, de 79 anos. Para ele, os admiradores do apresentador certamente gostaram de o governador ter participado do fim do seqüestro. ?Alckmin arranjará muitos votos por isso.?
Halasz disse que não tem medo de seqüestro e não acredita que possa ser vítima de um crime como esse. Até brinca com o assunto: colou no vidro de seu carro um adesivo com os dizeres ?não uso talão de cheques, cartão de crédito ou de banco nem aliança de ouro?. ?No fim, está escrito que me assaltar é esforço perdido e quem avisa amigo é?, ironiza.
A médica Tania Schiobuola, de 56 anos, acha que não pegou bem para Alckmin ir à casa de Silvio Santos. ?Se a polícia tivesse mais habilidade, teria poupado a imagem do governador?, afirmou. Para ela, seqüestro deve ser resolvido pela polícia e pela família da vítima."
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"População pára e acompanha episódio pela TV", copyright O Estado de S. Paulo, 31/08/01
"Aos poucos, quando ficavam sabendo que Silvio Santos estava refém do seqüestrador da filha, na própria casa, as pessoas iam se aglomerando na frente do primeiro televisor que viam nas ruas. No centro de São Paulo, pela manhã, as calçadas estavam calmas e o comércio quase vazio.
Somente as lojas de eletrodomésticos atraíram ?fregueses?, afoitos pelas últimas notícias.
O tumulto na porta dessas lojas levou gerentes de algumas, como Eletro, Arapuã e Ponto Frio, a desligarem os aparelhos. ?Um rapaz até xingou meu colega que desligou a televisão?, comentou o vendedor Agostinho Mateus, de 47 anos. Por causa do racionamento de energia, as lojas costumam manter somente um aparelho funcionando, o que causou muito empurra-empurra. ?Tinha tanta gente que fecharam a Conselheiro Crispiniano?, afirmou Mateus.
Mas um dos locais que mais atraiu curiosos foi a barraca do ambulante Josué Roberto Tedeschi, na esquina da Conselheiro com a Barão de Itapetininga, que tinha dois televisores funcionando sem parar. Para ele, no auge do suspense das reportagens de TV, cerca de cem pessoas se espremeram na frente da barraca. ?O seqüestro prejudicou um pouco as vendas. Enquanto o Silvio não foi solto, ninguém comprou nada.?
Curiosidade – ?Será que vai ter Show do Mïlhão hoje (ontem)??, indagou um garotinho, enquanto o vendedor Manuel Alves da Silva, de 58 anos, comentou que ?todo mundo? ficou apreensivo com a situação do Silvio. ?De manhã, fui fazer uns serviços, mas parava sempre que via uma televisão?, disse. ?Brasileiro é muito curioso.?
Não havia nenhuma esquina sem um grupo ouvindo e fazendo questão de comentar a atitude ousada do bandido. De olhos grudados na TV de um bar, o camelô Sérgio Alexandre do Carmo, de 18 anos, falava da coragem de Fernando Dutra Pinto. ?Parece filme: o cara seqüestrou a filha dele, fugiu da polícia e invadiu a casa do Silvio. Ele é peitudo.?
?Ainda bem que o Silvio saiu bem?, disse a faxineira Cremilda Afonso, de 39 anos. ?O escritório onde trabalho parou hoje de manhã, ninguém queria saber de mais nada?, observou. ?Soube da situação no ônibus, quando vinha para o trabalho?, completou Juliana Bezerra da Silva, de 18 anos. ?Não acreditei, fiquei chocada.?"
"As verdadeiras e falsas polêmicas do seqüestro", copyright O Estado de São Paulo, 1/09/01
"Faz tempo que este País não vivia tão grandes emoções. Improvável e por isso mesmo espetacular, os brasileiros assistiram, em dois longos capítulos, a criminalidade batendo à porta de Silvio Santos, uma das figuras mais populares e queridas da TV.
Parodiando os textos declamados na cobertura dos noticiários, o seqüestro de Patrícia Abravanel, seguido pelo do seu pai pelo mesmo homem, parecia coisa de Hollywood, de roteiro de cinema.
Isso fez o Brasil parar diante da TV. Nas duas oportunidades, quando a estudante concedeu uma espécie de entrevista coletiva da sacada de sua casa depois de sair do cativeiro e, durante toda a manhã de quinta-feira, quando o seqüestrador fez refém o empresário e apresentador Silvio Santos, metade dos aparelhos de TV existentes na região metropolitana de São Paulo estava ligada. Um recorde para o horário.
A natureza do show exibido pela TV (pelo rádio e sites) deixou o brasileiro de todas as faixas sociais perplexo e suscitou polêmica reais e falsas. A primeira e mais grave tratou do comportamento da imprensa diante dos seqüestros. A maioria do veículos, a pedido da família Abravanel e da polícia, não noticiou o seqüestro da estudante até o seu desfecho. A Globo e alguns jornais transformaram o fato em manchetes. Em sua defesa, um porta-voz da rede líder no Ibope levantou uma ?ética própria?, que nortearia as tomadas de decisão no Jornalismo da Globo.
Argumento complicado especialmente quando a vida de alguém corre perigo. Essa discussão, se não fosse atropelada pelo segundo ato (o seqüestro do próprio SS), poderia ser uma das mais produtivas porque expôs de maneira incontestável a enorme falta que faz um código de conduta para a TV que, em última instância, é uma concessão pública. Ou seja, se não existem regras claras – baseadas no que diz a Constituição, de preferência – o que vigora é a ?ética? que convém a cada um, passível de interpretações variadas.
No inesperado desdobramento do caso – a reação do seqüestrador que matou dois policiais, desceu paredes como um super-herói e submeteu Silvio Santos dentro de sua própria casa -, a imprensa comportou-se de modo homogêneo, explorando todas as possibilidades do fato. Saiu-se melhor a Record, que há tempos especializa-se no jornalismo policial. Enquanto a Globo enchia lingüiça rememorando os acontecimentos anteriores, a Record trazia informações inéditas ao público. Colocou repórteres para acompanhar a movimentação no Morumbi e na periferia, onde parentes do seqüestrador foram arrebanhados para ajudar a resolver o impasse.
Resolvido o caso, surgiram a falsas polêmicas. Apresentadores inflamados colocaram sob suspeita a coragem pessoal do governador Alckmin, que acabou resolvendo a rendição do criminoso. ?Se o seqüestro fosse em uma favela, ele iria até lá??, perguntaram Bóris Casoy (Record) e José Paulo de Andrade (Band). À tarde, Márcia Goldschmidt exibia na Band imagens da mãe de Fernando e desconfiava da ?calma? da mulher e da falta de pobreza na casa em que mora."