COBERTURA POLÍTICA
“Conquistar leitores”, copyright O Estado de S. Paulo, 17/02/03
“A mídia, afirma o jornalista francês François-Henri de Verieu, tornou-se ?o fermento de toda a ação?. De fato, outrora havia as relações face a face: eleitos-eleitores, governantes-governados. Atualmente, elas deram lugar a situações triangulares: governo-mídia-opinião pública. Por isso, os meios de comunicação, particularmente os eletrônicos, fascinam e aprisionam as figuras públicas. Muitos sociólogos da comunicação tentaram mostrar o caráter parcialmente ilusório e mítico da suposta força irreprimível da ?tela mágica?. Mas, mito ou não, as lideranças políticas acreditam nela. A isso se somam as pesquisas de opinião, que influem excessivamente no comportamento e na ação dos homens públicos, no que vão fazer ou dizer.
Os caciques da política nacional, dominados pela obsessão de um bom desempenho na mídia, só pensam no efeito imediato de suas declarações, no gesto que traz dividendos, no slogan que produz impacto eleitoreiro.
Preocupam-se pouco, muito pouco, com o conteúdo e com os resultados efetivos que decorrerão de determinadas estratégias. A prioridade ao instantâneo, a opção pelo show mediático relegam a segundo plano da reflexão a perspectiva de médio e longo prazo. Ao encantamento da imagem se acrescentam outras tendências que compõem o perfil médio do político brasileiro: a transferência de responsabilidades, o descompromisso com a verdade e o descaso com a coerência. Vêm à tona essas considerações a propósito da qualidade técnica e ética da cobertura da política brasileira.
Uma cobertura de qualidade é, antes de mais nada, um problema de foco. O desinteresse crescente do leitor pelas páginas de política está, estou certo, em relação direta com o excesso de aspas, a falta de apuração, a crise da reportagem e a substituição de matéria jornalística por transcrição rotineira de fitas. De uns tempos para cá, o leitor passou a receber dossiês que, freqüentemente, não se sustentam em pé. Duram o que dura uma chuva de verão. Como chegam, vão embora. Curiosamente, quem os publica não se sente obrigado a dar nenhuma satisfação ao cliente. Dossiê deveria ser ponto de partida. Entre nós, virou matéria para publicação. Entramos na era do jornalismo sem jornalistas, nos tempos da reportagem sem repórteres.
Ficamos, todos (ou quase todos), fechados no nosso autismo, emparedados no ambiente rarefeito das redações. Enquanto esperamos o próximo dossiê, tratamos de reproduzir declarações entre aspas, de repercutir frases vazias de políticos experientes na arte de instrumentalizar a imprensa.
Com ingenuidade própria de um foca, repórteres e editores não se dão conta dos riscos de manipulação que ameaçam a cobertura de política. Por isso, é preciso e urgente revalorizar as clássicas perguntas que devem ser feitas a qualquer jornalista que cumpre uma pauta investigativa: checou? Tem provas?
A quem interessa essa informação? Trata-se de elementar cuidado no combate às tentativas de utilização da imprensa. Dossiês, mesmo quando carregados de indícios relevantes, são apenas pistas para uma adequada investigação. Não são, obviamente, matéria para edição. Nada, nada mesmo, substitui o dever da apuração.
É preciso, enfim, combater todas as manifestações do jornalismo declaratório e assumir, com clareza e didatismo (muitas de nossas matérias deixam o leitor aturdido e confuso), a agenda do cidadão. É preciso cobrir com qualidade as questões que influenciam o dia-a-dia do leitor. É importante fixar a atenção da cobertura não mais nos políticos e em suas estratégias de comunicação, mas nos problemas de que os cidadãos estão reclamando. O papel da imprensa é ouvir as pessoas, conhecer suas queixas, identificar suas carências reais e cobrar soluções dos políticos. Não se pode permitir que as assessorias de imprensa dos homens públicos definam o que deve ou não ser coberto. O centro do debate tem de ser o cidadão, não mais o político, tampouco a imprensa. Só assim prestaremos serviço. Só assim conseguiremos que os leitores, seduzidos pelo ímã dos novos meios, percebam que o jornal continua sendo útil, importante, um parceiro insubstituível na travessia do seu dia-a-dia. (Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo para Editores e professor de Ética Jornalística, é representante da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra no Brasil E-mail: difranco@ceu.org.br)”
“Direita sem sinistrose”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 16/02/03
“Fernando Rodrigues, da Folha, exultou, na coluna do dia 10, com a promessa do deputado José Carlos Aleluia, novo lider do PFL na Câmara, de fazer o seu partido assumir que é de direita. Rodrigues afirma, com inteira razão, que é muito importante para a ainda jovem democracia brasileira ter uma direita civilizada, que aceite o jogo democrático. Que saiba que há momentos nos quais estará na situação, outros em que estará oposição, e aprendaa se comportar em ambos os casos. Este passo adiante, porém, deveria ser seguido pela presença de jornalistas assumidamente de direita capazes de defender idéias deste lado do espectro político sem espumar contra idéias contrárias. Isso, no entanto, não acontece, lamentavelmente.
?O que? Você um cara que se diz que esquerda defendendo jornalistas de direita??, poderão perguntar alguns, mas não creio que haja motivos para surpresa. Afinal, exatamente por ser um sujeito genuinamente (sem trocadilho) de esquerda, acredito, como Carlos Nélson Coutinho, que a democracia é um valor universal. E não há democracia de verdade se não houver uma direita democrática igualmente verdadeira. Mas isso não é muito fácil ser desenvolvido aqui no nosso triste trópico (daí a vibração de Fernando Rodrigues) e menos ainda na imprensa brasileira.
Creio que a dificuldade de um jornalista se dizer de direita e ainda assim andar de cabeça erguida por aqui pode ser encontrada no excelente livrinho de Norberto Bobbio, ?Direita e Esquerda – Razões e significados de uma distinção política? (Editora UNESP). Na obra, o pensador político italiano procura provar que, ao contrário do que muitos defendem, a dicotomia esquerda/direita continua forte e ativa no mundo político.
O argumento básico de Bobbio é que nos embates políticos concretos dentro das sociedades baseadas no modelo construído nos últimos cinco séculos no Ocidente, observa-se sempre dois campos: um de pessoas que fazem questão de dar mais ênfase no que os seres humanos têm de igual; outro de pessoas que dão mais destaque ao que os seres humanos têm de desigual. Na opinião do pensador italiano, os primeiros podem ser chamados – segundo tradição que remonta à Revolução Francesa – de pessoas de esquerda e os seus adversários de pessoas de direita. Assim, ambas as facções admitem que os homens têm similitudes e dessimilitudes, mas os que de esquerda acham as primeiras mais importantes e os de direita crêem que as segundas é que são essenciais.
É este tipo de visão do mundo, segundo Norberto Bobbio, que faz com que haja diferenças na condução dos governos. Os esquerdistas, por acreditarem que a igualdade é o que importa e as diferenças têm, em sua maior parte, origem em vantagens e desvantagens sociais, querem, se não eliminá-las, pelo menos dimuinuí-las. Já os direitistas acreditam que as diferenças entre os homens são mais importantes por serem ?naturais? e que elas devem ser mantidas, pois é por causa delas que a sociedade evolui.
O que tem a ver esta tese do italiano, que considero sólida, com a falta no Brasil de jornalistas assumidamente direitistas capazes de travar um diálogo civilizado? Me parece que os jornalistas de direita no Brasil se envergonham de se assumir como tais exatamente porque teriam que defender uma opção política que acredita ser a desigualdade o motor que leva ao aperfeiçoamento das sociedades.
O motivo para esta dificuldade é que o Brasil a desigualdade chegou a tal ponto que qualquer um que a defenda será impiedosamente defrontado com o que sua opção política construiu no decorrer da História de nosso país. Esta construção histórica foi tão monstruosa que a desvantagem dos direitistas no confronto de idéias pela imprensa será tão gramde – mesmo que afirmem estar defendendo a desigualdade natural e não a exclusão social – que somente uma habilidade imensa poderia equilibrá-la e, ainda assim, num prazo longo.
O resultado disso é que os jornalistas direitistas, envergonhados, se escondem numa suposta isenção ideológica – possível apenas como ideal platônico, mas fora de questão no mundo real – ou até se identificam como esquerdistas, como no caso risível dos colunistas econômicos que exigem, por exemplo, uma maior atenção do Estado para com a população negra pobre e excluída, mas defendem com unhas e dentes a política econômica que causa e amplia esta exclusão.
Com aqueles que poderiam defender uma direita democrática decentemente morrendo de vergonha de fazê-lo, sobram apenas os extremistas de direita, os que babam na gravata, como Olavo de Carvalho e seus epígonos menos talentosos. Essas pessoas têm tanto apreço pela democracia quanto os extremistas de esquerda que eles vêem até embaixo da cama e são elas que acabam ocupando os espaços nos jornais, revistas, tevês e rádios. Algo péssimo para o regime democrático que ainda estamos tentando consolidar no Brasil. Por isso espero que, em breve, vejamos aparecer jornalistas de direita com um mínimo de talento para defender suas posições políticas de uma maneira inteligente.
Passo adiante – Ainda é pouca coisa, eu sei, mas nesta semana houve colunas de assuntos gerais que deram notinhas sobre o que vai pela política na Assembléia Legislativa do Rio. Espero que continuem para ver se contagiam as páginas que cuidam das reportagens e estas também passam a cobrir as assembléias e câmaras municipais. Não seria um investimento muito grande para os jornais – a contratação de mais um ou dois repórteres, que poderiam tratar de assuntos correlatos, pois as casas normalmente têm um horário pra lá de relaxado – e o retorno em termos de interesse de público tenderia a crescer com a insistência na cobertura.”
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“Roda de bobo no Congresso”, copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 9/02/03
“Na coluna de domingo, dia 02/02, eu comparava a cobertura política no Brasil à de futebol. E não é que na semana passada aconteceu uma daquelas coincidências espantosas? Os coleguinhas de Política descobriram o deputado petista Babá, que, depois de quatro anos de obscuridade, conseguiu sair da penumbra graças aos protestos contra a administração Lula da Silva, sendo alçado, direto, a líder da esquerda do PT.
A coincidência é que Babá era o apelido de um dos ídolos de minha pré-adolescência. Ele era meia-esquerda do Pavunense, time do bairro em que eu morava, campeão carioca dente-de-leite em 1971, tendo sido considerado a revelação daquele campeonato. O Babá de Pavuna chegou a jogar profissionalmente no Santos e – se não me engano – no Mato Grosso, mas, ao contrário do Babá petista, nunca fez muito sucesso entre os coleguinhas.
Ao contrário do Babá pavunense, o do PT entraria fácil numa categoria futebolística conhecida como ?revelação tardia?. Este tipo de jogador aparece muito nos clubes em início de temporada, época de secura sertaneja em termos de notícias. Rola mais ou menos assim:
Chega o dirigente do clube na rodinha de jornalistas, todos doidos por uma nova qualquer que abra o noticário do dia seguinte:
– Contratamos um artilheiro! – anuncia o cartola
– Quem? – perguntam, quase em uníssono, os coleguinhas, ansiosos.
– O Valdo – responde o cartola.
– Mas ele não está muito velho não? – questiona um trepidante, achando que a fonte falava do ex-jogador da seleção, do Grêmio, do Cruzeiro e de uma dezena de outros clubes, que agora está para estrear no Botafogo, aos 39 anos.
– Não é aquele. Esse é o Valdermício, mas o pessoal chama ele de Valdo, né? – esclarece o dirigente.
– Tá. E de onde vem esse Valdermício e o que ele já fez de bom? – pergunta outro coleguinha.
– Ele jogou no XPTO e foi artilheiro do campeonato (aí o cartola cita um estado pequeno, sem muita tradição futebolística)
– Pô! Esse estado só tem time na terceira divisão do Brasileiro! – reclama um jornalista mais bem-informado.
– Mas o Valdo é craque, tô dizendo! – reafirma o dirigente, meio melindrado.
– Qual a idade dele?
– 28 anos.
– 28?!! Uma revelação de 28 anos?! E ele era o quê antes de jogar no XPTO? Padeiro?
– Bem, ele já tinha jogado em alguns clubes…
– Que clubes? – pergunta o mais bem-informado, já desconfiado.
– Bem…No (aí o dirigente desfia umas dez agremiações. A primeira e a segunda até conhecidas, depois todas de segunda ou terceira divisão).
– Tem certeza que esse cara é bom? – pergunta o mais bem-informado, a essa altura já totalmente convencido, como os outros, que o Valdermício não joga nada.
– Claro! Você vão ver! Ele chega amanhã e treina depois de amanhã – afirma o cartola e se manda.
No dia seguinte, sai lá na página de esporte, com destaque: ?Valdo chega para resolver problema de gols do …..?
Pois é assim que está acontecendo na cobertura política. Os repórteres parecem que vão ao Congresso como os coleguinhas que fazem o dia-a-dia do futebol vão aos clubes: com a obrigação de arranjar qualquer coisa de bombástica (ou que possa parecer bombástica) para abrir as páginas ou, no caso dos jornais especializados em esporte, gritar nas primeiras. Vai daí descobrem o professor universitário e engenheiro mecânico João Batista Oliveira de Araújo, o Babá do PT, que – como o Valdermício – se transforma numa tardia revelação, no caso de líder petista, mesmo não tendo em sua primeira legislatura se destacado em absolutamente nada, seja à direita, à esquerda ou ao centro. E tenho certeza de que nem precisou intermediário, como o Valdermício, para assumir seu novo papel: foi só chegar na área de entrevistas do Salão Verde, subir no banquinho retórico, arranjar uma frase legal e – bingo! – todo mundo ficou feliz: os coleguinhas arrumaram o que trombetear e o novo líder foi para as manchetes.
Essa tendência não é nova, claro. Ela se desenvolveu durante toda a década de 90, mas parece ter entrado em nova fase agora que a esquerda chegou ao poder. Antes não dava muito na vista porque a cobertura era por caciquia política – os caciques de cada partido (ou da regional de cada partido) falavam e fim de papo. Agora, com menos caciques na direita (apesar da volta de ACM, ao qual muito coleguinha já está dando uma força a fim de mostrar que ele ainda é poderoso, pelo menos no PFL) e a hegemonia de um partido de esquerda em que cacique mesmo só tem um (os outros são vice-caciques no máximo), o esquema de cobertura salta aos olhos.
Mas ainda assim há uma cobertura no Congresso, mesmo que quase vazia de conteúdo. Pior é no que diz respeito às assembléias estaduais e, principalmente, às câmaras de vereadores. Os jornais de São Paulo ainda dão alguma atenção ao que os deputados estaduais e os edis paulistanos fazem, mas aqui no Rio, Alerj e Câmara dos Vereadores só aparecem nas páginas quando pipoca algum escândalo, descoberto, na maior parte das vezes, com atraso de meses, pois não há uma cobertura sistemática, diária e vigilante. Cobertura de política no Rio (e muito em São Paulo também) resume-se, na prática, à cobertura do Executivo e, mesmo assim, flagrantemente via assessorias.
Tanto a cobertura vazia do Congresso quanto a cobertura quase nenhuma de assembléias e câmaras de vereadores demonstram que a mídia brasileira, em especial os jornais, ainda não entendeu a importância que tem para a democracia, mesmo quase 20 anos após a ditadura no país. É uma pena e espero, sinceramente, que os veículos de comunicação não demorem mais tempo em se situar de verdade como o pilar da democracia que eles vivem a alardear que são. Pois quanto mais se retardarem nessa descoberta, maior será a demora para nosso país se tornar mais democrático e realmente mais justo.”